5 livros do Romantismo II: O Guarani

15 05 2009

peri e ceci, ilustração de Santa Rosa, O Guarani, RJ, José Olympio,1955Peri e Ceci, ilustração de Santa Rosa, O Guarani, Rio de Janeiro, José Olympio: 1955.

 

Como postei no dia 3 de maio estou elaborando algumas notas sobres as excelentes informações do Professor Vanderlei Vicente  sobre os 5 livros do romantismo necessários para o vestibular, publicado no Portal Terra.  Meu objetivo é ajudar aqueles que precisam destas leituras: não só a entenderem  um pouquinho mais do romantismo no Brasil, mas conseguirem se lembrar de alguns detalhes das obras mencionadas. O artigo original estará sempre em itálico azul. 

 

O Guarani (1857), de José de Alencar – “Este é o primeiro romance de temática indianista publicado pelo autor, que estabelece uma visão idealizada sobre a formação do povo brasileiro através do índio Peri e da portuguesa Cecília. A idealização do indígena fica evidente nas ações de Peri, que, em certo momento da obra, chega a oferecer-se para o sacrifício para salvar sua amada Ceci. No final do romance, a permanência de Ceci com Peri na selva dá um caráter fundador ao texto”.

O guarani, 1a edição, 1857

O romance O Guarani foi o segundo romance publicado por José de Alencar.  Foi originalmente publicado em capítulos, em folhetim para o Diário do Rio de Janeiro entre 1º de janeiro e 20 de abril de 1857.    Em geral esses romances publicados em folhetins  eram traduções de romances de origem inglesa, como as histórias medievais de Walter Scott, ou edições francesas, como as aventuras dos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas.  Foi com essas publicações em capítulos, que a partir de 1830, um maior número de brasileiros começou a se familiarizar com o mundo da literatura de ficção, em veredas diferentes daquelas já exploradas pelos portugueses.   Assim, brasileiros acompanharam as aventuras de Ivanhoé ou de D’Artagnan e foram apresentados ao romance histórico, ou seja ao romance que detalhava as aventuras de  seus heróis em eras do passado.

Qual não foi a alegria dos leitores dos diários brasileiros de descobrirem que havia um autor brasileiro, muito bom, que também se dedicava à escrita do romance histórico!   E ainda, um romance histórico brasileiro!  Graças à imaginação de José de Alencar e também à sua indiscutível habilidade narrativa, O Guarani em capítulos, proporcionou aos brasileiros, pela a primeira vez, um passatempo em que, como um todo, a sociedade teve a oportunidade de pensar, fantasiar, considerar e discutir sobre a vida no Brasil de 300 anos antes; a vida dos colonizadores portugueses vivendo em 1604.  A revolução cultural deste evento foi enorme.    

 

jose de alencar

José de Alencar, autor de O Guarani.

 

José de Alencar não foi o primeiro escritor brasileiro a publicar seus romances em folhetins.  Três outros autores já o haviam precedido: Teixeira e Sousa, 1843 com  O Filho do Pescador; Joaquim Manuel de Macedo,  com A Moreninha, o primeiro romance nacional, e Manuel Antônio de Almeida que aos 22 anos, publica o seu As suas Memórias de um Sargento de Milícias um livro de aventuras cômicas da vida no Rio de Janeiro no tempo de D. João.  

Em O Guarani, um romance com 54 capítulos divididos em 4 partes: Os Aventureiros, Peri, Os Aimorés e A Catástrofe; leitor é colocado diante de aventuras constantes, que o deixavam em suspense na leitura de um capítulo para o outro, assim mesmo como acontece hoje em dia nas novelas televisivas.   Um romance histórico indianista, que se desenrola na época em que o Brasil estava sob o domínio espanhol [1604], compreende a conquista do sertão brasileiro,  o  confronto de raças e de culturas [européia e indígena],  a imposição do cristianismo,  a assimilação do selvagem na cultura dominante e muito especificamente a idealização da natureza.  

 

 

cascata conde D'Eu

Cascata do Conde D’Eu, no Rio Paquequer, no estado do Rio de Janeiro, uma das localizações descritas em O Guarani.

 

CAPÍTULO I

 

 

Cenário

 

 

De um dos cabeços da Serra dos Órgãos desliza um fio d’ água que se dirige para o norte e engrossado com os mananciais, que recebe no seu curso de dez léguas, torna-se rio caudal.

 

É o Paquequer: saltando de cascata em cascata, enroscando-se como uma serpente, vai depois se espreguiçar e se enroscar na várzea e embeber no Paraíba, que rola majestosamente em seu vasto leito.

 

Dir-se-ia que vassalo e tributário desse rei das águas, o pequeno rio altivo e sobranceiro contra os rochedos, curva-se humildemente aos pés do suserano.  Perde então a beleza selvática; suas ondas são calmas e serenas como as de um lago, e não se revoltam contra os barcos e canos que resvalam sobre elas: escravo submisso, sofre o látego do senhor.

 

Não neste lugar que ele deve ser visto; sim três ou quatro léguas acima de sua foz, onde é livre ainda, como filho indômito desta pátria da liberdade.

 

Aí, o Paquequer lança-se rápido sobre o seu leito, e atravessa as florestas como o tapir, espumando, deixando o pelo esparso pelas pontas de rochedo e enchendo a solidão com o estampido de sua carreira.  De repente, falta-lhe o espaço, foge-lhe a terra; o soberbo rio recua um momento para concentrar suas forças e precipita-se de um só arremesso, somo um tigre sobre a presa.

 

Depois, fatigado do esforço supremo, se estende sobre a terra, e adormece numa linda bacia que a natureza formou, e onde o recebe como em um leito de noiva, sob as cortinas de trepadeiras e flores agrestes.  

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Este Rio Paquequer, existe?

O Rio Paquequer nasce no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no estado do Rio de Janeiro e sua bacia cobre uma área aproximada de 290 Km2.  A Cascata do Conde D’ Eu, descrita nas páginas de O Guarani, é a mais alta queda d’ água do estado.  O peso do enorme volume de água em queda livre formou, ao longo dos séculos, uma garganta na parte inferior — um poço com 30 metros de diâmetro — de águas limpas, transparentes e de temperatura fria.  Essa queda d’ água está permanentemente envolvida numa nuvem de partículas de água, que a tornam ainda mais sedutora, que alcançam a altura de 150 m.  É uma das grandes belezas naturais do  estado do Rio de Janeiro. 

 

José de Alencar, estátua, foto de andrepcgeo, Flickr

Estátua de José de Alencar, na Praça José de Alencar no Flamengo, RJ.

 

Qual era a opinião de Machado de Assis sobre José de Alencar?

Machado de Assis teve diversas oportunidades de mostrar sua admiração pelo autor de O Guarani.  Recorto aqui um trecho de suas palavras:

 

No romance que foi a sua forma por excelência, a primeira narrativa, curta e simples, mal se espaçou da segunda e da terceira.  Em três saltos estava O Guarani  diante de nós, e daí  veio a sucessão crescente de força, de esplendor, de variedade.  O espírito de Alencar percorreu as diversas partes de nossa terra, o norte e o sul, a cidade e o sertão, a mata e o pampa, fixando-as em suas páginas, compondo assim com as diferenças da vida, das zonas e dos tempos a unidade nacional da sua obra.

 

Nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira. E não é só porque houvesse tratado assuntos nossos.  Há um modo de ver e sentir, que dá a nota íntima da nacionalidade, independente da face externa das coisas.  O mais francês dos trágicos franceses é Racine, que só fez falar a antigos.  Schiller é sempre alemão, quando recompões Felipe II e Joana D’ Arc.  O nosso Alencar juntava a esse dom a natureza dos assuntos tirados da vida ambiente e da história local.  Outros o fizeram também, mas a expressão do seu gênio era mais vigorosa, e mais íntima.  A imaginação que sobrepujava nele o espírito de análise, dava a tudo o calor dos trópicos e as galas viçosas de nossa terra. O talento descritivo, a riqueza, o mimo e a originalidade do estilo completavam a sua fisionomia literária.  

 

Machado de Assis, Discurso proferido na cerimônia do lançamento da primeira pedra da estátua de José de Alencar.  

 

A terra com suas belezas não é o único ponto de idealização no romance de Alencar.  Peri, nosso herói, cujo nome em guarani significa junco silvestre, era da tribo dos índios goitacazeses, honrados nos dias de hoje pelo nome da cidade fluminense: Campos dos Goytacazes.  Peri luta contra os aimorés, contra o homem branco e até contra os elementos naturais,  para agradar e salvar sua Cecília, filha de um nobre português.

 

 

Quem eram os Goitacazes?

 

Os Goitacazes foram um grupo indígena, hoje extinto, que habitava no século XVI a região costeira entre o rio São Mateus, no Espírito Santo e a foz do rio Paraíba, no Rio de Janeiro.   “Goitacaz quer dizer corredor, nadador ou caranguejo grande comedor de gentes.  Fisicamente possuíam pele mais clara, eram mais altos e robustos que os demais índios do litoral. Considerados muito perigosos entre outras características, por sua extraordinária força.

 

goytacaz

Índio Goytacaz, ilustração no livro Capitães do Brasil, de Eduardo Bueno, Rio de Janeiro, Objetiva:2006, 2a edição.

 

Há 3 contemporâneos das aventuras de Peri e Ceci, cujas descrições dos índios goitacazes mostram como eram violentos.   E como deveriam ter sido inimigos de grande periculosidade.  Aqui estão essas passagens, encontradas no livro de Eduardo Bueno:

De acordo com o relato de frei Vicente do Salvador (1564-1639), os Goitacá mais pareciam ” homens anfíbios do que terrestres”, que nenhum branco era capaz de capturar, pois “ao se verem acossados, metem-se dentro das lagoas, onde ninguém os alcança, seja a pé, de barco ou a cavalo. ”  Ainda conforme frei Vicente, os Goitacá eram capazes de capturar peixes ” a braço, mesmo que sejam tubarões, para os quais levam um pau que lhes metem na boca aberta, que não a pode cerrar com o pau, com a outra mão lhe tiram por ela as entranhas, e com elas a vida, e o levam para terra, não tanto para os comerem, como para dos dentes fazerem as pontas de suas flechas, que são peçonhentas e mortíferas”.

Se não comiam tubarões, os Goitacá eram, segundo o francês Jean de Léry (1534-1611),  “grandes apreciadores da carne humana que comem por mantimento e não por vingança  ou pela antiguidade de seus ódios”.  Para Léry, a tribo deveria ser considerada a mais bárbara, cruel e indomável da Nações do Novo Mundo: selvagens estranhos e ferozes, que não só não conseguem viver em paz entre si como mantêm guerra permanente contra seus vizinhos e contra estrangeiros.

Embora rival de Léry, o cosmógrafo André Thevet ( 1502-1592) confirma o relato de seu desafeto.  Thevet afirmou que, após capturar um inimigo, os Goitacá “imediatamente trucidam e o comem seus pedaços quase crus, como fazem com outras carnes”.

Em: Capitães do Brasil, Eduardo Bueno, Rio de Janeiro, Objetiva:2006, páginas 106 e 107.

O Guarani, a ópera

guarany

Cartaz para a apresentação da ópera do compositor brasileiro Carlos Gomes, inspirada pelo romance do mesmo nome do escritor José de Alencar.

Quem já ouviu a introdução musical do programa de rádio, nacional, A Voz do Brasil, conhece também os primeiros acordes da introdução da  ópera em 4 atos, O Guarani de Carlos Gomes, que estreou em 19/3/1870 no teatro Scala de Milão, Itália, fazendo um grandioso sucesso.

A obra O Guarani de José de Alencar está em domínio público, para obter o texto original, clique AQUI.


Ações

Information

4 responses

6 08 2011
Benedito Veloso

Muito bom esse seu blog. Vou recomendá-lo

8 08 2011
peregrinacultural

Obrigada! Volte sempre!

31 10 2014
Pró-Memória Sumidouro

Está equivocado o texto. É necessário a devida correção. Existem 2 rios Paquequer na mesma região serrana fluminense. O Paquequer que nasce no Parque Nacional da Serra dos Órgãos não é o que possui a Cascata Conde d’Eu. O Paquequer que possui o referido acidente geográfico é o que nasce em Sumidouro/RJ. A citada cascata fica no município de Sumidouro, e não no de Teresópolis. Confira na Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Paquequer_(Sumidouro)

31 10 2014
peregrinacultural

Obrigada

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