Silêncio, José Saramago

21 06 2025
Não conheço a autoria dessa imagem.  Só há uma fonte na internet para ela.  Reproduzida muitas vezes.  Não confio. Tenho a impressão de que é feita por IA, ainda que alguns atribuam a um pintor do final do século XIX.  Nem vou mencionar seu nome para evitar que um rumor se propague.  Totalmente fora de seu estilo.   É no entanto uma interessante superimposição ao texto que segue. Serve também para alertar a todos vocês que aqui aparecem que há horas em que temos que confiar nos nossos instintos. 

 

“O som do relógio, que expulsara o silêncio, morria em vibrações cada vez mais ténues e distantes. Depois de apagar todas as luzes, Justina foi sentar-se numa cadeira, perto da janela que dava para a rua. Gostava de ali estar, imóvel, desocupada, as mãos abandonadas no regaço, os olhos abertos para a escuridão, à espera nem ela sabia de quê. A seus pés veio enroscar-se o gato, seu único companheiro de serões. Era um animal tranquilo, de olhos interrogadores e andar sinuoso, que parecia ter perdido a faculdade de miar. Aprendera com a dona o silêncio e, como ela, a ele se abandonava.”

 

 

Em: Claraboia, José Saramago, Cia das Letras.  Original de 1953, publicação póstuma em nova edição. 

 





Do silêncio, texto de José Eduardo Agualusa

12 07 2016

 

329px-Lucien_Lévy-Dhurmer_-_Le_Silence_-_Google_Art_ProjectO silêncio, 1895

Lucien Lévy-Dhurmer (França, 1865-1953)

Pastel, 59 x 29 cm

Musée d’Orsay

 

 

 

“O Silêncio.

Não, os silêncios.

Poderia escrever um breve ensaio sobre o silêncio. Ou antes, um catálogo de silêncios para a boa ilustração dos surdos.

1 – O silêncio que precede as emboscadas;

2 – O silêncio no instante do pênalti;

3 – O silêncio de uma marcha fúnebre;

4 – O silêncio de girassóis;

5 – O silêncio de Deus depois dos massacres;

6 – O silêncio de uma baleia agonizando na praia;

7 – O silêncio das manhãs de domingo numa pequena aldeia do interior do Alentejo;

8 – O silêncio da picareta que matou Trotsky;

9 – O silêncio da noiva antes do sim.

Etc.

Há silêncios plácidos e outros convulsos. Silêncios alegres e outros dramáticos. Há aqueles que cheiram a incenso, e os que tresandam a estrume. Há os que sabem intensamente a goiabas maduras; os que se guardam no bolso interior do casaco, juntamente à fotografia do filho morto; os que andam nus pelas ruas; os silêncios arrogantes e os que pedem esmola.”

 

 

Em: As mulheres do meu pai, de José Eduardo Agualusa, Rio de Janeiro, Língua Geral: 2012, p.82-3.