Claude Monet (França, 1840-1926)
óleo sobre tela, 56 x 46 cm
Coleção Particular
A ruazinha, [ou Vista de uma rua de Delft], 1658
Johannes Vermeer (Holanda, 1632-1675)
óleo sobre tela, 54 x 44 cm
Rijksmuseum, Amsterdã
Este é um dos pouco quadros que podem ser atribuídos sem qualquer questionamento ao pintor holandês do século XVII, Johannes Vermeer. Sua provenance é impecável, desde o momento que foi vendido em 1696 em Amsterdã, já mais de vinte anos após a morte do pintor. A tela está assinada, abaixo da janela. Veja abaixo:
Caso não tenha percebido: I. VMeer [Johannes Vermeer]
A tela é um retrato do cotidiano de uma rua pacata, tão a gosto do mercado holandês da época. Representa duas casas uma ao lado da outra com uma passagem entre elas para outro sítio ao fundo, onde podemos ver uma casa, parede caiada e uma vista parcial de uma janela. Ainda que não se saiba nada a respeito dos moradores desses locais, podemos ter uma ideia das atividades anônimas, da vida dos habitantes: uma senhora, à beira da rua, na porta de casa, borda, serze ou cose à mão. Está vestida à moda, com gorro segurando os cabelos, saia comprida, tamanquinhos de uso diário. Usa uma pequena capa de proteção contra o frio sobre os ombros, tradicional da época. Ela se encontra dentro de casa, acima do degrau que separa a residência da rua cuja calçada é revestida de lajotas de cerâmica ou pedras formando um jogo de losangos de cores diferentes. Não podemos ver nada além de uma sombra horizontal no interior da casa. A janela à direita, pintada de vermelho alaranjado, mostra um belo desenho dos painéis de vidros decorativos na parte superior e tem a banda de madeira escancarada, mostrando duas fechaduras de ferro negro. A janela aberta deixa que a luz do dia penetre no interior da casa. Logo abaixo da janela há um aro de metal para que se atrele as rédeas de um cavalo ou animal de carga.
Ao centro duas crianças, um menino e uma menina, se entretêm na calçada, logo abaixo das duas janelas fechadas, pintadas em tom esverdeado, pintura já bastante gasta, ao nível da rua. Elas brincam parcialmente debaixo de um banco fixado à parede externa da casa: o menino estendido com o corpo inteiramente na calçada, enquanto a menina, de costas para o espectador, se ajoelha no meio fio, com os pés no calçamento da rua, que apresenta revestimento semelhante ao pé de moleque: pedras arredondadas de tamanhos desiguais, que, como são pintadas por Vermeer, auxiliam na leitura de profundidade da cena. Muito têm-se discutido sobre essas janelas fechadas. A impressão que temos é que elas desafiam a lógica, não mostram uma maneira coerente de serem abertas. As fechaduras de ferro parecem indicar que as janelas abririam de encontro uma à outra.
Dois portais à esquerda, em arco, fazem parte de uma parede de tijolos, antiga com algumas irregularidades na argamassa. Terminavam em arco seria melhor dizer. Uma com a porta fechada de cor escura pertence à casa de janelas azuis à esquerda. Junto ao muro desta casa cresce uma bela videira que sombreia a janela aberta ao nível da rua. Há um banco de madeira no local que provavelmente desfruta da mesma sombra, a certas horas do dia e que também define a fachada da casa separando-a do portão fechado. Ao longo da casa de janelas azuis um banco semelhante ao da casa à direita do beco, mostra que nesse local, nessa época pode ter sido de praxe a existência desses bancos para o descanso ao fim do dia, para uma conversa com os vizinhos. A outra porta, mais à direita, já teve seu arco modificado, como podemos ver, com a estrutura do arco aparecendo acima do portal retangular, modificando o que havia no passado. Essa abertura mostra uma longa passagem, para um local atrás das casas. No meio do caminho, uma mulher atarefada, de touca, vestida com uma blusa vermelha e de avental, lava roupa numa barrica, duas vassouras estão encostadas no muro. Ao fundo, vemos a janela de outra casa, branca, mais adiante, que está com suas janelas fechadas. Um pouco acima vemos uma profusão de telhados e chaminés, que indicam uma área de construções com grande densidade. Pode ser qualquer hora do dia. O céu azul mostra algumas nuvens sem previsão de chuva.
Vermeer não foi o único pintor da época a retratar edifícios da cidade. Pieter de Hooch e outros também se dedicaram a cenas semelhantes, cenas da vida cotidiana ao ar livre..
Figuras bebendo no pátio, 1658
Pieter de Hooch (Holanda, 1629-1684)
óleo sobre tela, 68 x 58 cm
National Gallery of Scotland, Edinburgh
Acima vemos uma tela de Pieter de Hooch em que está representada outra passagem, do pátio onde amigos tomam uma cerveja até a rua ao fundo. Essa passagem também tem um arco na entrada. Leva a mesma data da tela de Vermeer, aqui, no entanto, a arquitetura parece mais rica. Pode ser uma parte mais abastada da cidade. Note-se a pedra chave do arco, decorada com o que parece ser o relevo de alguma figura mitológica. Além disso, houve durante a construção dessa passagem preocupação em fazer a entrada decorativa, já que tijolos vermelhos se intercalam com o que parece ser faixa de reboco. Acima uma placa com alguns dizeres e ainda mais acima temos a vista parcial de uma janela redonda, um óculo, provável fonte de luz para uma escada interna. O pátio também mais rico do que as construções de Vermeer se mostra pavimentado com lajotas de cerâmica de duas cores. A janela aberta à esquerda, serve curiosamente de cabide para um paletó de um uniforme de guarda, talvez de um dos clientes da taverna. Uma treliça com uma planta trepadeira — possivelmente uma videira, protege os convivas do sol. O dia está claro com poucas nuvens no céu. Ao fundo vemos uma rua e do outro lado uma residência que tem uma árvore na calçada. A árvore, com uma copa compacta, determina a estação do ano retratada, verão. Uma menina brinca com seu cachorrinho enquanto à direita uma mulher, talvez a dona da taverna ou a moça que serve os clientes parece atenta ao que os senhores sentados desejam.
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Pesquisas sobre o verdadeiro endereço das casas retratadas em A ruazinha têm sido feitas desde 1921, quando o Rijksmuseum adquiriu a tela de Vermeer. Em novembro do ano passado o museu, um dos mais importantes do mundo, revelou que depois de uma longa e detalhada pesquisa nos anais dos impostos sobre imóveis e sobre permissões para aberturas e para fechamentos de canais na cidade de Delft, finalmente conseguiram identificar a localização dos imóveis retratados na tela de Vermeer.
Para nos auxiliar no reconhecimento da cena, uma fotografia foi feita incluindo crianças brincando na calçada e uma sombra de mulher trabalhando ao fundo da passagem entre as casas, próxima a uma barrica. Uma mulher cose à janela da casa à direita na posição em que havia uma mulher bordando no portal de casa. Esta casa não é original. Foi demolida e no local construída outra casa no século XIX. Quase quatrocentos anos separam a tela de Vermeer das casas encontradas hoje. Muitas modificações podem ser vistas nos prédios retratados. Mas ainda há muito em comum. Professor Frans Grijzenhout, da Universidade de Amsterdã, descobriu a rua através dos livros de impostos de 1667. Hoje essas casas ocupam os números 40 e 42 da Vlamingstraat, em Delft.
A pesquisa também revelou que a casa da direita pertencia à tia de Vermeer, viúva, meia-irmã de seu pai, chamada Ariaentgen Claes van der Minne. Com uma família de cinco filhos, ela vendia tripas para sobreviver, e a ruazinha ao lado de sua casa era conhecida como a Passagem das Tripas. Sabe-se também que a mãe de Vermeer morava no mesmo canal, na diagonal dessa casa. É provável que o pintor estivesse bem familiarizado com a casa representada na tela e que provavelmente tinha memórias associadas a esse local.
Essa é uma descoberta que traz um pouco mais de luz à vida de Johannes Vermeer, um dos pintores com pouquíssimas telas conhecidas e um enigmático vazio a respeito de sua vida privada. Pouco sabemos dele. E só há aproximadamente 35 telas conhecidas de sua autoria. Ficará para os estudiosos preencher os vazios dessa biografia. Esse é só um dos muitos passos pela reconstrução do passado.
Armário de curiosidades, c. 1690
Domenico Remps (Itália, 1620-1699)
óleo sobre tela
Museo dell’Opificio delle Pietre Dure, Florença
“…Os comentários nas redes sociais, ou nos jornais on-line, são uma versão moderna dos antigos gabinetes de curiosidades, ou quartos de maravilhas, salas onde, nos séculos XVI e XVII, os fidalgos endinheirados acumulavam coleções de bizarrias, sortilégios e impossibilidades, como sereias empalhadas, cornos de unicórnios ou lágrimas de crocodilo. Nas caixas de comentários dos jornais, os prodígios, deformidades e monstruosidades não são físicos, mas ideológicos e morais. As pessoas exibem ali, com um estranho orgulho, as suas piores deformidades morais, a estreiteza aflitiva dos espíritos, as ideias mais monstruosas…”
Em: “Raças impuras”, José Eduardo Agualusa, O Globo, 28/09/2015, 2º caderno, página 2.
Joachim Friess (Alemanha, ca. 1579–1620)
Prata, parcialmente banhada a ouro,esmalte, pedras preciosas; movimento feito em ferro e madeira, 37 x 24 cm
Metropolitan Museum, Nova York
Esta é uma das diversas peças da época contendo um pequeno motor, chamadas autômatos. Teria sido usada em jogo de bebidas. O corpo do cervo é oco e pode ser usado como um copo/cálice. Um mecanismo seria ativado durante brincadeiras de beber em que a base, dando-se corda, pode rodar livremente sobre rodas escondidas até parar em frente a um dos participantes à mesa, que teria que beber todo o conteúdo do copo.
Fonte: Metropolitan Museum
Élisabeth Jacquet de La Guerre
François de Troy (França, 1645-1730)
Daniel Pennac
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A contadora, 1656
Nicolas Maes (Holanda 1634, 1693)
óleo sobre tela
Saint Louis Art Museum, EUA
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Nicolaes Maes, (também chamado de Nicolaes Maas) nasceu em Dordrecht em 1634 e morreu em 24/11/ 1693 em Amsterdã. Foi um pintor da época barroca na Holanda e se especializou em cenas do dia a dia assim como em retratos. Filho de um próspero comerciante, Gerrit Maes, foi em 1648 para Amsterdã estudar com Rembrandt. Só a partir de 1655, no entanto encontra seu próprio estilo, deixando de lado a influência de seu mestre. Pelos próximos dez anos ele desenvolve o estilo que o faria famoso, especializando-se em cenas do dia a dia, ou seja da pintura de gênero, onde sua habilidade para coordenar cores e reproduzi-las colocou-o entre os mais importantes pintores da Holanda.
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Mapa do Rio de Janeiro século XVII.
Livro de Toda a Costa da Província de Santa Cruz, 1666.
João Teixeira Albernaz
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Ganhei de aniversário a obra A aparência do Rio de Janeiro,do escritor carioca Gastão Cruls (1888-1959) em dois volumes, publicada em 1949. É um deleite para quem, como eu, gosta de ler sobre o Brasil e o Rio de Janeiro antigos. Ontem, depois da postagem anterior sobre o Turismo no Rio de Janeiro, me ocorreu ver o que Gastão Cruls tinha apontado como primeiros visitantes dessa nossa cidade, que coloco abaixo:
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De estrangeiros que nos visitaram no século XVII, temos apenas os depoimentos de Flecknoe e Froger.
Flecknoe, irlandês, que se diz, sem grande certeza, ter pertencido à Companhia de Jesus, aqui esteve em 1648. Viajou, ao que parece, a convite de Salvador Correa de Sá e Benevides quando este, comandando uma frota de seis navios, tornava ao Rio investido das funções de governador, com alçada sobre as Capitanias do Sul. Embora se trate de um letrado, que se demorou bastante entre nós, são das mais erradas e incríveis as observações do irlandês. Começa por dizer que as águas da Guanabara estavam permanentemente envenenadas por um peixe muito tóxico, e que ele mesmo teve a prova disso, pois que se sentiu muito mal, com tonturas e outras perturbações, depois que nelas tomou banho. Talvez os banhos é que não lhe fossem muito familiares. Por outro lado, ao invés de nos dizer alguma coisa sobre a cidade e os habitantes, prefere alongar-se em considerações sobre a flora, fauna, etnografia e até astronomia e, versando esses assuntos, seus comentários são ainda mais absurdos. Contudo, não lhe escapou que as casas da “cidade antiga”, no Morro do Castelo, já estavam quase em ruínas, dado que a população se fora aos poucos transferindo para a planície.
O outro viajante, Froger, era de nacionalidade francesa, e aqui parou, por algum tempo, em 1695, na esquadra do almirante Gennes, destinada ao Estreito de Magalhães, onde iria montar uma feitoria. Recordando esse périplo, Froger escreveu a Rélation d’un Voyage de la Mer du Sud, Detroit de Magellan, Brésil, Cayenne et les Isles Antilles, obra hoje bastante rara, e da qual resumiremos alguns tópicos.
Agrada-lhe a cidade, em boa situação, cercada de altas montanhas, grande, bem construída e com ruas retas. Elogia igualmente as magníficas edificações dos jesuítas e dos beneditinos, implantadas em pequenas elevações que fecham a cidade dos dois lados. Quanto aos habitantes, são limpos e de uma gravidade peculiar à nação. Ricos, gostam de traficar e têm um grande número de escravos, além de várias famílias de índios, mantidas nos seus engenhos. Assim, com tanta gente a trabalhar para eles, mostram-se moles e efeminados. “O luxo lhes é tão é tão comum que não somente os burgueses, mas até os religiosos podem sustentar mulheres públicas sem temer a censura e a maledicência do povo, que lhes dispensa um respeito todos particular.” Froger não para aí na crítica à corrupção do clero e, se abre ligeira exceção para uns oito ou dez capuchinhos franceses e alguns jesuítas, “que se entregam com zelo extraordinário aos seus santos misteres”, acha que o resto, pela depravação, poderia fazer “recear o incêndio de uma outra Sodoma”.
Aquele luxo, que tanto impressionou Froger, seria, é quase certo, apenas de hábito externo, de roupas e adereços brilhantes e espalhafatosos. Não resta dúvidas que os trajes da época, com seus casacos de veludo e os seus calções de cetim afivelados ao joelho, concorriam para toda a pacholice.
Aliás, por uma carta divulgada entre nós graças à Vieira Fazenda, carta escrita daqui, mais ou menos na mesma época, por certo comerciante português a um irmão em Lisboa, vê-se como era grande o consumo de veludos, sedas e tafetás, tão procurados no mercado do Rio como o azeite, as azeitonas, o vinagre, freios, fechaduras e outras ferragens que nos mandavam do Reino. É verdade que aqui também vinham se abastecer os peruleiros, negociantes que através do Rio da Prata faziam o comércio com o Peru e o Reino de Granada, ambos já nadando em riqueza, e que na Guanabara não regateavam ducados de ouro e prata em troca de boa e bem sortida mercadoria.
Mas o gosto pelas roupagens de preço não ficava apenas entre a gente mais abastada. Em 1703, por solicitação do bispo do Rio, o procurador da Coroa dirigia-se ao Rei, reclamando contra o fausto com que as escravas se exibiam nas ruas e pedindo-lhe “mandar que de nenhuma maneira usem, nem sedas, nem telas de ouro, porque será tornar-lhes a ocasião de poder incitar para os pecados com os adornos custosos que vestem.”
Neste caso, o mais provável é que o bispo fosse apenas o porta-voz de uma ou outra fidalga da cidade, posta em xeque pelo chiste e a elegância de suas servas. E havia negras de encher o olho. Ainda em 1870, o Conde d’Ursel, viajante francês, falava na beleza de certas pretas Minas, “soberbas mulheres, eu diria preferentemente cariátides.”
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Em: A aparência do Rio de Janeiro, vol I, Gastão Cruls, Rio de Janeiro, Livraria José Olympo: 1949
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NOTA:
Richard Flecknoe (c. 1600-1678?), possivelmente de origem irlandesa, esse jesuita, poeta e teatrólogo, esteve no Brasil em 1648.
François Froger, (1673-1715) engenheiro hidrográfico francês que trabalhou para a marinha e navegou por sete mares. Esteve no Brasil em 1695.