Senhora lendo, óleo sobre tela, anônimo.
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ENVELHECER
Wilson Frade
Embora todos os pretensos à velhice
se agarrem ao espírito,
o tédio chega e vai ficando.
As nossas mãos já não escrevem com o mesmo brilho
e já não enfrentamos a vida com o mesmo espanto no olhar.
O verde já não é tão verde
e não nos atiramos no mar com a mesma gulodice.
Amamos com maior cautela,
menos febrilmente, mas, bem mais ordenadamente.
Buscamos o sabor do beijo com a febre de que ele possa acabar,
mas sentimos um frio no corpo se pensamos que tudo isso
possa terminar.
Os fios de cabelos brancos já não nos castigam
porque descobrimos mais a lua e as estrelas,
e curtimos aquele chinelo velho
em extremo desuso.
Prestamos mais atenção aos passarinhos
e no riacho que corre,
e tornamo-nos mais íntimos da morte.
Fingimos que ela é nossa amante
para que não nos leve assim tão de repente.
e não nos tire os raros momentos em que nos tornamos jovens.
Em: Poemas de um livro só, Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1991
Wilson Frade – (MG 1920-2000) jornalista, pintor, poeta, instrumentista e compositor mineiro.

Zé Carioca, ilustração de Walt Disney.



