Paisagem do Rio Comprido, RJ, 1966
Inimá de Paula (Brasil, 1918-1999)
óleo sobre tela, 93 x 73 cm
Os novos moradores é o terceiro romance, precedido por Arroz de Palma, Editora Record: 2008 e Doce Gabito, Editora Record: 2012, do escritor Francisco Azevedo e o segundo que leio. Tem todas as marcas de grande sucesso. Situado no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, a história se desenrola entre os ocupantes de duas casas geminadas na rua dos Oitis. Enquanto a casa de cor cinza é habitada por uma família severa cujos membros são emocionalmente distantes, a outra, amarela, tem como residente uma família amorosa e alegre. O relacionamento entre as famílias surge através dos filhos que com isso trazem para o âmago de cada núcleo familiar experiências e acontecimentos imprevisíveis.
Talvez seja impossível imaginar que pessoas, morando em casas que se espelham, pudessem viver sem convívio estreito. É esse relacionamento inesperado entre os dois núcleos familiares que acontece na rua dos Oitis. De repente, o mundo destas duas residências compreende nos seus sentimentos todo o mundo, toda a humanidade, em paixões e amores descasados. Amores proibidos, vingança, calúnia são alguns dos elementos que tomam cada um dos personagens de surpresa e embaralham-se pela trama, em lógica única, respeitosa de cada retratado, mas selada na bolha emocional que encapsula as duas moradias. O agente de união entre as duas casas, é Cosme, o menino da casa cinza, cuja curiosidade pelo amor, primeiro o leva a visitar a casa ao lado, e mais tarde, através da paixão se envolve e participa das aventuras amorosas dos moradores da casa ao lado. Aos poucos cada habitante é atingido por esse traço de união que Cosme constrói entre ambas as residências. Uns menos, outro mais, todos são afetados pela capacidade enorme que Cosme tem de amar e de perdoar. Por fim, é sua insistência em apoiar aqueles que ama que redime os pecados cometidos por todos os personagens quer por amor, quer por desamor.
Já em Arroz de Palma, Francisco Azevedo se firmou como um contador de histórias de famílias. Famílias para ele são um microcosmo do mundo e apresentam a oportunidade para que o autor possa explorar o coração humano, seus segredos mais recônditos, pecados, paixões, vícios, desajustes. Simultaneamente famílias são o lugar onde todas as transgressões que encontramos mundo afora podem ser recontadas com compaixão e generosidade. No caso das casas geminadas, mais uma vez Francisco Azevedo postula que o perdão é o gesto mais libertador. Assim como encontramos nos textos bíblicos de São Lucas [17:3-4]; São João [1:9]; São Mateus [6:14-15], Francisco Azevedo prega o perdão como maior ato de generosidade do ser humano; prova de conduta altruísta e caridosa, que liberta pecador e mais ainda aquele que perdoa.
Não quero com essa descrição dar a ideia de que se trata de texto religioso representando retidão moral do mais alto calibre. Muito pelo contrário, nessa trama os mais descabidos comportamentos, transgressores de valores tradicionalmente familiares, são encontrados e muitas vezes lidos com bastante agonia, como foi o caso com esta leitora. Só mais tarde, ao fazer o balanço da história — no meu caso muitíssimo ajudada por ter a oportunidade de conversar com Francisco Azevedo pessoalmente — veio a luz, a beleza, a pureza de seu preceito, a retidão e incrível confiança que o autor tem no ser humano e em sua enorme capacidade de se superar.
Francisco Azevedo
Ao longo dos anos, fui agraciada com muitos leitores. Ao todo são um pouco mais de 240 resenhas publicadas até o momento. Tenho leitores que, inexplicavelmente, aguardam minhas reações; com essas pessoas tenho a responsabilidade da verdade: tive muita dificuldade com a leitura e aceitação de certos aspectos da trama; problemas com as transgressões de comportamento descritas. Esse texto me colocou contra a parede para ver e aceitar muito do que sempre imaginei inaceitável. Como uma casa geminada, encontrei a pessoa do outro lado do espelho,e ela apareceu muito mais rígida do que imaginei. Conversei com uma amiga de muitos anos, psicóloga que me disse que o que me incomodava era que os personagens tinham saído dos lugares que lhes pertenciam na família. Todas as famílias têm um lugar para o pai, para a mãe, para os irmãos e esses pareciam embaralhados. Talvez ela tenha razão.
Mas tive a oportunidade de conhecer o autor e com isso descobrir sua intenção, sua visão magnânima do ser humano, e sua convicção de que é imprescindível o perdão para o bom viver. Assim, convido todos a lerem esta história carioca. Se nada mais, ela lhe mostrará os seus limites, sua habilidade de aceitação. Isso é muito mais do que a leitura de um romance em geral traz ao seu leitor.
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