Natalinas: James Joyce

1 12 2022

File:Portrait of Holger Drachmann (P. S. Krøyer).jpg

Retrato de Hoger Drachmann, 1902

Peder Severin Krøyer (Noruega-Dinamarca, 1851-1909)

óleo sobre tela, 32 x 40 cm

Coleção Hirshsrpung, Dinamarca

Um Presente de Natal

Um presente de Natal

Minha querida Nora,

Envio-te por correio registrado, expresso e seguro um presente de Natal. É o melhor que te posso oferecer (embora seja bem humilde, no fim de contas) em troca do teu amor sincero, genuíno e fiel. Pensei em todos os seus pormenores, deitado na cama à noite, ou durante viagens de carro por Dublin, e acho que ficou bem. Mas mesmo que não te proporcione mais do que um leve rubor de satisfação, ou um breve sobressalto de alegria no teu coração afetuoso e fiel, eu já sentirei que todo o meu esforço foi altamente recompensado.

Talvez este livro que te envio agora nos sobreviva a ambos. Talvez os dedos de um jovem ou de uma jovem (filhos dos nossos filhos) venham um dia a folhear reverentemente estas folhas de pergaminho, quando os dois amantes cujas iniciais se entrelaçam na capa tenham desaparecido há muito da face da terra. Então, querida, nada restará dos nossos pobres corpos conduzidos pela paixão, e quem sabe onde estarão também as almas que pelos olhos desses corpos mutuamente se contemplavam. Eu pediria para que a minha alma fosse espalhada ao vento, se Deus me permitisse pairar para sempre sobre uma estranha e solitária flor azul-escura umedecida pela chuva, erguida ao pé duma sebe silvestre de Aughrim ou Oranmore.

James Joyce, em ‘Cartas a Nora (22 de Dezembro de 1909)’





Curiosidade literária

18 07 2022

Jovem lendo

Ernest Anders (Alemanha, 1845-1911)

óleo sobre madeira, 33 x 26 cm

O maior nome da literatura irlandesa moderna, James Joyce, não conseguiu viver no seu país de origem, por discordar do conservadorismo social e do domínio da religião sobre todos aspectos da vida,  Sua dificuldade com a cultura irlandesa está bem descrita em Retrato do artista quando jovem.  Depois de 1912, quando emigrou para a Europa continental, sobreviveu dando aulas de inglês, mas nunca mais voltou à Irlanda.  Em Paris, encontrava-se rodeado por Marcel Proust, Ernest Hemingway, Samuel Beckett, Ezra Pound, TS Eliot and WB Yeats, mas frequentemente deixava a companhia deles para procurar viajantes vindos de Dublin.  Queria se familiarizar com os nomes das mais recentes lojas e tavernas entre a Rua Amiens e a Coluna de Nelson, na rua O’Connell, para poder colocá-las em suas obras.

 





Curiosidade literária

13 06 2022

Hora tranquila, 1885

Vittorio Matteo Corcos (Itália, 1859-1933)

óleo sobre tela

 

 

James Joyce gostava imensamente das peças de teatro do norueguês Henrik Ibsen.  Por isso queria mandar uma carta dizendo o quanto admirava o dramaturgo.  Não teve dúvida, foi aprender norueguês básico para poder lhe escrever.  Joyce era fluente em diversas línguas: francês, italiano e alemão. Sabia latim.  E chegou a usar no seu  romance Finnegans Wake palavras em inglês arcaico, provençal, e swahili.

 





Curiosida literária

23 08 2021

Dois homens num bar, 1905

Raphy Dallène (Suíça, 1878 – 1940)

óleo sobre tela, 100 x 126 cm

Quando Marcel Proust e James Joyce se encontraram em 1922, passaram o jantar inteiro falando sobre seus respectivos problemas de saúde, antes de admitirem, cada um por sua vez, não terem lido o trabalho do outro.





Expatriados, texto de Bharati Mukherjee

13 09 2015

 

Gli-Emigranti-raffigurazione-di-Angiolo-Tomasi-1895-Galleria-dArte-Moderna-di-RomaA saída dos imigrantes, 1896

Angiolo Tomasi (Itália, 1858-1923)

óleo sobre tela

Galeria de Arte Moderna, Roma

 

 

“Expatriação é um ato de quando alguém faz uma autoremoção sustentável, da sua própria cultura nativa; uma remoção contrabalançada pela resistência, determinada, a ser incluído totalmente à nova sociedade anfitriã. Os motivos de expatriação são tão numerosos quanto os expatriados: afinidade estética e intelectual; um emprego melhor ou uma vida mais interessante e menos complicada; maior liberdade ou simples melhoria de impostos, assim como os motivos para a não integração podem ir de  princípios pessoais, à nostalgia, preguiça ou medo.  A lista de expatriados conhecidos só no campo da literatura é imensa, rica em honrarias e respeitável: Henry James, T.S. Eliot, Joseph Conrad, V. S. Naipaul (antes de serem aceitos como cidadãos ingleses), Vladimir Nabokov, James Joyce, Samuel Beckett, Paul Bowles, Mavis Gallant, Gabriel Garcia Marquez, Witold Gombrowicz, Anthony Burgess, Graham Greene, Derek Walcott, Malcolm Lowry, Wilson Harris — nomes que, mesmo com algumas omissões óbvias qualquer audiência educada poderia preencher as lacunas, mas que, todos concordamos, chega ao ápice de qualquer lista das mais notáveis produções do século XX.

Eles são, na verdade, nossas maiores vozes do modernismo e do pós-modernismo; suas produções são enciclopédicas, suas visões irônicas e incisivas, suas análises imparciais e escrupulosas, seus estilos experimentais e cristalinos. Se o objetivo final da literatura é chegar à universalidade e uma espécie de onisciência divina, expatriação — a fuga da mesquinhez, das frustrantes irritações — pode ser o fator que mais contribui para isso.

O expatriado é o artista que constrói a si mesmo, até na escolha da língua em que vai se expressar, como Conrad, Beckett, Kundera e Nabokov mostram. … É possível na expatriação, sair das limitações em que se nasce e exercitar uma visão de estrangeiro desapegado. O expatriado húngaro, checo ou polonês de outra época, ou o iugoslavo, o bengalês, o argelino ou o palestino expatriado de hoje, pede só para que a cultura anfitriã o deixe manter o âmago estrangeiro sem comprometimento nem capitulação. Assim, o acordo é feito: eu serei um residente modelo em troca da sua tolerância e indiferença. Não atacarei os defeitos fundamentais da sua sociedade, com o mesmo zelo com que analisarei meu próprio povo. Imaginarei uma nova pátria construída em terra recuperada.”

 

Em: “Imagining Homelands”, Bharati Mukherjee, Letters of Transit: Reflexions on Exile, Identity, Language and Loss, ed. André Aciman, New York, The New Press: 1990, p. 71-72.
Tradução e edição Ladyce West.