Mãe, poesia de Gonçalves Crespo

3 05 2016

 

J.U. CAMPOS (Jurandir Ubirajara Campos) (Brasil, 1903-1972)Maternidade - óleo sobre tela - 71 x 58 cm - ass. dat. 1959 inf. dir.Maternidade, 1959

Jurandir Ubirajara Campos (Brasil, 1903-1972)

óleo sobre tela, 71 x 58 cm

 

 

Mãe
A M. De Campos Carvalho

 

 

Gonçalves Crespo

 

 

 

Ela velava perto

Do filho, que dormia,

E cândida sorria

Ao lírio entreaberto.

 

Da lua um raio incerto

No quarto se perdia;

E a mãe olhava o Dia

E a Luz do seu deserto.

 

No berço flutuante

Moveu-se agora o infante

E acorda pranteando…

 

Não há quadro mais belo

Que a mãe, solto o cabelo,

O filho acalentando!

 

1869

 

Em: Obras Completas, Gonçalves Crespo, Livros de Portugal, s/d, Rio de Janeiro, p. 122.





Na roça, soneto de Gonçalves Crespo

3 03 2016

 

 

Eliseu Visconti, OVITELOOST1889COLPARTICULARO vitelo, 1889

Eliseu Visconti (Itália/Brasil, 1866-1944)

óleo sobre tela

Coleção Particular

 

 

Na roça
ao Dr. Luiz Jardim

 

Gonçalves Crespo

 

 

Cercada de mestiças, no terreiro,

Cisma a Senhora Moça; vem descendo

A noite, e pouca a pouco escurecendo

O vale umbroso e o monte sobranceiro.

 

Brilham insetos no capim rasteiro,

Vêm das matas os negros recolhendo;

Na longa estrada ecoa esmorecendo

O monótono canto do tropeiro.

 

Atrás das grandes, pardas borboletas,

Crianças nuas lá se vão inquietas

Na varanda correndo ladrilhada.

 

Desponta a lua; o sabiá gorjeia;

Enquanto às portas do curral ondeia

A mugidora fila da boiada.

 

1869

 

 

Em: Obras Completas, Gonçalves Crespo, Livros de Portugal, s/d, Rio de Janeiro, p. 114.





Noiva, poesia de Gonçalves Crespo

30 10 2015

 

Gabriel_Charles Deneux_The_WeddingGabriel Charles Deneux - Gabriel Charles Deneux The Wedding Painting

O cortejo nupcial, 1920

Gabriel Charles Deneux (França, 1856-1926)

óleo sobre tela, 139 x 177 cm

Coleção Particular

 

 

A noiva

 

Gonçalves Crespo

 

A noiva passa rindo

De rosas coroada,

Como um botão surgindo

À luz da madrugada.

 

Na fronte imaculada

O véu lhe desce lindo,

E a brisa enamorada

Lhe furta um beijo infindo…

 

Ante o altar se inclina

A noiva, e purpurina

Murmura a medo: “Sim”.

 

Agora é noite; a lua

No céu azul flutua,

E o noivo diz: “Enfim!”

 

(1870)

 

Em: Obras Completas, Gonçalves Crespo, Livros de Portugal, s/d, Rio de Janeiro, p. 75.





As velhas negras, poema de Gonçalves Crespo, no dia 13 de maio, comemoração da Lei Áurea

13 05 2011

Mulata Quitandeira, 1893-1905

Antônio Ferrigno ( Itália, 1863-1940)

óleo sobre tela,  179 x 135 cm

Pinacoteca do Estado de São Paulo

As velhas negras

Gonçalves Crespo

                                           A Mme Aline de Gusmão

As velhas negras, coitadas,

Ao longe tão assentadas

Do batuque folgazão.

Pulam crioulas faceiras

Em derredor das fogueiras

E das pipas de alcatrão.

Na floresta rumorosa

Esparge a lua formosa

A clara luz tropical.

Tremeluzem pirilampos

No verde-escuro dos campos

E nos côncavos do val.

Que noite de paz!  que noite!

Não se ouve o estalar do açoite,

Nem as pragas do feitor!

E as pobres negras, coitadas,

Pendem as frontes cansadas

Num letárgico torpor!

E cismam: outrora, e dantes

Havia também descantes,

E o tempo era tão feliz!

Ai!  que profunda saudade

Da vida, da mocidade

Nas matas do seu país!

E ante o seu olhar vazio

De esperanças, frio, frio

Como um véu de viuvez,

Ressurge e chora o passado

— Pobre ninho abandonado

Que a neve alagou, desfez…

E pensam nos seus amores

Efêmeros como as flores

Que o sol queima no sertão…

Os filhos quando crescidos,

Foram levados, vendidos,

E ninguém sabe onde estão.

Conheceram muito dono:

Embalaram tanto sono

De tanta sinhá gentil!

Foram mucambas amadas,

E agora inúteis, curvadas,

Numa velhice imbecil!

No entanto o luar de prata

Envolve a colina e a mata

E os cafezais ao redor!

E os negros mostrando os dentes,

Saltam lépidos, contentes,

No batuque estrugidor.

No espaço e amplo terreiro

A filha do Fazendeiro,

A sinhá sentimental,

Ouve um primo-recém-vindo,

Que lhe narra o poema infindo

Das noites de Portugal.

E ela avista entre sorrisos,

De uns longínquos paraísos

A tentadora visão…

No entanto as velhas, coitadas,

Em

Cismam ao longe assentadas

Do batuque folgazão…

 –

Em: Obras Completas de Gonçalves Crespo, Rio de Janeiro, Livros de Portugal: 1942

Antônio Cândido Gonçalves Crespo (Rio de Janeiro, 1846 — Lisboa, 1883), jurista e poeta, membro das tertúlias intelectuais portuguesas do final  do século XIX. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tendo colaborado em diversos periódicos, entre os quais O Ocidente e a Folha, o jornal de que era director João Penha, o poeta que introduziu em Portugal o Parnasianismo. Naturalizou-se português quando precisou ter cidadania portuguesa para exerger a advocacia.  Casou-se com a escritora e poetisa portuguesa Maria Amália Vaz de Carvalho. Faleceu aos 37 anos de tuberculose, em 1883.

Nota da Peregrina:  Tenho uma grande admiração por esse poeta luso-brasileiro.  Dos poetas do século XIX Gonçalves Crespo está entre os meus favoritos.  Acho que deveríamos conhecê-lo melhor no Brasil.





Canção de Gonçalves Crespo, no dia da consciência negra

20 11 2008

mulata_di_cavalcanti

Mulata, s/d

Di Cavalcanti (Brasil, 1897-1976)

Óleo sobre tela.

 

 

 

 

 

CANÇÃO 

 

                               Gonçalves Crespo

 

                                                            A Bernardino Machado

 

 

                              I

 

Mostraram-me um dia na roça dançando

Mestiça formosa de olhar azougado,

Co’um lenço de cores nos seios cruzado,

Nos lobos de orelha pingentes de prata.

               Que viva mulata!

                Por ela o feitor

Diziam que andava perdido de amor.

 

 

                             II

 

De entorno dez léguas da vasta fazenda

A vê-la corriam gentis amadores,

E aos ditos galantes de finos amores,

Abrindo seus lábios de viva escarlata,

                 Sorria a mulata,

                 Por quem o feitor

Nutria quimeras e sonhos de amor.

 

 

                           III

 

Um pobre mascate, que em noites de lua

Cantava modinhas, lunduns magoados,

Amando a faceira dos olhos rasgados,

Ousou confessar-lhe com voz timorata…

                 Amaste-o, mulata!

                 E o triste feitor

Chorava na sombra perdido de amor.

 

 

                           IV

 

Um  dia encontraram na escura senzala

O catre da bela mucamba vazio;

Embalde recortam pirogas o rio,

Embalde a procuram nas sombras da mata.

                 Fugira a mulata,

                 Por quem o feitor

Se foi definhando, perdido de amor.  

 

 

 

 

Em: Obras Completas, Gonçalves Crespo, Livros de Portugal, s/d, Rio de Janeiro.

 

 

 

 

goncalves-crespo

 

 

 

 

 

António Cândido Gonçalves Crespo (Rio de Janeiro, 1846 — Lisboa, 1883), jurista e poeta, membro das tertúlias intelectuais portuguesas do último quartel do século XIX. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra, tendo colaborado em diversos periódicos, entre os quais O Ocidente e a Folha, o jornal de que era director João Penha, o poeta que introduziu em Portugal o Parnasianismo.  Foi casado com a poetisa Maria Amália Vaz de Carvalho.

 

 

 

 

 

dicavalcantiEmiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo, mais conhecido como Di Cavalcanti (Rio de Janeiro, 6 de setembro de 1897 — Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1976) foi um pintor, ilustrador e caricaturista brasileiro.