Estampa Eucalol: Mineração do manganês em Minas Gerais
No meio do debate sobre desmatamento versus preservação, a semana que passou foi pontuada por palavras do presidente Lula, favorecendo o desmatamento em função de um possível progresso. Os resultados de planos como esse infelizmente não trazem as benfeitorias sociais de longo prazo tão anunciadas. Isso já foi demonstrado dezenas de vezes por estudiosos do assunto. Hoje, esses são discursos difíceis de serem aceitos por qualquer um de nós, brasileiros, que se importa com o meio ambiente. É quase inacreditável que mesmo com as conseqüências já bastante conhecidas e prejudiciais ao planeta, haja líderes eleitos, como os nossos, que ainda defendam o desmatamento. É um discurso antigo.
Vale lembrar algumas mudanças que já se fizeram notar no nosso meio ambiente, mudanças que ocorreram através da exploração de minerais, de minério de ferro, de manganês, de ouro, que contribuíram para alguns dos problemas do meio ambiente enfrentados no Brasil, nos dias de hoje. Não especifico, aqui, mudanças no meio ambiente através de séculos de exploração, mas das mudanças que ocorreram, nos últimos 50, 60 anos.
Transcrevo a seguir, um pequeno texto, publicado em 1949, de Francisco de Barros Júnior para consideração.
Sabará, 1949
Guignard (Brasil 1896-1962)
Óleo sobre madeira, 38 x 47 cm
De um lado, o Paraíba demandando, em saltos e corredeiras através das gargantas da serra, as planícies campistas. Do outro, a majestosa Mantiqueira coberta de pastagens que substituíram as matas, de onde saíram as caviúnas e jacarandás para as preciosas arcas, mesas e camas entalhadas, que adornavam os lares de nossos maiores, e que nos mesmos lugares há mais de cem anos devem ainda estar nas salas , quartos e alpendres daquela fazenda da margem esquerda, situada a meia encosta. Com seu pomar onde avultam as enormes mangueiras, com a grande casa senhorial assobradada, ostentando portais e janelas em arco, discretamente velada pelo renque de altíssimas palmeiras imperiais, com os muros do “quadrado” em que viviam os escravos, com as grandes cocheiras e estábulos, os quartos de arreios, os galpões onde talvez ainda durmam poeirentos, os banguês e berlindas ricamente decorados e os amplos terreiros de largas lajes, são um testemunho do fausto em que viviam seus orgulhosos senhores.
Usando do privilégio de narrador, vamos prosseguir de dia, pois se continuássemos pelo mesmo trem, nada veríamos da terra mineira. Façamos de conta que, vindos pelo noturno paulista, tomamos em Barra do Piraí o primeiro rápido mineiro, ruma a Belo Horizonte.
A locomotiva galga lerda e resfolegante os aclives máximos, fazendo-nos mergulhar com freqüência nas trevas de curtos túneis. A terra é montanhosa, dificilmente se vê uma planície, e o coração dos que pela primeira vez viajam por essas paragens fica constantemente apertado, quando o desengonçado comboio passa em vertiginosa velocidade a cavaleiro de insondáveis abismos…
Passamos pela linda Juiz de Fora a que seus filhos chamam orgulhosamente de “Manchester Mineira”, e que julgam rival da Capital, pelo seu comércio e convívio social selecionado… Depois, Palmira, hoje Santos Dumont, em homenagem ao genial patrício nascido em fazenda de seu município. Cidade pequena e graciosamente espalhada por duas colinas, o que lhe dá um aspecto de mimoso presépio. È o refúgio das vítimas do cruel bacilo de Koch, graças ao ameno clima de seus novecentos metros de altitude.
Agora, Barbacena, alcandorada no tope da montanha, e que nos aparece de grande distância, vestida de branco. À chegada, passamos pelos imponentes edifícios do Patronato Agrícola, de administração federal, onde os barbacenenses vão buscar ótimos legumes, figos, uvas, ameixas, e saborosos caquis.
Até aqui, a zona pastoril, terra do leite, manteiga e queijos deliciosos. A seguir mergulhamos no domínio das matérias-primas, por cuja porta – Lafaiete – sai o manganês puríssimo de suas inesgotáveis jazidas. Intermináveis comboios estão nos desvios, abarrotados desse precioso minério, esperando linha para descer até o Rio, e de lá no bojo de transatlânticos, irão para a América do Norte, endurecer o aço dos canhões e das couraças… Sobre diversas colinas íngremes, à nossa direita, está Congonhas do Campo, em cujas igrejas se perpetuou o gênio do Aleijadinho, essa tosca encarnação de Miguel Ângelo, arquiteto, pintor e escultor.
Pelas estradas marginais, trotam em fila dezenas de cargueiros carregados de carvão vegetal para alimento dos altos fornos de Itabirito, que, na penumbra da tarde, lançam para o céu o fogacho rubro de suas entranhas, de onde escorre o ferro moldando-se em lingotes, que irão para a insaciável indústria paulista.
As necessidades da siderurgia vêm devastando as matas há muitos anos, e de longe deve estar chegando esse carvão. Os caçadores dessa zona têm de ir a grandes distâncias para encontrar codornas e perdizes, afugentadas com as plantações de capim gordura, em cujo meio não podem viver.
É noite fechada, e a poderosa iluminação da capital projeta-se contra nuvens baixas, localizando-a a muitos quilômetros.
Os apressados despem o guarda-pó ainda muito em uso nesse Estado, reúnem embrulhos e malas que arrumam sobre os bancos, e muito antes de chegar à plataforma, já estão com meio corpo fora da janela chamando pelos carregadores, na ânsia de serem os primeiros a desembarcar. Demoro-me bastante para retirar a bagagem despachada, e minha atenção vai para um carrinho que roda em direção a um vagão de bagagem, especial, ligado ao noturno, já pronto para descer rumo ao Rio. Cercam-no cinco ou seis soldados e vários sujeitos carrancudos com ares de ferrabrazes de opereta. Nele, vão quatro ou cinco caixotes fortemente arqueados e lacrados, e sou rudemente afastado por um dos referidos capangas, quando pretendo aproximar-me do misterioso cortejo… È meia tonelada de ouro puro em lingotes, produto de todo um mês de trabalho nas minas de Morro Velho, destinados aos cofres do Banco do Brasil. Deixa o ilustre itinerante sua obscura morada onde viveu milhões de anos a três mil e seiscentos metros abaixo da superfície do mar, na mais profunda mina do mundo, para um palácio confortável, onde terá uma corte vigilante e respeitosa.
Começa o reinado de sua majestade o Ouro!
Terra Brasileira!
Nossa terra!…
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Em: Caçando e pescando por todo o Brasil, 3ª série: Planalto Mineiro, O São Francisco e Bahia, Francisco de Barros Júnior, São Paulo, Melhoramentos: 1949, 2ª edição, páginas 25-28.
Mina de Manganês em Conselheiro Lafaiete, MG.
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Francisco Carvalho de Barros Júnior (Campinas, 14 de dezembro de 1883 — 1969) foi um escritor e naturalista brasileiro que ganhou em 1961 o Prêmio Jabuti de Literatura, na categorua de literatura infanto-juvenil.
Francisco Carvalho de Barros Júnior, patrono da cadeira n° 16 da Academia Jundiaiense de Letras, colaborou em vários jornais e revistas e é o autor da série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil, um relato de viagens pelo Brasil na primeira metade do século XX, descrevendo diversos aspectos das regiões visitadas (entre outros botânica, animais e populações caboclas e indígenas).
Obras:
Série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil
Primeira série: Brasil-Sul, 1945
Segunda Série: Mato Grosso Goiás, 1947
Terceira Série: Planalto Mineiro – o São Francisco e a Bahia, 1949
Quarta Série: Norte, Nordeste, Marajó, Grandes Lagos, o Madeira, o Mamoré, 1950
Quinta Série: Purus e Acre, 1952
Sexta Série: Araguaia e Tocantins, 1952
Tragédias Caboclas, 1955, contos
Três Garotos em Férias no Rio Tietê, 1951, infanto-juvenil
Três Escoteiros em Férias no Rio Paraná, infanto-juvenil
Três Escoteiros em Férias no Rio Paraguai, infanto-juvenil
Três Escoteiros em Férias no Rio Aquidauana, infanto-juvenil
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Alberto da Veiga Guignard (Nova Friburgo, 25 de fevereiro de 1896 — Belo Horizonte, 25 de junho de 1962) foi pintor, professor, desenhista, ilustrador e gravador mas acima de tudo um famoso pintor brasileiro, conhecido principalmente por retratar paisagens mineiras. Fluminense por nascimento, mas mineiro por opção, registrou, na maioria dos seus quadros, as belezas naturais de Minas Gerais, em especial de Ouro Preto: «Ouro Preto é a sua cidade, amor, inspiração.» É o próprio pintor que faz, por escrito, nesta singela frase, sua declaração de amor à histórica cidade mineira, antiga capital do Estado, berço de Aleijadinho e inspiração de tantos outros artistas. Guignard participou dos Salões de 1924, 1929, 1939 e 1942, no Rio de Janeiro; realizou algumas exposições individuais dentro e fora do país; marcou presença na 1ª Bienal de São Paulo. Houve, ainda, várias exposições após sua morte, a maioria delas em Belo Horizonte.
Texto: Pitoresco