Da minha mesa de trabalho

26 08 2025
Na foto:
Montesquieu, Cartas Persas (leitura vagarosa, aparecerá muitas vezes por aqui)
Flávio Moreira da Costa, ed. Os melhores contos de Cães e Gatos
Han Kang, O livro branco
Simenon, Maigret e o finado Sr. Gallet

 

 

Não moro na parte mais antiga de Copacabana.  Aquela dos anos trinta, tão bonita, tão cheia de prédios Art Deco, pelos quais o bairro ficou  mundialmente conhecido.  Lugar sofisticado, repleto de belas mulheres, vida noturna nas casas de show à moda Carmen Miranda, eternizadas em filmes dos anos 30, com Flying down to Rio.  Quando vim dos EUA para cá, realmente morei num prédio construído em 1930, exatamente, à beira da praia.  Foi quase uma década por lá podendo ver do Leme ao Posto Seis da varanda lá de casa. Meu marido como bom estrangeiro estava fascinado com o Rio de Janeiro, a praia, Copacabana, e todo resto romântico que se atribui ao local.

Saímos de lá, para morar na Gávea, mais sossegado, e de maior valor emocional para mim: cresci no bairro, para onde meus pais se mudaram quando eu tinha seis anos. Gosto da Gávea. Nas grandes cidades parece que sempre vemos o mundo pela perspectiva de onde se cresceu. Por praticidade, para estar mais perto de comércio, médicos, e outros centros de apoio, depois de alguns anos, acabamos voltando para a Princesinha do Mar.  Dessa vez, numa região diferente, numa ponta de terra que avança pelo mar,  a menos de 500 metros de três praias: Copacabana, Ipanema e Arpoador; a duas quadras do edifício onde Carlos Drummond de Andrade morava.  Décadas atrás, chamavam esse canto da cidade de Posto Seis.  Hoje parece haver preferência para chamá-lo de Copanema: nem Copacabana, nem Ipanema.  Essa área onde me encontro, teve a maioria de seus edifícios construída na década de 60 do século passado.  Na verdade, o edifício onde moro, começou a ser construído em 1959. 

 

 

 

 

Há vantagens e desvantagens em se morar num prédio como esse.  Não temos salão de festas, nem garagem para todos os apartamentos; não temos playground, nem temos jardim. Por aqui, um prédio é colado no outro.  Em compensação, as construções mais antigas têm pé direito mais alto, trazendo leveza aos cômodos que são generosos comparados aos construídos hoje. A construção antiga aos meus olhos parece mais sólida, e se você reformou o seu canto, e tem as tomadas elétricas necessárias para o cotidiano contemporâneo, é possível que a vida seja bastante confortável.  Há, portanto, vantagens e desvantagens nesse ambiente.  Meu canto parece apropriado para minha vida, hoje.  Nem muito grande, nem muito pequeno, tenho porteiros 24 horas por dia, poucos vizinhos.  É um lugar seguro e quieto. Com exceção do papagaio que mora no mesmo andar que eu, mas no prédio vizinho. Se morasse no mesmo prédio seria meu vizinho de parede e  meia.  Muito barulhento.  Muito. E deve ser grande. Quando por acaso a janela de meu quarto está aberta, de manhã cedo, digamos às 5 horas da manhã, consigo acordar só com o bater de suas asas, dentro da gaiola.  Por essa eu não esperava quando me mudei para cá.  Depois descobri que deveria me acostumar, porque papagaios são longevos!

Meu vizinho de cima morreu vendo um jogo do Flamengo. Morreu feliz, comemorando um gol, em um bar próximo onde se encontrava com amigos para acompanhar as vicissitudes do time.  Ataque cardíaco. Sua viúva, depois de algum tempo, se mudou e colocou o apartamento à venda.  Não conheci nenhum deles.  Mais ou menos um mês atrás, soube que o apartamento havia sido vendido.  O arquiteto responsável pela reforma, gentilmente me contatou para saber se havia algum problema de infiltração, porque obras de reforma iriam começar. Como não havia nada, ele simplesmente me avisou, que eu teria que conviver com muito barulho por algumas semanas. Derrubariam paredes, construiriam outras, haveria reforma dos banheiros, da cozinha e todo o chão do apartamento seria mudado.  Ele me garantiu, e manteve sua palavra, que começariam às nove da manhã e finalizariam às 16 horas todos os dias.  Concordei. Nessas circunstâncias, não há nada que se possa fazer. 

Só não contava com uma coisa: há um pouco mais de quatro semanas sou vítima de uma gigantesca alergia.  Pensei, inicialmente, ser gripe.  Afinal, o tempo no Rio de Janeiro anda muito esquisito.  Pessoas parecem gripar a qualquer hora.  Mas quando há uns dias acordei com os olhos vermelhos e inchados de tal maneira que quase não conseguia abri-los e com uma vermelhidão tão acentuada que parecia ter uma máscara, corri ao médico, apavorada. Alergia, provavelmente à poeira do apartamento de cima.  Medicada, ainda padeço. Hoje é o primeiro dia de muitos que posso olhar para a tela de meu computador sem chorar, chorar, chorar. A luminosidade intensa me derrubava. Os remédios, fortes, me deixam um pouco dispersa. Enfim. Fiz um plano para me mudar para um hotel no bairro pelos próximos dias até essa fase das obras acabarem.  Mas uma conversa com o mestre de obras fez com que eu mudasse de ideia.  Amanhã acabam com a destruição.  Devo, no entanto, manter o plano do hotel, para quando estiverem lixando as paredes para o acabamento final. 

Nem sempre é fácil morar em sociedade.  

 

 

Estou de volta, pessoal!

 

©Ladyce West, agosto de 2025





Contornando a gota, trecho de Carlos Drummond de Andrade

8 07 2025

Um comodista sofrendo de gota: a dor é representada por um diabinho queimando o pé da vítima.  Caricatura de G. Cruikshank, 1818.  Litografia colorida. 

 

 

“Não tenho visto meu amigo João Brandão nas livrarias nem nos teatros nem nos comícios nem nas maratonas. Que se passa com ele? Fui visitá-lo e encontrei-o de perna esticada, curtindo modesta variedade de gota — a gota dos pobres, disse-me ele. 

— E como é a gota dos pobres?

— É a gota dos que não comeram nem beberam em excesso, não chafurdaram nos prazeres da mesa, e no entanto…

Não me pareceu deprimido, mas conformado. Tinha ao alcance da mão dois livros, e contou-me:

— O Álvaro esteve aqui com esses santos remédios. Recomendou que eu trocasse a colchicina por La goute et l’humour e Les goutteux célèbres. Tenho lido um pouco de cada um, e já posso mover com o dedão do pé direito, nesse lance simpático de separá-lo do dedo vizinho. Restabelecer a mobilidade dos dedos do pé, mesmo que não seja para andar, constitui um prazer de que a gente não se dá conta quando a máquina está em perfeito funcionamento, você sabia?

Eu não tinha reparado nisso, nos pequenos prazeres de pequenas partes do corpo desempenhando sem alarde suas funções rotineiras. E João continuou:

— A gente só lê coisas a respeito de uma doença quando ela nos pega pelo pé literalmente ou não.   Aí começa a ler coisas desalentadoras que acabam tornando a doença mais pesada. O Álvarus teve a gentileza de me convidar a rir da minha gotinha, ou pelo menos a sorrir.

E folheando os volumes:

— Todo mundo diz que gota é doença de nobre, por ser de nobre e até de reis, como Carlos V, e Lupis XVI, mas eu posso orgulhar-me da companhia de nobrezas de outro tipo, a meu ver mais estimulantes e honrosas. Veja aqui: Chateaubriand e Lamartine eram gotosos. Montaigne também. E Leibnitz. E Cellini. E Rubens. A confraria é tão numerosa e brilhante que dá vontade de perguntar. E Dante também não era? Não está faltando Shakespeare nessa lista? Vai ver que se esqueceram de Homero… Me sinto muito reconfortado, palavra.

Antes que ele fizesse o elogio da gota, disse-lhe que não precisava exagerar….”

-.-.-.

Para o final da crônica, Gota, com humor, veja abaixo.

 

Em: Moça deitada na grama, Carlos Drummond de Andrade, Rio de Janeiro, Record, 1987, pp: 131-132

 

 





Domingo…, trecho de Lêdo Ivo

29 06 2025

Pescaria deliciosa, 1984

Azor Feres (Brasil, 1911-2005)

óleo sovre tela, 50 x 70 cm

 

 

“Domingo é dia de pescaria – mas, evidentemente, só para quem sabe pescar. E nem sempre o pescador, armado de anzol, e tendo ao lado uma latinha com iscas, pode desempenhar seu ofício em isolamento semelhante ao daquele colega que, sentado a uma mesa, se dedica a capturar, no improfundável rio da vida, os fugidios peixes do espírito.

O curioso aproxima-se do pescador acomodado sobre as pedras, procura inteirar-se do seu sucesso, faz-lhe perguntas sobre o mar que, cativo de uma enseada, é apenas prateado pedaço de si mesmo, como uma pétala é flor. O homem que se desfatigara no silêncio e na espera sente-se, por sua vez, como um peixe que no fundo das águas, resiste à investida de um anzol dotado de imperdoável engodo. Desejaria não ser agarrado, naquele momento, por voz nenhuma, não beber esse elixir de curiosidade, tédio e convivência que as criaturas servem umas às outras, quando conversam. Diz que o mar está parco, e mostra-lhe o que angariou: uma cocoroca, alguma finas piabinhas cor-de-chumbo, dois gordos peixes-porcos que agonizam estatelados dentro do vasilhame.

E, gratuitamente, ou porque se sentisse na obrigação de dar um esclarecimento suplementar, ou porque não desejasse que o interlocutor o comesse por estreante ou desafortunado, ajuntou:

— Domingo passado, o mar estava melhor.”

 

Em: Lêdo Ivo, seleção do autor, prefácio de Gilberto Mendonça Teles, São Paulo, Global: 2004, (Coleção Melhores Crônicas- direção de Edla van Steen, “Viagem em torno de uma cocoroca“, p. 133

 

NOTA: Lêdo Ivo (1924-2012) foi não só um grande poeta, mas um excelente cronista, e também romancista.  Precisa ser mais lembrado.  Uma das coisas que me encanta sobremaneira na sua prosa é a inteligente criação de palavras que eu imediatamente adiciono ao meu dicionário digital. Além disso aprecio a expansão dos significados que ele consegue dar a palavras já existentes,  Nesses três parágrafos que introduzem a crônica “Viagem em torno de uma cocoroca“, vejamos as palavra inventadas: improfundável, desfatigara; a expansão do verbo comer [que o interlocutor o comesse por estreante], parco [Diz que o mar está parco], fora as maravilhosas figuras de linguagem [se dedica a capturar, no improfundável rio da vida, os fugidios peixes do espírito.]; [um anzol dotado de imperdoável engodo] engodo no lugar de isca.  Seus textos são assim, riquíssimos de viradas de significados, inesperadamente poéticos.  Vale lê-lo. 





A caminho do casamento, Carlos Drummond de Andrade, trecho.

28 06 2025

Casamento na roça

Fulvio Pennacchi (Itália-Brasil, 1905-1992)

 

 

 

“A moça ficou noiva do primo — foi há tanto tempo. Casamento, depois de festa de igreja, era a maior festa, na cidade casmurra, de ferro e tédio. O noivo seguia para a casa da noiva, à frente de um cortejo. Cavalheiros e damas aos pares, de braço dado, em fila, subindo e descendo, descendo e subindo ruas ladeirentas. Meninos na retaguarda, é claro, naquele tempo criança não tinha vez. Solenidade de procissão, sem padre e cantoria. Janelas ficavam mais abertas para espiar. Só uma casa se mantinha rigorosamente alheia, como vazia. É que morava lá a antiga namorada do noivo – o gênio dos dois não combinava, tinham chegado a compromisso, logo desfeito. Murmurava-se que à passagem do cortejo em frente àquela casa, o noivo seria agravado. Não houve nada: silêncio, portas e janelas cerradas, apenas. E o cortejo seguia brilhante, levando o noivo filho de “coronel” fazendeiro, gente de muita circunstância, rumo à casa do doutor juiz, gente de igual altura. A casa era “o sobrado”, assim a chamavam por sua imponência de massa e requinte: escadaria de pedra em dois lanços, amplo frontispício abrindo em sacadas, sob a cimalha a estatueta de louça-da-china – espetáculo.”

 

Em: Caminhos de João Brandão, Carlos Drummond de Andrade, Rio de Janeiro, José Olympio: 1976, 2ª edição, “Entre a orquídea e o presépio” p. 98





Manhãs de Coimbra

15 03 2025
Coimbra vista do Mondego.

 

 

Ontem a cerração na praia de Copacabana estava densa.  Pouco depois das seis da manhã, não se podia ver nem os sinais de trânsito no meio das pistas quase desertas de carros. Difícil atravessar o asfalto para chegar à calçada junto à areia. Não é muito comum esse tipo de neblina espessa adentrando o calçadão.  Muitas vezes vemos névoa deitada em alto-mar, embaçando o horizonte. Não fica por muito tempo. Logo o sol tropical parece expulsar toda umidade dessas nuvens baixinhas. Mas cobrindo parte da areia, antes do quebra-mar, é incomum. Minha caminhada foi acompanhada pelo som dos longos apitos de embarcações invisíveis, escondidas pelo ruço da manhã, ao saírem da baía de Guanabara em direção sul.  Justamente próximo ao Forte de Copacabana, onde começo minha caminhada diária, os navios aumentavam a frequência e a duração dos apitos.  Esse melancólico som que, para os que moram próximo à praia, é familiar, pareceu mais solitário. Ouvir tão perto o lamento de  naves fantasmas deu ao início da manhã um ar nostálgico.  E os atletas, que se exercitavam na areia ao sol nascer, tornaram-se seres ilusórios, fantasmas de si mesmos a menos de dez metros de distância.  Já não se sabia quem eram. Tudo parecia irreal nessa manhã.

Sou parcial a neblinas. Gosto dessas cortinas de nuvens que insistem em nos rodear em alguns lugares.  Hoje, quando voltei para casa lembrei-me de Coimbra, e dos dois anos em que lá morei. Uma das memórias encantadoras que tenho da cidade são suas manhãs nebulosas. Morávamos próximo à Praça da República, numa ladeira que desembocava na rua Almeida Garrett.  O que não é ladeira nessa cidade? Não fosse pelas casas à frente de nossa janela, de onde, empoleirados no lado mais alto da subida, víamos as telhas vermelhas de seus telhados e mais adiante os telhados de outras construções, talvez tivéssemos podido observar, ainda que de longe, a série de edifícios de dois e três andares que perfilam, unidos uns aos outros, em sentinela, um dos lados da praça.  Como se estivéssemos numa plataforma, numa vigia de viúva, essa peça arquitetônica das casas à beira-mar no nordeste dos Estados Unidos, podíamos ver à nossa frente um vasto horizonte, um mar de telhados, algumas copas de árvores em descida íngreme e ao fundo, elevando-se solitária, a colina central da cidade, em cujo topo, parcialmente descobertas, como se tímidas fossem, reinavam as construções centenárias dos prédios da universidade e a torre do relógio.

No entanto, essa vista esplendorosa de nossa janela só podia ser apreciada, na maioria dos dias do ano, depois das dez da manhã.  Porque antes disso, densa neblina se acomodava à noite,  aninhada por entre os altos e baixos da cidade, entrando pelos jardins, tomando as bordas urbanas, fazendo moradia nos ermos da cidade.  Não podíamos ver nada além de uma barreira branca acinzentada, algodão doce gigantesco, que insistia em se dissipar lentamente, sugado aos poucos pelos raios de sol matinais. Por causa dessa névoa espessa, cobertor orvalhado, que penetrava cada esquina, beco, ruela pitoresca, tínhamos a impressão de que os primeiros sons da manhã também se sobressaíam, assim como no meu passeio na praia de Copacabana ouvi, com mais atenção, o lamento dos apitos dos navios em alto mar.  Em Coimbra, na nossa rua, percebíamos da janela do quarto, com a cidade ainda em silêncio às oito horas da manhã, os passos de pedestres ressoando alto no asfalto; pareciam passar por dentro de nossa habitação. Os numerosos gatos de rua, miavam com mais sofrer, esperando pelo sol.  Queriam voltar a esquentar-se encarapitados nos lugares mais altos dos telhados. Alimentados por moradores atenciosos, esses bichanos quase selvagens, ocupavam também a esquina à nossa frente, passando horas e horas no calorzinho aconchegante das telhas de barro.  A vida em Coimbra, para nós, que vínhamos de cidade grande, era mais indolente, com inúmeros momentos a serem degustados lentamente. Sempre tive para mim, que a névoa da manhã ritmava o dia e deixava que acordássemos vagarosamente, para depois também juntarmos o som dos nossos passos no caminho, aos dos demais habitantes: nosso destino, no entanto, era um café na praça e a leitura do jornal matutino. Esses anos em que moramos lá, ainda têm para mim um quê de mágicos e as manhãs enevoadas vestem de encantamento nostálgico essa estadia.

 

©Ladyce West, Rio de Janeiro, março de 2025





Organizar, ajeitar, ordenar…

14 01 2025
Ilustração, Stevan Dohanos (1907 – 1994)

 

 

Meio do mês e ainda não consegui organizar tudo que pretendia.  Comecei  logo depois do Natal com as pastas no computador.  Tenho mais de duas centenas delas.  Cada pasta pode ter dezenas de subdivisões.  Se por acaso guardo alguma coisa, alguma imagem, poema, artigo, notas na pasta errada, aquilo pode estar perdido para sempre, descoberto só ao acaso.  Se eu tivesse nascido no século XVIII, seria uma enciclopedista, porque catalogo e organizo o que me cai nas mãos.  Esse hábito vem do primeiro curso do mestrado, curso requerido pela Univ. de Maryland. chamado Métodos.  Se não se passasse nesse curso era bye-bye para a possibilidade de um mestrado ou PhD. Era sobre métodos de pesquisa acadêmica, especificamente voltado para história da arte.  Esse curso foi dado talvez pelo mais brilhante professor que já tive (que procurei imitar a vida toda), meu conselheiro, que mais tarde veio a ser diretor do Museu de Belas Artes de Lausanne, na Suíça.   Mas esse meu hábito não é exportado para outros aspectos da minha vida. Ainda bem, porque acho que poderia ser uma coisa muito aborrecida.  Não sou uma acumuladora, muito pelo contrário.  Até mesmo meus livros não têm ordem rígida nas estantes e a cada semestre faço doação de algumas dezenas deles.

 

 

 

Quando abro meu computador vejo mais ou menos o que a imagem acima me mostra,  Só que com mais pastas.  Não sei exatamente a lógica que utilizo.  Ela responde unicamente à minha cabeça. E há muita coisa guardada.  Os nomes das pastas, só eu mesma posso decifrar, e como são muitas, nem sempre me lembro de como organizei. Às vezes tenho que parar para pensar onde alguma coisa estaria colocada. Vou dar um exemplo recente.  Fiz um curso de escrita de contos, em agosto: 30 dias, 10 contos.  O curso está numa pasta Curso de Contos.  Desde o primeiro dia, tínhamos que produzir um pequeno conto de 1500 palavras a cada 3 dias.  Foi uma maratona, porque os tópicos não eram meus, os tópicos foram dados pela professora.  Para cada tópico eu poderia ter uma ou mais tentativas.  Nem sempre a primeira ideia se desenvolve bem.  Então a pasta, Curso de Contos, tem todas as aulas, que estão subdivididas em outras pastas: aulas, exercícios, tentativas e resultados finais.  Quatro subdivisões.  Mas não para aí, porque dentro das tentativas há outras coisas.  Exemplo: um dos temas dos contos: Fake News.  Ora, eu não queria entrar num tópico controverso.  Se há coisa que tenho evitado é entrar nessa loucura das discussões atuais.  Então, resolvi procurar algo sobre a guerra da Rússia na Georgia, há anos.  Eu me lembrava de ter lido a respeito…  Ia dar uma repaginada no evento.  Procurei na internet… li os artigos sobre esse evento nos anos 90 do século passado.  E inventei uma situação plausível.  Mas alguns dos artigos copiei e colei num documento para me lembrar dos nomes de lugares, (dificílimos) distâncias, o que era ao norte ou a oeste, etc…  Todos esses textos também estão em uma pasta Textos-suporte, dentro da pasta tentativas. E assim as coisas vão se acumulando.

 

 

E, pasmem: os três contos que têm alguma possibilidade de se tornarem bons contos, três de dez, nada mal para um investimento de 30 dias, separei e…  como não consigo deixar de fazer palhaçadas com os nomes, ou tentar me confundir (será?) … coloquei os três numa pasta chamada: Caixa de Pandora que imagino poder ter algo a ver com um título, caso haja uma coletânea no futuro.   Mas essa é uma pasta que aparece sozinha, lá naquela primeira tela, sem qualquer referência ao que tem dentro. 

 

Surpresa, ilustração de Margret Boriss.

 

A necessidade de organizar as informações no meu computador se tornou evidente quando fui surpreendida por uma emergência burocrática em setembro que me obrigou a viajar de supetão para os Estados Unidos, momento em que, para piorar, percebi que meu passaporte havia expirado. Precisava de um novo. Esse período de setembro/outubro foi um constante lidar com burocracias de dois países trazendo um tremendo desgaste energético, emocional e financeiro, porque era uma viagem e estadia inesperadas. Desde que enviuvei, passei, por precaução, informações que imaginei serem necessárias numa emergência para minha sobrinha, que não só é fluente em inglês como advogada trabalhando numa firma internacional. Uma pessoa em quem confio e que pode destrinchar qualquer problema em português ou inglês.  Mas, ficou claro, que se ela precisasse navegar através das centenas de pastas importantes no meu computador a coisa ia ficar periclitante. 

 

 

 

Nesses 16 anos de blog, com postagens quase todos os dias, leitores perguntam como arranjo as fotos, as ilustrações, os quadrinhos.  Bem, estão todos no meu computador.  Tudo espalhado em pastas  Se estou em dia de apresentar Arte Brasileira, vou para a pasta com esse nome. Ela é subdividida em outras pastas, que por sua vez são subdivididas em outras pastas, cujos significados às vezes só eu entendo: Profissões, Cidades, Naturezas mortas, Retratos, Paisagens e assim por diante.  Cada uma delas se subdivide.  Por exemplo: Arte Brasileira>Tipos> Meninos, Meninas, Mulheres, Homens, Casais, Familias, assim por diante, todos, na verdade, são retratos. Crianças também aparecem nas pastas: Brinquedos-brincadeiras; Gênero, Maternidade, Músicos.  A pasta de imagens mais complexa que tenho é a que denominei Festas. Não é a que tem o maior número de fotos, mas é a que tem o maior número de subdivisões que vão de festas folclóricas, a religiosas, a Carnaval, Natal, Procissões, Casamentos, Enterros, Santos (esses subdivididos), etc.  É um sistema abstruso.  Mas são milhares de imagens. 

A maioria dos quadrinhos, eu mesma fotografei. Eles também são subdivididos em pastas de acordo com assuntos tratados nas imagens. Na última vez que abri, semana passada, o total de ilustrações de quadrinhos eram 1.268.  E sempre retiros dessas pastas as imagens que já usei, para não haver repetição.  Há.  Mas é sem querer. 

Às vezes gasto mais  tempo escolhendo a foto da postagem do que a própria postagem. Tenho uma boa coleção de revistas em quadrinhos em casa. Quando posso e os preços não sobem muito, compro um lote ou outro de gibis antigos em leilão.  Só para me divertir. Para o blog há gibis mais interessantes que outros. Mas gosto da maioria dos gibis antigos.  Não gosto por exemplo, da Monica adolescente.

 

 

Margarida responde aos leitores, Ilustração Walt Disney.

 

Enfim, é um mundo de muita informação.  Não pretendo ter que ensinar tudo isso à minha sobrinha.  Afinal, quando necessário for para ela assumir qualquer pasta no meu computador, nada terá a ver com o blog.  Mas como hoje toda documentação burocrática é digital também tenho pastas com esse material e descobri que sou um tanto criativa no nome delas.  Eu mesma às vezes não me lembro bem o que o nome da pasta significa.  Só me dou conta depois de abri-la. Por isso estou tentando organizar as coisas no computador.  Mudando nomes e até escolhendo a figurinha que pode ir ao lado do nome da pasta.  Mas isso é perigoso também porque já notei minha tendência a ser criativa nessa escolha. Mas vamos lá: essa postagem, é sinal claro, de que prefiro escrever do que arrumar a casa. 

Fica a pergunta: como vocês organizam seu computador?





“O Natal das primeiras experiências I” crônica de Flavio Machado

23 12 2024

O Natal das primeiras experiências, I

 

Flavio Machado

 

Lembro da primeira vez que vi o natal acontecer. Na madrugada acordei e vi deslumbrado ao lado da árvore de natal, o velocípede pedido a papai noel. Como era bonito o meu velocípede de metal.

A árvore era um capitulo a parte em nossa casa, naqueles dias era simplesmente a nossa árvore de natal, ficava incógnita no quintal durante o ano, plantada em lata de 20 de litros, quando aproximava – se o dia 25 de dezembro, ela ganhava destaque, a lata enferrujada ganhava papel alumínio para lhe cobrir as feridas do tempo, a árvore enfeitava-se de bolas coloridas, e no alto a estrela guia, simbolizando a estrela que apontou  caminho para a manjedoura. E para um toque europeu, enchíamos de algodão, para dar ares europeus, um costume daquele tempo nas casas suburbanas.

E na nossa casa tinha um pequeno presépio que minha mãe desembalava de cima do armário, a representação da cena do nascimento de Jesus em Belém, eu lembro que aquela cena tinha uma ar de grande importância, aos meus olhos de menino

No subúrbio era uma festa, o dia seguinte, desfile de presentes entre a garotada. Tudo muito especial para o menino que descobria o natal, A nossa casa era simples, um quarto e sala em uma rua ainda sem calçamento do Engenho da Rainha, mas aos olhos do menino era um palacete, um castelo como daquelas intermináveis histórias que minha avó contava.

E simplicidade era a palavra-chave, o ar ingênuo daqueles anos, qualquer coisa era motivo de comemoração, por mais singelo que parecesse. Na minha casa não se falava tanto de religião, mas eu sabia por escutar que comemorávamos o nascimento de Jesus. E aquele presépio tão pequeno hoje, mas que era gigantesco na época, tão pobrezinho e tão rico.

Agora depois de passados tantos anos, a lembrança daquele natal, emociona de verdade o coração envelhecido, mas não imune a essa nostálgica madrugada, quando o velocípede de metal surgiu na sala. E o menino resiste, e de repente surge pedalando com o presente sonhado. Como gostaria que todos pudéssemos recuperar as primeiras emoções de alegria, seja numa noite distante de natal, seja mais recente, e que Jesus esteja conosco, assim como aquele menino parecia entender vendo a cena retratada do nascimento de nosso Senhor, nosso Salvador, num pequeno presépio montado na memória.           

05 de Novembro de 2024.

Cabo Frio, RJ





Em um concerto de jazz, eu me procuro…

6 08 2023

.

Viúva há dezesseis meses, ouço que o luto é um processo único, específico para cada caso. Pode ser. Descrições em livros e na web são insatisfatórias.  Para mim, este período tem sido irreal, com traços de realismo fantástico.  Continuei com obrigações como pude.  Depois de intervalo, retornei às aulas até dezembro de 22.  Mas o período está envolto em brumas, memórias nebulosas. Lidar com a burocracia é um passeio pelo mundo de Kafka, interminável.  Vivi distante de mim mesma.  Éramos duas:  a que agia e a que vegetava e ia junto. Fantasma de mim mesma, mas consciente. Um ano atípico em todos os aspectos.  Tive Covid duas vezes, quando ninguém mais estava de recesso em casa; meu bônus foram sequelas que contorno até hoje.  Eu poderia ter previsto essa consequência: meu corpo sofre com choques emocionais.  A hepatite me pegou logo após meu primeiro marido sair de casa, apaixonado por outra mulher. Viver esse lugar comum, tão banal, deprimiu e afetou a autoestima. Sobrevivi, em parte, graças ao repouso obrigatório da doença e aos amigos.

Ao longo destes meses, percebi que havia necessidade de mostrar a mim mesma que agora é um novo mundo, outra realidade. Mandei pintar o apartamento: nova cor, brilhante. Uma longa extensão decorei com papel de parede. Em menos de um ano, os pintores voltaram: para nova cor; e o papel de parede foi removido.  Aquela pessoa que escolhera essas coisas, essas cores, não era eu.  Começou então o processo de achar quem sou.  Quem sou sem meu marido?  O que importa para essa mulher:  o que quer, como quer, nesta realidade? Minha procura me leva, nos dias de hoje ao passado, próximo e longínquo.

Comecei a questionar o corriqueiro: a televisão. No ano que passou, não parei em nenhum dos canais de esporte. O interesse sobre os jogos de basquete foi adquirido por estar casada? E o futebol americano, que depois de aprender as regras se tornou um queridinho das minhas semanas do outono? Por que não vi nenhum jogo? Continuo com isso?  Continuo com HBO?  Netflix anda esquecida, vejo menos ainda a Amazon Prime.  O que quero?  O que me pertence?  Passei setenta e cinco por cento de minha vida, casada. Dois maridos.  E o período entre eles foi pequeno.  Viver com alguém envolve adaptar-se ao outro. Às vezes as pessoas julgam que é um submeter-se.  Mas não penso assim: até Leonard Hofstadter se adaptou a Sheldon Cooper.  Você se adapta, porque quer viver com o outro, entendê-lo, agradar.  Porque aprecia seus valores. Porque ama.

Nessa busca, desencaixotei fotos, agendas, diários, cadernos de notas e ainda não cheguei ao fim.  Fotos minhas de criança, jovem, adulta, só, com um ou outro marido.  Viagens que fiz.  Onde estávamos?  O que eu pensava na época?  Eu era feliz, neste ponto, naquela cidade em que vivi, por meses, anos, cinco anos? Oran, São Paulo, Coimbra, Baltimore?  Belgrado?  Washington D.C., Agen? Aqui, no Rio de Janeiro, onde nasci, o que me fazia e me faz feliz?  Que me segura aqui?  E por que? Ainda não tenho respostas. Não sei se terei. Estou passando em revista a vida que construí.  Encontro uma mulher interessante, com um passado rico, determinada e sensível; mais sensível do que parece e repleta de incertezas sobre o que fazer do futuro.

Minhas buscas têm me levado ao teatro, a shows, a concertos.  Não é fácil.  Não é fácil fazer essas coisas sozinha.  Sem a intimidade do olhar amigo, do sorriso de uma piada no palco, sem aperto de mão discreto, acentuando um acorde inesperado.  Mas tenho ido.

E me surpreendi semana passada; a imaginação é fértil e ajuda nas nossas buscas.  Além disso a experiência de vida dá maior precisão às nossas escolhas. Fui à Sala Cecília Meireles, Nico Rezende Canta Chet Baker era o nome do espetáculo.  Foi excelente. Gosto de jazz. Meu lugar, fila M, com bom declive teve cadeiras vazias dos dois lados. Com a música começada, vieram as ponderações.  E a imaginação rolou à solta.

Lembrei-me que meus dois maridos gostavam de jazz.  Lembrei-me de duas ocasiões específicas: uma vez, em Baltimore, fomos a Left Bank Jazz Society no Famous Ballroom, na North Charles St. onde vimos Stan Getz tocar seu saxofone como ninguém.  Stan Getz que abrira o caminho da bossa-nova nos EUA, cuja apresentação trouxe o espetáculo à loucura quando tocou Hey Jude, dos Beatles.  E me lembrei também, de um show em Raleigh, na Carolina do Norte, não me lembro do nome do grupo, quando o trompetista, interagindo com a plateia, veio à nossa mesa, e depois de breve conversa conosco, sabendo que meu marido tocara saxofone, queria porque queria que ele, à moda de Bill Clinton, se inserisse na banda.

O espetáculo na Sala Cecília Meireles, por causa de minhas memórias, trouxe para mim um de cada lado, os maridos, sentados à direita e à esquerda.  O primeiro, companheiro de vida dos dezesseis aos vinte e nove anos, estava comigo em quase todas as minhas descobertas até o divórcio. Mais velho que eu dois anos, descobrimos a fase adulta juntos. O segundo já veio feito, mais velho que eu nove anos, americano, crescido na própria cultura que criara o jazz; familiarizado com essa música desde da infância.  Este era mais dos blues.  Cada qual com seu jeito e preferência musical.  Nossa convivência, formou meu gosto, que agora, acredito ser diferente do deles; gosto dos quartetos ou quintetos de jazz, de Duke Ellington a Madeleine Peyroux e a Samara Joy, que uma pessoa amiga me recomendou recentemente.  Não que eles não pudessem gostar dessas combinações musicais, não sei, mas talvez não fosse a preferência dominante para nenhum deles.

Fui das lágrimas aos risos naqueles noventa minutos.  Agradeci estar sozinha. Os lenços de papel não foram suficientes para, molhados, também esconder as discretas risadas. Chorei pela ausência de referências, pelo árido caminho das memórias não-compartilhadas, pelo lapso de cumplicidade. Ri das aventuras passadas, da inocência de situações inesperadas, gravadas hoje em mim e só para mim.  Este repassar da vida é para os fortes.  Esse meu momento, que pode ser cruel, trouxe à mente a conhecida advertência de Alexander Pope em seu ensaio Criticism: “For fools rush in where angels fear to tread” [Os tolos se apressam no caminho que os anjos temem pisar]. É um caminho difícil. Há ratoeiras à beira da estrada que podem nos pegar pelo pé e nos levar para onde não há saída.  É caminhada triste, solitária mas às vezes incrivelmente satisfatória. É um momento de perdoar erros passados, meus, deles, de todos nós.

©Ladyce West, Rio de Janeiro, 7 de agosto de 2023





Cinelândia, texto de Rubem Braga

29 07 2021

Bar Amarelinho na Cinelândia

Virgílio Dias (Brasil, 1956)

óleo sobre tela

 

 

“… Mais tarde, já na Faculdade, e morando no Catete, me lembro que sábado, de tarde, as vezes a gente metia uma roupa branca bem limpa, bem passada (depois de vários telefonemas à tinturaria) e vínhamos, dois ou três amigos, lavados, barbeados, penteados, assim pelas cinco da tarde, fazer o footing na Cinelândia.  E estavam ali moças de Copacabana e do Méier, com seus vestidos de seda estampados, a boca muito pintada, burburinhando entre as confeitarias e os cinemas. Não nos davam lá muita atenção, essas moças: seus pequenos corações fremiam perante os cadetes e os guardas-marinhas, mais guapos e belos em seus uniformes resplendentes com seus espadins brilhantes.

Tudo isso passou: o sábado inglês, as dificuldades do trânsito e o próprio tempo agiram, e nesta bela tarde de sábado em que me extravio pelo Centro, há apenas alguns palermas como eu zanzando pela Cinelândia. Só agora reparo nisso, e então me sinto um velho senhor saudosista; não há mais sábado na Cinelândia, creio que não há mais cadetes nem guardas-marinhas, todos são tenente-coronéis, capitães-de-corveta e de fragata, perdidos em Agulhas Negras, quartéis, cruzadores recondicionados nesses mares do mundo. …”

 

Em: A borboleta amarela (crônicas), Rubem Braga, 6ª edição, Rio de Janeiro, Record: 1982, p. 117





Cajueiro, crônica de Rubem Braga, para o dia da Terra, 22 de abril

22 04 2021

Cajueiro, 2016

Feliciano dos Prazeres (Brasil, 1978)

acrílica sobre eucatex, 70 x 94 cm

 

Cajueiro

O cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas recordações da minha infância: belo, imenso, no alto do morro, atrás da casa. Agora vem uma carta dizendo que ele caiu.

Eu me lembro do outro cajueiro que era menor, e morreu há muito mais tempo. Eu me lembro dos pés de pinha, do cajá-manga. da grande touceira de espada-de-são-jorge (que nós chamávamos simplesmente de “tala”) e da alta saboneteira que era nossa alegria e a cobiça de toda a meninada do bairro porque fornecia centenas de bolas pretas para o jogo de gude. Lembro-me da tamareira, e de tantos arbustos e folhagens coloridas, lembro-me da parreira que cobria o caramanchão, e dos canteiros de flores humildes, “beijos”, violetas. Tudo sumira; mas o grande pé de fruta-pão ao lado da casa e o imenso cajueiro lá no alto eram como árvores sagradas protegendo a família. Cada menino que ia crescendo ia aprendendo  jeito de seu tronco, a cica de seu fruto, o lugar melhor para apoiar o pé e subir pelo cajueiro acima, ver de lá o telhado das casas do outro lado e os morros além, sentir o leve balanceio na brisa da tarde.

No último verão ainda o vi; estava como sempre carregado de frutos amarelos, trêmulo de sanhaços. Chovera; mas assim mesmo fiz questão de que Carybé subisse o morro para vê-lo de perto, como quem apresenta a um amigo de outras terras um parente muito querido.

A carta de minha mais moça diz que ele caiu numa tarde de ventania, num fragor tremendo  pela ribanceira; e caiu meio de lado, como se não quisesse quebrar o telhado de nossa velha casa. Diz que passou o dia abatida, pensando em nossa mãe, em nosso pai, em nossos irmãos que já morreram. Diz que seus filhos pequenos se assustaram; mas depois foram brincar nos galhos tombados.

Foi agora, em setembro. Estava carregado de flores.

Setembro 1954

 

Em: Histórias do homem rouco, Rubem Braga, Rio de Janeiro, O Dia Livros: 1998, apresentação de Ary Carvalho, pp: 57-8.