A leitora
Jean-Louis Mendrisse (França, 1955)
óleo sobre tela
“Curioso contraste o que separa os dois heróis literários da Bretanha, Renan e Chateauberiand! O primeiro, exibindo uma descrença levada quase à volúpia, era, no fundo, um crente — mais que isso, um crédulo — nas pretendidas verdades da razão e da precária ciência do século XIX. Sua obra confiantemente afirmativa (embora animada do mais soberano espírito negativista) está hoje muito retificada, muito desautorada pelos modernos estudos de História e de Filologia. Nos seus solenes volumes, que eram o orgulho de nossos avós, há muito bagaço, muita sugestão aventurosa, muita improvisação. Fica, é claro, o escritor, grande e sofrido, que respeito, embora não o ame especialmente. Fatiga-me a sua solenidade arredondada e fria; parnasianismo da prosa. De qualquer forma, o papa do agnosticismo dispunha de uma espécie de sólida fé negativa. Chateaubriand, ao contrário, homem de crença profunda, foi sempre atraído pelo assombramento do nada, a obsessão do esvaimento constante de tudo, pelo silêncio vertiginoso do Tempo. Lembro especialmente duas passagens das Memórias em que essa consciência da inutilidade da vida é quase fisicamente dolorosa: a evocação dos reis de França sepultados em Saint-Denis, e a descrição do enterro de Lafayette, passando pelos boulevards parisienses. São duas páginas em que o desespero do nada, que é a vida, domina inteiramente o fervor do crente. Chateaubriand é o anti-Renan; é o crente angustiado pela dúvida, enquanto o outro é o descrente convencido das verdades racionais. O crente, procura sofrendo; o descrente pensa que tudo encontrou.”
Em: A alma do tempo: memórias, Afonso Arinos de Melo Franco, Rio de Janeiro, editora José Olympio: 1979, volume II, páginas 428-9.






