Ilustração: O baile de máscaras, Georges Jules Victor Clairin (França, 1843-1919)
Para que um carnaval
com três dias de folia,
pois se a vida é afinal,
grande baile à fantasia?
(Renato Vieira da Silva)
Para que um carnaval
com três dias de folia,
pois se a vida é afinal,
grande baile à fantasia?
(Renato Vieira da Silva)
Carnaval. Reina a folia.
Quantos, nessa confusão,
se escondem na fantasia
para mostrar o que são!
(Paulo Emílio Pinto)
Triste vida a do Pierrô:
sofrer pela Colombina,
que, nos braços de Arlequim,
ri de sua triste sina!
(Paluma Filho)
Carnaval: dança e alegrias,
que têm o dom surpreendente
de sepultar, por três dias,
todas as mágoas da gente!
(P. de Petrus)
No carnaval, tem mania
de se vestir de ladrão;
mas, tirando a fantasia,
não muda de profissão!…
(Rodolpho Abbud)
Assustado, constatou,
após dias de folia,
que a bruxa de quem gostou
não usava fantasia.
(Maria Bicalho Brandt)
Para que um carnaval
com três dias de folia,
pois se a vida é afinal,
grande baile à fantasia?
(Renato Vieira da Silva)
Carnaval no Rio de Janeiro, 2010
Claudio Faciolli (Brasil, 1955)
óleo sobre eucatex, 46, x, 61 cm
[25 de fevereiro de 1938]
“A minha estreia nos salões do High-life foi com Clotilde, de odalisca, (Zuza ficara de serviço), e Tatá nos acompanhava sem companheira, meio chateado — tivera uma rusga com Dulce Sampaio, que aceitara por despique um convite para o Clube Naval. Mas desacompanhado não entrou. Nas imediações da bilheteria e da porta de entrada, aglomerava-se uma pequena legião de mulheres se oferecendo, com maior ou menor agressividade, para completar o ingresso que dava direito a uma dama — mascaradas, todas, na maioria gordas, de pijama, de dominó de surradas roupas masculinas, com luvas para esconder a denunciadora evidência das mãos, e ventarola abanando o rosto sufocado pela máscara de pano, de papelão, de tela metálica. Tatá, com o ingresso na mão, rodou uma perfunctória e despreciativa olhada e escolheu o desbotado dominó carmezim:
— Vamos, vovó!
A escolhida fez que não entendeu, tomou-lhe o braço numa forçada mesura, e entramos, as luzes profusas, a ornamentação oriental, faixas e correntes de papel de seda cruzando o teto de estuque das três salas térreas, que mais tarde, numa abolição gradativa das paredes de pau a pique, se transformaram num único salão, e logo nos perdemos, só nos encontrando de espaço em espaço, ora no capricho das danças, ora nos breves intervalos da música, à beira do bufê, entornando a sua cerveja “gelada como rabo de foca”, ou sentado, descansando, na incômoda borda de cimento dos canteiros. No penúltimo encontro, diante do repuxo que irradiava rumor de esguincho e frescura, já se descartara do dominó carmezim. Aderira à cigana sem máscara, e soprou-me:
— Bofe por bofe, este não é antediluviano…
Realmente era jovem, mas feia e maltratada, o nariz de cavalete, os pés de lancha com sujos coscorções, um descomunal dente de ouro. E com ela é que saiu, depois do furioso galope final, com destino ao seu quartinho da Rua Taylor, cercado de prostíbulos, como ele dizia, por todos os lados, exíguo como um ovo, mas onde conseguira prodigiosamente encaixar uma mesa redonda, na qual domingueiramente pegava uns pacas no pôquer, acolitado por Miguel, sem que isto, honra lhe seja prestada, implicasse em combinação e trapaça — era um viciado bafejado por uma sorte invulgar.
Os corpos se colavam na promiscuidade, a poeira cegava os olhos, o calor sufocava, a música estrondava, os gestos de incontida lubricidade tomavam as mãos, as brigas se sucediam. O éter era cheirado à solta. Contra as paredes formava-se um lambrim de gente de lenço no nariz, alguns desequilibrando-se iam cair no meio dos dançarinos, que continuavam, tendo o cuidado apenas de contornar o corpo estendido como se recortassem uma figura no chão. De vez em quando, o estouro duma lança-perfume e o grito:
— Oh, que pena!
Clotilde era imitativa:
— Deixe eu cheirar um pouco.
— Para quê? Bobagem!
— Que bobagem! É gostoso… friozinho… danado de bom!
— Não cheira não.
— Uma prise só…
Acabou cheirando. Acabei cheirando também, curioso e foi uma sensação angustiante, como se tivesse bolas girando dentro de mim, bolas frias, dum perfume enjoado de jasmim, se entrechocando. Parei na experiência:
— Não convence não.
Clotilde prosseguiu, esvaziou o tubo, quis outro sem que eu o desse, os olhos ficaram injetados, custou a se recompor. Quando chegamos no quarto da Rua Barroso, o sol já nascera e ela estava indócil, excitadíssima.
— E se o Zuza chegar duma hora para outra? Olha que o serviço termina às seis horas…
— Dane-se!”
Em: O trapicheiro, Marques Rebelo, 1º volume de O Espelho Partido, São Paulo, Martins: 1959, 1ª edição, numerada, p. 347-348.
Tempo de Carnaval
J. Carlos (Brasil, 1884 – 1950)
aquarela sobre cartão (capa da revista Fon-Fon), 35 x 22 cm
Muitos já esqueceram que o Carnaval marcava originalmente um único dia. A palavra Carnaval, de acordo com Antonio Houaiss, é originária no latim clássico CARNEM LEVÁRE, ( “abstenção de carne”). Essa expressão está presente em diversos dialetos italianos, aparecendo na língua falada em Milão em 1130, CARNELEVALE, aparecendo no italiano do século XIV como CARNEVALE. Foi para o francês em 1552 como CARNEVAL e 130 anos mais tarde, em 1680 como CARNAVAL. Nessa forma é adotada pelas outras línguas europeias, no século XVII.
Abstenção de carne? Sim, porque é nesta terça-feira (e o Carnaval propriamente dito é terça-feira) que se encerra o período que antecede a Quaresma, compreendendo os 40 dias antes da Semana Santa e Páscoa. Ela se inicia na Quarta-feira de Cinzas e termina no Domingo de Ramos. É observada por um grande número de cristãos: católicos, anglicanos, luteranos, metodistas. Para seguidores dessas religiões cristãs este período é de reflexão, abstinência e penitência e reflete os 40 dias que Jesus Cristo passou no deserto. Inicialmente a celebração desse ritual data de meados do século IV (ano 350).
É por causa do início do período de abstenção, de penitência, de sacrifícios que o Carnaval tomou este nome, afinal é o último dia permitido para exageros. Na quarta feira começa o tempo de reflexão e de despedida da carne.
Mardi-Gras é a expressão francesa para este dia: Terça-feira Gorda. Mardi em francês significa terça-feira, enquanto gras quer dizer gordura. Mardi Gras é o último dia de se comer carne, comer alimentos gordos, mesmo que em muitos países europeus ainda se esteja no inverno, estação que requer alimentação mais rica.
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Há uma famosa representação da Luta entre o Carnaval e a Quaresma, de 1559, na fascinante obra do pintor holandês do século XVI, Pieter Brueghel, o velho, (grafia também pode ser Bruegel).
O embate entre Carnaval e Quaresma, 1559
Pieter Brueghel, o Velho (Flandres [Bélgica], c. 1525- 30 — 1569)
óleo sobre painel de madeira, 118 x 164 cm
Museu de História da Arte de Viena, Áustria
DETALHE

Vejam que a batalha está travada entre o Gordo Carnaval, segurando um espeto cheio de carnes e a magra Quaresma, num carrinho puxado por religiosos.

Senhor Carnaval, gordinho e montado num barril de vinho, segura espeto com carne de javali e outras carnes. É seguido por serventes com copos e bandeja com comidas. Tudo à sua volta reflete abundância.

Dona Quaresma, do outro lado, esquálida, vem num carrinho de madeira, com alguns pães a seus pés e segura uma chapa com peixes grelhados. Seu carro é puxado por religiosos e seguido por pessoas com matracas, objetos usados na Sexta-feira Santa no lugar de sinos.
Carnaval, 1956
Rosina Becker do Valle (Brasil, 1914-2000)
óleo sobre tela, 63 x 96 cm
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987)