Resenha: A voz do tempo, Lenah Oswaldo Cruz

31 08 2025

Pensativa, 1883

Władysław Czachórski (Polônia, 1850-1911)

óleo sobre tela, 90 x 60 cm

Museu Nacional, Varsóvia

 

 

Pensativa foi minha reação à leitura de A voz de tempo, de Lenah Oswaldo Cruz. Por coincidência, horas depois, quando ainda estava sob o impacto da leitura, recebi de uma amiga, a conhecida frase de Luís Fernando Veríssimo: A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.  Esse seria um resumo parcial das contorções emocionais dos quatro personagens envolvidos nessa biografia familiar: Luiz, Dora, Victor e Lenah.  Com ajuda da autora, navegamos pelos mares tempestuosos das paixões, dos amores e desejos de seus pais, e testemunhamos as consequências, o legado deixado aos filhos pelo comportamento destemperado dos progenitores.  

Luiz era um homem de família muito pobre que encontrou na igreja um meio de se educar e trazer alívio às vicissitudes da pobreza em que ele e seus pais viviam. Inteligente, brilhante mesmo, com conhecimento acima de todos à sua volta, que a bela educação no seminário beneditino lhe proporcionou, Luiz não se tornou padre sem dúvidas sobre essa escolha. No entanto, não viu outro caminho aberto que pudesse preencher suas necessidades.  Fervoroso, dedicado, segue pelo magistério até encontrar a belíssima aluna, que chega atrasada para sua primeira aula. Dora era de uma beleza estonteante.  Mas mais que isso, era inteligente, interessada, devoradora de livros, capaz de sustentar um argumento intelectual melhor do que muitos homens de seu tempo. De espírito intrépido, desafiador, fazia o que queria sem as entravas sociais que a maioria respeitava.  Vinha de uma família abastada, da alta sociedade. Duas pessoas fisicamente atraentes, que se encontram no respeito e na admiração pelo intelecto do outro. O incêndio amoroso é quase instantâneo.   Mas ele é padre. Para ambos essa é uma paixão impossível, o que torna o relacionamento ainda mais intenso.

Victor e Lenah são as crianças dessa loucura.  Luiz eventualmente deixa a batina, mas a vida não é fácil e Dora, a bela e rebelde mulher que conquista quem ela quiser, acaba desinteressada. Eventualmente, há outro homem no caminho.  Um americano, também casado, também inteligente, belo e rico.  Mas, essa paixão tem um preço para Dora: ela terá que não trazer seus filhos para o convívio diário do novo casal, depois que ambos, conseguindo o divórcio, se estabelecerem em novo casamento.  Mas que divórcio?  No Brasil da época não há divórcio. Há o desquite. E há um preconceito enorme contra os desquitados (principalmente a mulher nessa situação indefinida de status civil) e também contra as crianças frutos do relacionamento do casal que se separa.  Pais não querem seus filhos em companhia dessas crianças, nem nenhum contato com seus progenitores. Esse é apenas um dos grandes empecilhos encontrados por essas quatro almas protagonistas dessa biografia de família. E volto à frase de Luís Fernando Veríssimo: A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.  

As crianças não só são deixadas de lado por Dora que verá os filhos nos anos vindouros sem frequência regular; mas Luiz também os abandona, porque olhar para a menina, que é a imagem da mãe, dói muito.  Esse pai, ex-padre, passa a vida sem olhar para sua filha, olho no olho.  Suas interações são sempre sem que ele a olhe no rosto.  Luiz também se casa, com uma viúva, que traz para o casamento uma filha do relacionamento anterior, que ele trata muito melhor que a própria filha. Victor e Lenah são colocadas em colégios internos no Rio de Janeiro: ele no Anglo-Americano, na praia de Botafogo, enquanto Lenah vai para o Bennett, no Flamengo.

Lenah Oswaldo Cruz

Não pretendo dar a história completa da família biografada. Mas não posso deixar mencionar alguns pontos que me fizeram pensativa.  É impressionante que em duzentas páginas se consiga identificar tantos sentimentos nesse imbróglio familiar.  Sair dessa leitura sem meditar sobre o que move nossas almas: amor, ódio, paixão, reconciliação, traição, abandono, perdão, preconceito, coragem e tantos outros sentimentos primordiais, não teria sido uma leitura completa, digna do texto publicado. Somos também forçados a considerar o progresso que tivemos nas normas sociais do país.  Não teria sido tão rica narrativa sem as memórias escritas de Luiz, lembranças de familiares, e experiência vivida por Victor e Lenah. 

Essa é uma leitura impactante, que não nos deixa tempo para respirar. Viciante.  Recomendo a todos.  O livro está em sua segunda edição. Agora na Amazon em papel e eletrônico.  Essa foi a segunda vez que li A voz do tempo. A primeira, foi no lançamento de 2017.  Meu grupo de leitura Ao Pé da Letra, contudo, escolheu essa nova edição para leitura de agosto, já que a recente publicação (2025) está recebendo bastante atenção. Para nossa alegria tivemos a oportunidade de um encontro com a autora, após a leitura. Foi delicioso.   Recomendo. Além da biografia há um esquete bastante repleto de surpresas da vida no Rio de Janeiro nas décadas de 30 a 50. 





Paisagens brasileiras…

31 08 2025

Raiz da Serra, ou paisagem com casario,1967

Armínio Pascual (Brasil, 1920-2006)

óleo sibre eucatex, 38 x 46 cm

 

 

Paisagem

Baptista da Costa (Brasil, 1865-1926)

óleo sobre madeira, 32 x 40 cm 

 





Em casa: Fritz von Uhde

31 08 2025

À janela

Fritz von Uhde (Alemanha, 1848–1911)

óleo sobre tela, 81 x 66 cm 

Museu Städel, Frankfurt





Flores para um sábado perfeito!

30 08 2025

Vaso com flores, 1954

Marques Junior (Brasil, 1887-1960)

óleo sobre tela colado em placa, 65 x 50 cm

 

 

 

Buquê de papoulas amarelas

Olga Mary Pedroza (Brasil, 1891-1963)

óleo sobre tela, 50 x 80 cm





Trova da minha vida

30 08 2025
Serenata, ilustração de  Elizabeth Jones, para American Girl, abril de 1935

 

 

Quer ser feliz? Então siga

a minha vida bizarra,

que tem muito de formiga

e ainda mais de cigarra…

 

 

(Luiz Otávio)





Vento do mar e o sol no meu rosto a queimar…

29 08 2025

Paisagem do Rio de Janeiro com o Corcovado ao fundo

Sylvio Pinto (Brasil, 1918-1997)

óleo sobre tela, ,58 x 80 cm





Aquarela, poesia de Francisca Júlia

28 08 2025

Grace Rose, 1866

Frederick Sandys (Inglaterra, 1829-1904)

óleo sobre madeira, 28 x 24 cm

Yale Center for British Art, EUA

 

Aquarela

 

Francisca Júlia

 

Cheio de folhas, úmido de orvalho.

Fresco, à beira de um córrego crescia

Jovem pé de roseira em cujo galho

Uma rosa sorria.

 

O orvalho matinal que o beija e molha,

Desce de cima em brancas névoas finas.

E todo pé salpica, folha a folha,

De gotas pequeninas.

 

Beija-o o perfumeo Zéfiro, que passa,

O grupo de falenas que anda à toa,

A borboleta clara que esvoaça,

E o pássaro que voa.

 

Uma moça gentil sentiu anseio

De possuir a rosa e teve mágoa

De não poder colhê-la, com receio

De molhar os pés na água.

 

A roseira agitou a coma e opima,

Estremeceu, embriagada e douda,

Sob os raios do sol que lá de cima

A iluminavam toda.

 

A moça foi-se; o ar estava morno;

Mansamente o crepúsculo descia;

Uma abelha zumbiu36 da rosa em torno;          

Lento, expirava o dia…

 

Porém nessa hora a ventania brava

Que veio do alto impetuosamente,

Arranca a flor do ramo em que se achava          

E joga-a na corrente.

 

E a flor caiu no meio do riacho;

Do vento rijo foi sofrendo o açoite,

E escorregando em prantos, água abaixo,

Na tristeza da noite.

 

Nenhuma flor pode salvar-lhe a vida;

Na água desceram, entretanto, algumas;

E a flor morreu aos poucos, envolvida          

Num círculo de espumas.

 

Em: Livro da Infância, Francisca Júlia da Silva, 1899, em domínio público





Hoje é dia de feira: frutas e legumes frescos!

27 08 2025

Frutas

Carlos Leão (Brasil, 1906-1983)

acrílica sobre madeira industrializada, 37 x 37 cm

 

 

Natureza morta

Henrique Bonifácio (Brasil, 1954)

óleo sobre tela





Da minha mesa de trabalho

26 08 2025
Na foto:
Montesquieu, Cartas Persas (leitura vagarosa, aparecerá muitas vezes por aqui)
Flávio Moreira da Costa, ed. Os melhores contos de Cães e Gatos
Han Kang, O livro branco
Simenon, Maigret e o finado Sr. Gallet

 

 

Não moro na parte mais antiga de Copacabana.  Aquela dos anos trinta, tão bonita, tão cheia de prédios Art Deco, pelos quais o bairro ficou  mundialmente conhecido.  Lugar sofisticado, repleto de belas mulheres, vida noturna nas casas de show à moda Carmen Miranda, eternizadas em filmes dos anos 30, com Flying down to Rio.  Quando vim dos EUA para cá, realmente morei num prédio construído em 1930, exatamente, à beira da praia.  Foi quase uma década por lá podendo ver do Leme ao Posto Seis da varanda lá de casa. Meu marido como bom estrangeiro estava fascinado com o Rio de Janeiro, a praia, Copacabana, e todo resto romântico que se atribui ao local.

Saímos de lá, para morar na Gávea, mais sossegado, e de maior valor emocional para mim: cresci no bairro, para onde meus pais se mudaram quando eu tinha seis anos. Gosto da Gávea. Nas grandes cidades parece que sempre vemos o mundo pela perspectiva de onde se cresceu. Por praticidade, para estar mais perto de comércio, médicos, e outros centros de apoio, depois de alguns anos, acabamos voltando para a Princesinha do Mar.  Dessa vez, numa região diferente, numa ponta de terra que avança pelo mar,  a menos de 500 metros de três praias: Copacabana, Ipanema e Arpoador; a duas quadras do edifício onde Carlos Drummond de Andrade morava.  Décadas atrás, chamavam esse canto da cidade de Posto Seis.  Hoje parece haver preferência para chamá-lo de Copanema: nem Copacabana, nem Ipanema.  Essa área onde me encontro, teve a maioria de seus edifícios construída na década de 60 do século passado.  Na verdade, o edifício onde moro, começou a ser construído em 1959. 

 

 

 

 

Há vantagens e desvantagens em se morar num prédio como esse.  Não temos salão de festas, nem garagem para todos os apartamentos; não temos playground, nem temos jardim. Por aqui, um prédio é colado no outro.  Em compensação, as construções mais antigas têm pé direito mais alto, trazendo leveza aos cômodos que são generosos comparados aos construídos hoje. A construção antiga aos meus olhos parece mais sólida, e se você reformou o seu canto, e tem as tomadas elétricas necessárias para o cotidiano contemporâneo, é possível que a vida seja bastante confortável.  Há, portanto, vantagens e desvantagens nesse ambiente.  Meu canto parece apropriado para minha vida, hoje.  Nem muito grande, nem muito pequeno, tenho porteiros 24 horas por dia, poucos vizinhos.  É um lugar seguro e quieto. Com exceção do papagaio que mora no mesmo andar que eu, mas no prédio vizinho. Se morasse no mesmo prédio seria meu vizinho de parede e  meia.  Muito barulhento.  Muito. E deve ser grande. Quando por acaso a janela de meu quarto está aberta, de manhã cedo, digamos às 5 horas da manhã, consigo acordar só com o bater de suas asas, dentro da gaiola.  Por essa eu não esperava quando me mudei para cá.  Depois descobri que deveria me acostumar, porque papagaios são longevos!

Meu vizinho de cima morreu vendo um jogo do Flamengo. Morreu feliz, comemorando um gol, em um bar próximo onde se encontrava com amigos para acompanhar as vicissitudes do time.  Ataque cardíaco. Sua viúva, depois de algum tempo, se mudou e colocou o apartamento à venda.  Não conheci nenhum deles.  Mais ou menos um mês atrás, soube que o apartamento havia sido vendido.  O arquiteto responsável pela reforma, gentilmente me contatou para saber se havia algum problema de infiltração, porque obras de reforma iriam começar. Como não havia nada, ele simplesmente me avisou, que eu teria que conviver com muito barulho por algumas semanas. Derrubariam paredes, construiriam outras, haveria reforma dos banheiros, da cozinha e todo o chão do apartamento seria mudado.  Ele me garantiu, e manteve sua palavra, que começariam às nove da manhã e finalizariam às 16 horas todos os dias.  Concordei. Nessas circunstâncias, não há nada que se possa fazer. 

Só não contava com uma coisa: há um pouco mais de quatro semanas sou vítima de uma gigantesca alergia.  Pensei, inicialmente, ser gripe.  Afinal, o tempo no Rio de Janeiro anda muito esquisito.  Pessoas parecem gripar a qualquer hora.  Mas quando há uns dias acordei com os olhos vermelhos e inchados de tal maneira que quase não conseguia abri-los e com uma vermelhidão tão acentuada que parecia ter uma máscara, corri ao médico, apavorada. Alergia, provavelmente à poeira do apartamento de cima.  Medicada, ainda padeço. Hoje é o primeiro dia de muitos que posso olhar para a tela de meu computador sem chorar, chorar, chorar. A luminosidade intensa me derrubava. Os remédios, fortes, me deixam um pouco dispersa. Enfim. Fiz um plano para me mudar para um hotel no bairro pelos próximos dias até essa fase das obras acabarem.  Mas uma conversa com o mestre de obras fez com que eu mudasse de ideia.  Amanhã acabam com a destruição.  Devo, no entanto, manter o plano do hotel, para quando estiverem lixando as paredes para o acabamento final. 

Nem sempre é fácil morar em sociedade.  

 

 

Estou de volta, pessoal!

 

©Ladyce West, agosto de 2025





Em casa: Georges Lemmen

17 08 2025

Sono, 1900

Georges Lemmen (Bélgica,1865-1916)

óleo sobre tela