Menina e moça, poesia de Machado de Assis

8 04 2024

Olhe para além do horizonte

Alexandra Jagoda (Ucrânia-Bélgica, 1975)

óleo sobre tela, 60 x 80 cm

 

 

 

 

Menina e moça

 

 

Machado de Assis

 

 

    Está naquela idade inquieta e duvidosa,

    Que não é dia claro e é já o alvorecer;

    Entreaberto botão, entrefechada rosa,

    Um pouco de menina e um pouco de mulher.

 

   Às vezes recatada, outras estouvadinha,

    Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;

    Tem coisas de criança e modos de mocinha,

    Estuda o catecismo e lê versos de amor.

 

    Outras vezes valsando, o seio lhe palpita,

    De cansaço talvez, talvez de comoção.

    Quando a boca vermelha os lábios abre e agita,

    Não sei se pede um beijo ou faz uma oração.

 

    Outras vezes beijando a boneca enfeitada,

    Olha furtivamente o primo que sorri;

    E se corre parece, à brisa enamorada,

    Abrir asas de um anjo e tranças de uma huri.

 

    Quando a sala atravessa, é raro que não lance

    Os olhos para o espelho; e raro que ao deitar

    Não leia, um quarto de hora, as folhas de um romance

    Em que a dama conjugue o eterno verbo amar.

 

    Tem na alcova em que dorme, e descansa de dia,

    A cama da boneca ao pé do toucador;

    Quando sonha, repete, em santa companhia,

    Os livros do colégio e o nome de um doutor.

 

    Alegra-se em ouvindo os compassos da orquestra;

    E quando entra num baile, é já dama do tom;

    Compensa-lhe a modista os enfados da mestra;

    Tem respeito a Geslin, mas adora a Dazon.(*)

 

    Dos cuidados da vida o mais tristonho e acerbo

    Para ela é o estudo, excetuando talvez

    A lição de sintaxe em que combina o verbo

    To love, mas sorrindo ao professor de inglês.

 

    Quantas vezes, porém, fitando o olhar no espaço,

    Parece acompanhar uma etérea visão;

    Quantas cruzando ao seio o delicado braço

    Comprime as pulsações do inquieto coração!

 

    Ah! se nesse momento alucinado, fores

    Cair-lhes aos pés, confiar-lhe uma esperança vã,

    Hás de vê-la zombar dos teus tristes amores,

    Rir da tua aventura e contá-la à mamã.

 

    É que esta criatura, adorável, divina,

    Nem se pode explicar, nem se pode entender:

    Procura-se a mulher e encontra-se a menina,

    Quer-se ver a menina e encontra-se a mulher!

 

 

(*) Baronesa de Geslin era proprietária de um colégio de meninas no Rio de Janeiro desde a década de 1840 localizado à Rua Príncipe do Catete, 25, hoje rua Silveira Martins ; [CLIO – REVISTA DE PESQUISA HISTÓRICA – n. 31.1 ISBN 0102-9487];  Catharina Dazon foi uma modista da rua do Ouvidor, nos últimos anos da década de 1850.


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