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Pierre-Auguste Renoir (França, 1841-1919)
óleo sobre tela, 130 x 173 cm
The Phillips Collection, Washigton DC
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A revista Smithsonian Magazine deste mês traz um artigo intrigante de Erin Corneliussen. O artigo refere-se ao novo livro de fotografias de Dinah Fried, intitulado Fictitious Dishes [Pratos fictícios]. As fotografias retratam refeições como descritas em conhecidas obras literárias. Elas trazem também as citações que as criaram. Muito interessante ver como uma frase de Herman Melville em Moby Dick sobre sopa de amêijoas; uma frase de Sylvia Plath sobre abacates; ou ainda talvez o mais famoso chá do mundo, o chá de Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll podem servir de inspiração para fotografias interessantes que nos remetem de volta à leitura. Sugiro que você clique no link aqui embaixo para ver as fotos.
Depois de ler o artigo e ver as fotos tentei me lembrar de cenas ou frases nas literaturas de língua portuguesa que mais me tivessem marcado. Não tive muito sucesso, exceto por me lembrar que havia algumas cenas deliciosas em Senhora de José de Alencar. Transcrevo portanto uma de algumas encontradas no romance.
Um bom domingo de Páscoa a todos vocês.
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“Frutas da estação: abacaxis, figos e laranjas seletas, rivalizando com as maçãs, peras e uvas de importação, ornavam principalmente a refeição meridiana que os costumes estrangeiros substituíram à nossa brasileira merenda da tarde, usada pelos bons avós.
Havia também profusão de massas ligeiras, como empadinhas, camarões e ostras recheadas; além de queijos de vários países e doces de calda ou cristalizados. Os melhores vinhos de sobremesa desde o Xerez até o Moscatel de Setúbal, desde o Champanhe até o Constança, estavam ali tentando o paladar, uns com seu rótulo eloquente, outros com o topázio que brilhava através das facetas do cristal lapidado.
– Não tenho a menor disposição! disse Fernando obedecendo ao gesto de Aurélia e sentando-se à mesa.
– Ora! disse a moça com volubilidade. Para provar frutas e doces não é preciso ter fome; faça como os passarinhos. O que prefere? Um figo, uma pera, ou o abacaxi?
– É preciso que eu tome alguma cousa? perguntou Fernando com seriedade.
– É indispensável.
– Nesse caso tomarei um figo.
– Aqui tem; um figo e uma pera; é apenas um casal.
Seixas inclinou a cabeça; colocou o prato diante de si, e comeu as duas frutas, pausada e friamente, como um homem que exerce uma ação mecânica. Nada em sua fisionomia revelava a sensação agradável do paladar.
Aurélia que esmagava entre os lábios purpurinos bagos de uva moscatel, seguia com os olhos os movimentos automáticos de Fernando, e se não adivinhava, confusamente pressentia o motivo que atuava sobre seu marido.
Ergueu-se então da mesa, e saindo fora, à beirada da casa, onde já fazia sombra, divertiu-se em dar de comer aos canários e sabiás, que festejaram sua chegada com uma brilhante abertura de trinados e gorjeios.
Pensava Aurélia que sua presença porventura acanhava ao marido; e buscava aquele pretexto para arredar-se um instante e deixá-lo mais livre de cerimônias. Desvaneceu-se porém essa idéia do seu espírito, quando espiando pela fresta da janela, viu Seixas imóvel, com os olhos fitos na parede fronteira, e completamente absorto.
Depois do lanche, Aurélia convidou o marido para darem uma volta pelo jardim; mas havia senhoras nas janelas da vizinhança, e a moça não quis expor-se aos olhares curiosos. Ela não era a noiva feliz e amada; mas as outras a supunham, e tanto bastava para que seu pudor a recatasse às vistas dos estranhos.
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Em: Senhora, José de Alencar, 1875, em domínio público.
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