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Opalescência, s/d
Lynn Renée Sanguedolce (EUA, 1959)
óleo sobre tela, 100 x 75cm
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O álbum
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Almeida Garret
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Minha Júlia, um conselho de amigo;
Deixa em branco este livro gentil:
Uma só das memórias da vida
Vale a pena guardar, entre mil.
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E essa n’alma em silêncio gravada
Pelas mãos do mistério há-de ser;
Que não tem língua humana palavras,
Não tem letra que a possa escrever.
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Por mais belo e variado que seja
De uma vida o tecido matiz ,
Um só fio da tela bordada,
Um só fio há-de ser o feliz.
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Tudo o mais é ilusão, é mentira,
Brilho falso que um tempo seduz,
Que se apaga, que morre, que é nada
Quando o sol verdadeiro reluz.
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De que serve guardar monumentos
Dos enganos que a esp’rança forjou?
Vãos reflexos de um sol que tardava
Ou vãs sombras de um sol que passou!
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Crê-me, Júlia: mil vezes na vida
Eu co’a minha ventura sonhei;
E uma só, dentre tantas, o juro,
Uma só com verdade a encontrei.
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Essa entrou-me pela alma tão firme,
Tão segura por dentro a fechou,
Que o passado fugiu da memória,
Do porvir nem desejo ficou.
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Toma pois, Júlia bela, o conselho:
Deixa em branco este livro gentil,
Que as memórias da vida são nada,
E uma só se conserva entre mil.
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Em: Folhas Caídas, Almeida Garrett, Porto, Editorial Domingos Barreira: s/d







