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Natureza Morta com livros
Judith Gibson ( Reino Unido, comtemporânea)
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Herança
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Gualter Cruz
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A Marcos Portugal
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Quando eu morrer te deixarei, irmão,
Os livros todos que eu em vida amei,
Livros que ao lê-los eu sorri, chorei,
Sentindo-me pulsar o coração!
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Queira guardar, irmão, este tesouro
Porque era tudo que na vida eu tinha,
O bem e o mal querer da minha vida,
A minha arca a transbordar de ouro!
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São folhas gastas, lidas e relidas,
Que sempre me falaram bem à alma
E me trouxeram, pouco a pouco, a calma,
Páginas belas, ricas, coloridas!
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Em cada autor eu tive um grande amigo,
Emoções belas, sentimentos novos.
Senti bater o coração dos povos
Como a este coração que está comigo!
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Quando eu morrer, irmão, tu nunca os venda,
Embora não os queira como eu quero,
Pois são no mundo aquilo que eu venero,
A mais formosa, a mais ditosa prenda!
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Tem pois, por eles, paternal cuidado,
E de uma mãe puríssima afeição;
Cuida bem deles, meu querido irmão,
Pois eles são o meu tesouro amado!
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Em cada livro ficará meu ser,
Com um suspiro eterno de saudade,
Que cortará sentido a eternidade
Quando eu deixar na terra de sofrer!
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E cada folha que rasgada for,
Qual um punhal o peito me ferindo,
Para minh’alma sofrimento infindo,
Reavivará no espaço a minha dor!
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Tem mui cuidado! Ó, não os rasgues, irmão!
E nem sequer os vendas , por favor!
Seria por demais a minha dor
Vê-los correr ao léu, de mão em mão!
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Quando leres, um dia, com carinho,
As mesmas linhas que eu em vida lia,
Grande no espaço, então, minha alegria,
E bem mais claro, pois, o meu caminho!
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Quero levar daqui mil esperanças!
Quero deixar nos livros que te dei,
Nas páginas que em vida tanto amei,
A mais rica, talvez, dentre as heranças!
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Em: Poesias completas, Gualter Cruz, Petrópolis, Editora do autor: 1983.
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Gualter Germano Chaves da Cruz (Petrópolis, RJ, 1921, Rio de Janeiro, RJ 1978)