Natureza morta com sardinhas e ouriços do mar, 1880-1882
Adolphe Montecelli (França 1824-1886)
óleo sobre madeira, 81 x 95 cm
Museu de Arte de Dallas, EUA
Estou lendo A morte do gourmet, primeiro livro publicado de Muriel Barbery, a escritora francesa que ficou famosa pela publicação do livro A elegância do ouriço, já aqui resenhado. Depois de ler a passagem sobre sardinhas, lembrei-me também dessa deliciosa refeição que são as sardinhas grelhadas, tão comuns tanto no Brasil como em Portugal e tive que sair à procura de uma refeição que incluísse pelo menos peixe. Segue:
As sardinhas grelhadas impregnavam de seu perfume oceânico e cendrado todo o quarteirão. Uma fumaça espessa e cinza escapava das tuias que cercavam o jardim. Os homens das casas vizinhas iam dar uma mãozinha ao vovô. Sobre imensas grelhas, os peixinhos prateados já estalavam ao vento do meio-dia. Ríamos, falávamos, abríamos garrafas de vinho branco seco bem gelado, os homens sentavam enfim e as mulheres saíam da cozinha com pilhas de pratos imaculados. Habilmente, minha avó pegava um corpinho rechonchudo,farejando seu perfume, e o jogava no prato, em companhia de alguns outros. Com seus bons olhos idiotas ela me olhava, gentil, e dizia: “Tome, ei, pequeno, a primeira é sua! Virgem, como ele gosta disso, puxa!”. E todo mundo caía na risada, batia nas minhas costas enquanto o prodigioso pitéu aterrissava diante de mim. Eu não ouvia mais nada. Com os olhos saltados, encarava o objeto de meu desejo; a pele cinza empolada, sulcada por longos lastros pretos, já não aderia aos flancos que cobria. Minha faca fazia uma incisão nas costas do bicho e dividia com cuidado a carne esbranquiçada, cozida no ponto, que se separava em lâminas bem firmes, sem um toque de resistência.
Em: A morte do gourmet, Muriel Barbery, São Paulo, Cia das Letras: 2009, p. 34-5. Tradução de Rosa Freire D’ Aguiar.




