Neste finalzinho de ano, entre o Natal e o Ano Novo tive a boa idéia de ler O quarto do bispo, (José Olympio: 1986) um pequeno romance de Piero Chiara, publicado originalmente em 1976 com o nome de La stanza del Vescovo. Um ano depois de sua publicação este romance foi adaptado para o cinema, com direção de Dino Risi. Em italiano, recebeu o mesmo nome do livro, mas no Brasil o filme ficou conhecido como Venha dormir lá em casa esta noite (1977), e estranhamente classificado como comédia.

Nunca havia lido nada do autor, até mesmo porque depois de sua morte em 1986 pouco foi traduzido para o português. Localizo, além do livro mencionado acima, só um outro romance de Piero Chiara em português, O Balordo, (Melhoramentos, 1986) com o mesmo nome no original, que aparentemente retrata a vida num pequeno vilarejo italiano.
A narrativa de Piero Chiara, em O Quarto do bispo, com a tradução de Teresa Ottoni, é misteriosamente clara, breve e sedutora. Não me surpreendi ao ver que este romance havia sido logo transportado para o cinema, porque através de sua leitura não pude deixar de pensar nos grandes filmes italianos da década de 1960, filmes em que o nefasto se faz presente de maneira oblíqua e cotidiana.

Lago Maggiore
O ritmo da narração é ditado pelo Lago Maior (Lago Maggiore) pano de fundo do romance. Narrado na primeira pessoa, Piero Chiara nos faz cúmplices do mistério que envolve as águas e os ventos do lago. Há um ritmo vagaroso, deliberado e sinistro que nos leva a desfrutar com o narrador da calma, da majestade e das belezas do Lago Maggiore, sem, no entanto, perdermos a sensação do nefasto. Chiara nos deixa perpetuamente à espreita, à espera de um acontecimento fatal, de um evento ameaçador que desconhecemos, mas que sabemos sinistro. O mistério está onipresente nas águas do lago, nos ventos dos Alpes, nas imagens quase oníricas que nos acompanham. Algo acontecerá que não sabemos exatamente de onde virá e que forma terá ao se concretizar. Seu suspense é soberbo!
A ação se passa logo depois da Segunda Guerra, em 1946, durante o período de um ano. Neste tempo somos levados em pequenas viagens, de um canto ao outro por um barco a vela, sem nenhum propósito além do prazer, como se à deriva, por diversas aldeias italianas, por uma miríade de pequeninos portos particulares e públicos. A presença constante, onipresente e gigantesca é do Lago Maior, que entre a Itália e a Suíça, não só é um dos principais lagos alpinos, mas o segundo maior lago da Itália. Suas grandes casas, quintas, sítios revelam uma classe abastada, mal acomodada, sofrida, arcaica e enraizada à beira d’água. Um grupo social que perdeu a direção, o propósito de sua existência.

Escritor Piero Chiara (1913-1986)
O mistério não chega a se resolver completamente quando terminamos com a leitura do livro. Claro, há uma morte, uma investigação e a descoberta de como alguns eventos se desenvolveram. Mas muito ainda permanece misterioso, poderia se dizer encantado na bruma das águas lacustres. A razão é simples: o mistério é nosso. É o lado humano que nem sempre conhecemos de alguém, é o imponderável do comportamento humano que ocasionalmente se revela e surpreende.
Sinopse: No verão de 1946, no lago Maior, ao qual o fim da guerra devolveu a esperança e a paz, um jovem e sedutor dom-juan arma seu barco e lança-se de uma margem à outra numa navegação repleta de aventuras galantes. Em Oggebbio, é recebido por um advogado, dr. Orimbelli, que vive com a esposa, mais idosa que ele, e com a cunhada viúva, Matilde. Após este encontro desenrola-se nos velhos quartos da villa um enredo que envolve numa espiral, entre policial e erótica, com um ligeiro toque de comicidade, as várias personagens: o equívoco Orimbelli, a ingênua Cleofe, a sensual Matilde, um sobrevivente da guerra da Abissínia, emasculado em conseqüência de ferimentos, que será o deus-ex-machina da solução final.
Este livro é uma pequena obra prima. E se você assim como eu ainda não conhecia Piero Chiara, sugiro que vá ao sebo mais próximo de sua casa e compre um volume deste pequenino romance. Vale a pena.




