Na foto:
Montesquieu, Cartas Persas (leitura vagarosa, aparecerá muitas vezes por aqui)
Flávio Moreira da Costa, ed. Os melhores contos de Cães e Gatos
Han Kang, O livro branco
Simenon, Maigret e o finado Sr. Gallet
Não moro na parte mais antiga de Copacabana. Aquela dos anos trinta, tão bonita, tão cheia de prédios Art Deco, pelos quais o bairro ficou mundialmente conhecido. Lugar sofisticado, repleto de belas mulheres, vida noturna nas casas de show à moda Carmen Miranda, eternizadas em filmes dos anos 30, com Flying down to Rio. Quando vim dos EUA para cá, realmente morei num prédio construído em 1930, exatamente, à beira da praia. Foi quase uma década por lá podendo ver do Leme ao Posto Seis da varanda lá de casa. Meu marido como bom estrangeiro estava fascinado com o Rio de Janeiro, a praia, Copacabana, e todo resto romântico que se atribui ao local.
Saímos de lá, para morar na Gávea, mais sossegado, e de maior valor emocional para mim: cresci no bairro, para onde meus pais se mudaram quando eu tinha seis anos. Gosto da Gávea. Nas grandes cidades parece que sempre vemos o mundo pela perspectiva de onde se cresceu. Por praticidade, para estar mais perto de comércio, médicos, e outros centros de apoio, depois de alguns anos, acabamos voltando para a Princesinha do Mar. Dessa vez, numa região diferente, numa ponta de terra que avança pelo mar, a menos de 500 metros de três praias: Copacabana, Ipanema e Arpoador; a duas quadras do edifício onde Carlos Drummond de Andrade morava. Décadas atrás, chamavam esse canto da cidade de Posto Seis. Hoje parece haver preferência para chamá-lo de Copanema: nem Copacabana, nem Ipanema. Essa área onde me encontro, teve a maioria de seus edifícios construída na década de 60 do século passado. Na verdade, o edifício onde moro, começou a ser construído em 1959.
Há vantagens e desvantagens em se morar num prédio como esse. Não temos salão de festas, nem garagem para todos os apartamentos; não temos playground, nem temos jardim. Por aqui, um prédio é colado no outro. Em compensação, as construções mais antigas têm pé direito mais alto, trazendo leveza aos cômodos que são generosos comparados aos construídos hoje. A construção antiga aos meus olhos parece mais sólida, e se você reformou o seu canto, e tem as tomadas elétricas necessárias para o cotidiano contemporâneo, é possível que a vida seja bastante confortável. Há, portanto, vantagens e desvantagens nesse ambiente. Meu canto parece apropriado para minha vida, hoje. Nem muito grande, nem muito pequeno, tenho porteiros 24 horas por dia, poucos vizinhos. É um lugar seguro e quieto. Com exceção do papagaio que mora no mesmo andar que eu, mas no prédio vizinho. Se morasse no mesmo prédio seria meu vizinho de parede e meia. Muito barulhento. Muito. E deve ser grande. Quando por acaso a janela de meu quarto está aberta, de manhã cedo, digamos às 5 horas da manhã, consigo acordar só com o bater de suas asas, dentro da gaiola. Por essa eu não esperava quando me mudei para cá. Depois descobri que deveria me acostumar, porque papagaios são longevos!
Meu vizinho de cima morreu vendo um jogo do Flamengo. Morreu feliz, comemorando um gol, em um bar próximo onde se encontrava com amigos para acompanhar as vicissitudes do time. Ataque cardíaco. Sua viúva, depois de algum tempo, se mudou e colocou o apartamento à venda. Não conheci nenhum deles. Mais ou menos um mês atrás, soube que o apartamento havia sido vendido. O arquiteto responsável pela reforma, gentilmente me contatou para saber se havia algum problema de infiltração, porque obras de reforma iriam começar. Como não havia nada, ele simplesmente me avisou, que eu teria que conviver com muito barulho por algumas semanas. Derrubariam paredes, construiriam outras, haveria reforma dos banheiros, da cozinha e todo o chão do apartamento seria mudado. Ele me garantiu, e manteve sua palavra, que começariam às nove da manhã e finalizariam às 16 horas todos os dias. Concordei. Nessas circunstâncias, não há nada que se possa fazer.
Só não contava com uma coisa: há um pouco mais de quatro semanas sou vítima de uma gigantesca alergia. Pensei, inicialmente, ser gripe. Afinal, o tempo no Rio de Janeiro anda muito esquisito. Pessoas parecem gripar a qualquer hora. Mas quando há uns dias acordei com os olhos vermelhos e inchados de tal maneira que quase não conseguia abri-los e com uma vermelhidão tão acentuada que parecia ter uma máscara, corri ao médico, apavorada. Alergia, provavelmente à poeira do apartamento de cima. Medicada, ainda padeço. Hoje é o primeiro dia de muitos que posso olhar para a tela de meu computador sem chorar, chorar, chorar. A luminosidade intensa me derrubava. Os remédios, fortes, me deixam um pouco dispersa. Enfim. Fiz um plano para me mudar para um hotel no bairro pelos próximos dias até essa fase das obras acabarem. Mas uma conversa com o mestre de obras fez com que eu mudasse de ideia. Amanhã acabam com a destruição. Devo, no entanto, manter o plano do hotel, para quando estiverem lixando as paredes para o acabamento final.
Nem sempre é fácil morar em sociedade.
Estou de volta, pessoal!
©Ladyce West, agosto de 2025






