Sublinhando… o excêntrico colecionador…

5 12 2024

Pintores

Luís Fernando Borgerth (Brasil, 1945)

acrílica sobre tela, 24 x 19 cm

 

“Tomoo Hasegawa, brincando de mecenas, lançava em sua casa um punhado de jovens artistas atípicos. Como de costume, eles levavam suas obras para o veleiro de Shinnyo-dö, toda Kyöto comparecia, bebia, conversava e depois ia embora divulgando seus nomes. A maioria desses artistas eram elétrons livres. Não pertenciam a uma escola ou a uma família. Queriam ser, coisa culturalmente complicada, singulares. Não copiavam a arte contemporânea ocidental. Trabalhavam a matéria de sua terra natal dando-lhe uma figura inédita que sempre parecia japonesa mas não à maneira das grandes linhagens.”

 

Em: Uma hora de fervor, Muriel Barbery, Rio de Janeiro, Companhia das Letras: 2024

 





Falando com ancestrais, texto de Muriel Barbery

29 08 2024

Campo de trigo com corvos, 1890

Vincent van Gogh  (Holanda, 1853–1890)

óleo sobre tela, 50 x 103 cm

Museu Van Gogh, Amsterdam

 

 

 

“— Que barulho é esse que você carrega atrás de si? — Qual barulho? — perguntou Haru. O corvo grasnou. — Não sei — respondeu o sacerdote —, mas o ouvimos. Conversaram sobre várias coisas mas logo Haru teve a sensação de ouvir palavras e sons do mundo como se eles se produzissem em outro lugar. Estava sozinho num território desconhecido varrido por um rumor límpido e, logo ao lado, se desenrolava o curso das coisas reais. Ele perdeu o fio da conversa do velho sacerdote, ergueu o nariz para o céu que escurecia — céu de neve, mas não estou sozinho, pensou. Então, riu e, cortando a palavra do homem de fé, disse-lhe: — O barulho, sabe? São meus ancestrais. — Ah! — disse o outro. — Eu bem que sabia! E virando-se para o corvo: — São os ancestrais dele. Depois disso ele traduziu amavelmente a conversa para a língua dos corvos.”

 

Em: Uma hora de fervor, Muriel Barbery, Rio de Janeiro, Companhia das Letras: 2024





Vênus de Lespugue, visto por Muriel Barbery

19 08 2024

Vênus de Lespugue

marfim

Período paleolítico

Museu do Homem, Paris

 

 

— O original, que foi encontrado em Lespugue, na Haute-Garonne, tem mais de vinte mil anos — disse Jacques —, e se parece com algumas de suas estátuas dogû. Sei que você não se interessa muito pela arte ocidental mas essas obras são a raiz primeira da arte, elas não têm nacionalidade, não pertencem a nenhum território. Em seguida, tudo se ramifica e cada um gosta de reconhecer nelas seus filhotes, mas essa evidência de que tudo venha da mesma matriz original, do desejo universal de dar forma a uma matéria, sempre me emocionou.

 

Em: Uma hora de fervor, Muriel Barbery, Rio de Janeiro, Companhia das Letras: 2024