Brasil que lê: fotografia tirada em lugar público

20 09 2025
Leitura de fim de semana: O bom mal (contos), de Samanta Schweblin, Leblon, Rio de Janeiro. 

 

Não sei se vocês são como eu, mas quando vejo alguém lendo, faço tudo para saber que livro está entretendo o leitor, sem interromper a leitura da pessoa. Nesse caso, fotografia tirada por uma seguidora do blog, consegui identificar o título e a autora.  Não conheço esse livro, mas conheço essa autora, argentina, Samanta Schweblin, cujo livro Kentukis, li no ano passado e que foi finalista do prêmio Booker, em 2020, na Inglaterra. A resenha do livro se encontra aqui no blog em dezembro de 2024, e posso dizer sobre KentuckisSe você gosta de ficção científica com crítica social, na tradição de Huxley ou Orwell, bem leve, este livro lhe agradará. Mas não sei se os contos têm as mesmas características. 





Ladyce West, a Peregrina Cultural, escolhe as melhores leituras do ano!

30 12 2024

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Este foi um ano de sessenta e quatro livros lidos. Esse número inclui ficção e não ficção assim como livros relidos.

Ficção tem pela primeira vez desde que faço essa lista, dois autores brasileiros no pódio. E entre eles o ganhador de melhor do ano.

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1º lugar

 

OJIICHAN, Oscar Nakasato

SINOPSE – Terceiro livro do escritor paranaense e vencedor do Jabuti Oscar Nakasato, Ojiichan, que em japonês significa “vovô”, retrata a vida de Satoshi a partir do seu aniversário de setenta anos.

A aposentadoria compulsória do colégio onde ele lecionou por décadas é o primeiro dos eventos que o obrigam a confrontar as muitas faces da velhice. Seus colegas preparam uma festa de despedida e os alunos, que carinhosamente o apelidaram de Satossauro, prestam homenagem ao professor. Preocupados em celebrar o merecido descanso após uma vida de trabalho, ninguém ao redor parece enxergar a dor de Satoshi em deixar a rotina e dar início a uma nova fase.

Em casa, as coisas não estão muito melhores. A perda de memória de Kimiko, sua esposa, vai se agravando, e os cuidados com ela recaem sobre ele, sobretudo depois que uma tragédia acomete a filha do casal. Com o outro filho vivendo no Japão e o neto ausente, Satoshi experimenta, de modo estoico, os primeiros sinais da solidão, que só pioram quando ele é obrigado a se mudar para um apartamento menor e se despedir de Peri, seu cachorro. No novo prédio onde passa a morar, a solidão de Satoshi dá as mãos à de d. Estela e Altair, seus vizinhos, cuja história de vida o protagonista descobre aos poucos.

Com a coragem de representar o desamparo em toda sua crueldade, porém avesso a melodramas, Oscar Nakasato toca em pontos sensíveis da sociedade brasileira e provoca a reflexão ao desafiar o final trágico que parece se anunciar: quando Satoshi contrata Akemi como cuidadora de sua esposa, sua vida particular ganha novos contornos e a configuração do cotidiano e da família se alteram de modo inusitado.

Em sua prosa a um só tempo austera e atenta aos detalhes, tão característica da cultura japonesa na qual Nakasato cresceu, Ojiichan mostra que a terceira idade não é a linha de chegada, mas um caminho a ser trilhado, e transborda a beleza e a serenidade necessárias a um mundo ocidental de supervalorização da juventude e da velocidade.

2º lugar

OS ENAMORAMENTOS, Javier Marías

SINOPSE — O assassinato de um empresário madrilenho é o ponto de partida do romance de Javier Marías, que traz uma reflexão literária sobre o estado de enamoramento.

María Dolz, uma solitária editora de livros, admira à distância, todas as manhãs, aquele que lhe parece ser o “casal perfeito”: o empresário Miguel Desvern e sua bela esposa Luisa. Esse ritual cotidiano lhe permite acreditar na existência do amor e enfrentar seu dia de trabalho.

Mas um dia Desvern é morto por um flanelinha mentalmente perturbado e María se aproxima da viúva para conhecer melhor a história. Passa então de espectadora a personagem, vendo-se cada vez mais envolvida numa trama em que nada é o que parecia ser, e em que cada afeto pode se converter em seu contrário: o amor em ódio, a amizade em traição, a compaixão em egoísmo.

A história, narrada em primeira pessoa por María, sofre as oscilações de seus estados de espírito, de seus “enamoramentos”, evidenciando que todo relato é tingido pela subjetividade de quem conta.

Ao mesmo tempo, a presença incômoda dos mortos na vida dos que ficam é o tema que perpassa este romance, à maneira de um motivo musical com suas variações. Para desdobrar e reverberar esse mote, Javier Marías entrelaça a seu enredo referências a obras clássicas da literatura, como Os três mosqueteiros, de Dumas, Macbeth, de Shakespeare, e, sobretudo, o romance O coronel Chabert, de Honoré de Balzac.

Sustentando com maestria uma voz narrativa feminina, o autor eleva aqui a um novo patamar sua habilidade em nos envolver no mundo interior de seus personagens. Com Os enamoramentos, obra de plena maturidade literária, Javier Marías se reafirma como um dos maiores ficcionistas de nossa época.

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3º lugar

TERRA ÚMIDA, Myriam Scotti

SINOPSE —  Ganhador do Prêmio Literário de Manaus 2020, na Categoria Regional, tem como tema central a diáspora Judaico-Marroquina no começo do século 20, quando muitos imigrantes, vindos do Oriente, atracavam no Porto de Manaus.

A paisagem escurecia, sem que pudéssemos fugir de toda a chuva que estava para irromper, num prenúncio de desafio a quem ousava por ali navegar. O verão amazônico se anunciava violento, inserto em sua própria selvageria e ainda faltavam três dias para chegarmos a Manaus. Estávamos em meio ao nada. Apenas o infinito de águas nos cercava. Inimaginável que uma tarde bonita como aquela pudesse se transformar, trovões começariam a rimbombar e uma chuva torrencial cairia sobre nós. Ventos fortes e atípicos sacudiam a embarcação, como se fôssemos um barquinho de papel. Um dos marinheiros chamou a nossa atenção para uma mancha que lembrava um grande disco e se formava na superfície do rio, a certa distância. Curiosos, corremos todos para saber do que se tratava e então vimos surgir um anel de água, que logo ganhou força formando uma imensa tromba. Mesmo percorrendo rios há alguns anos, só tinha ouvido falar do fenômeno e até duvidava de sua veracidade.

Aqui a lista dos sete livros restantes que considerei os melhores do ano:

Todas as manhãs do mundo, Pascal Quignard

Uma hora de fervor, Muriel Barbery

A outra filha, Annie Ernaux

Não é um rio, Selva Almada

Cora do Cerrado, Tana Moreano

Novembro, 1963, Stephen King

Uma rosa só, Muriel Barbery

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MENÇÃO HONROSA

Kentukis, Samanta Schweblin

Segurant: o cavaleiro do dragão, Emanuele Arioli

Crônicas minhas, Nancy de Souza  – crônicas

As filhas moravam com ele, André Giusti — contos

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RELIDOS — só releio o que já considerei muito bom.

Olhai os lírios do campo, Érico Veríssimo

Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis

Kafka à beira-mar, Haruki Murakami

A ridícula ideia de nunca mais te ver, Rosa Montero

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NÃO FICÇÃO, só os que recomendo.

O lado bom das expectativas, David Robson

Diálogos sobre a natureza humana: perfectibilidade e imperfectibilidade, Luiz Felipe Pondé

2030: How Today’s Biggest Trends Will Collide and Reshape the Future of Everything, Mauro F. Guillén

Writers and their notebooks, Diana Raab

The two Eleanors of Henry III, Darren Baker

No enxame, Byung-Shul Han

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FICÇÃO em inglês

The Anthropologists, Aysegul Savas

The Hammock: A novel based on the true story of French painter James Tissot, Lucy Paquette





Resenha: Kentukis, de Samanta Schweblin

11 12 2024

Brinquedos de férias

Valentina Valevskaya (Ucrânia, contemporânea)

óleo sobre tela, 40 x 50 cm

 

 

Cheguei à escritora argentina Samanta Schweblin por Kentukis, tradução de Guilherme Pires, [ed. Fósforo] por este livro ter sido incluído na primeira seleção de finalistas do Booker Internacional, em 2020.  Mais tarde descobri que a obra também havia sido nomeada como melhor ficção científica de 2020, por diversos críticos internacionais, como relata o início da sinopse da Amazon:  A Guardian & Observer Best Fiction Book of 2020 * A Sunday Times Best Science Fiction Book of the Year * The Times Best Science Fiction Books of the Year * NPR Best Books of the Year.  Com toda essa retumbante aprovação, muitos diriam que eu estava pronta para ser desapontada.  Não exatamente.  Mas tenho alguns problemas com a narrativa. A proposta é astuta, o tema é interessante e do momento.  Combina avanços tecnológicos em robótica com o uso das redes sociais. E em sua narrativa retrata o imediatismo e falta de continuidade a que nos habituamos com os clipes nos diversos portais de interação pessoal.

A história gira em torno de robôs comandados à distância, disfarçados de animaizinhos de pelúcia que se tornam companheiros de quem os compra.  Seus olhos são câmeras e por intermédio de pessoas que os dirigem, a milhares de quilômetros de distância, como se dirige um drone, eles podem se relacionar com seus mestres (donos).  Podem servir de companheiros, semelhantes a um animal de estimação. mas que precisam de recarga na bateria.  Eles podem causar problemas inesperados também aos seus donos.  Chamados kentukis, ele são vendidos como companheiros-brinquedos e rapidamente fazem sucesso no mundo inteiro.

Agora existiam aqueles aparelhos por todos os lados, tantos que até seu pai parecia começar a entender do que se tratava. Estavam frequentemente no noticiário, retratados em reportagens de comportamento ou em histórias de fraudes, roubos e extorsões. Os usuários compartilhavam vídeos em todas as redes sociais, com suas invenções caseiras de kentukis presos a drones, montados em patinetes ou passando o aspirador pela casa. Tutoriais decorativos, conselhos pessoais, milagres de sobrevivência diante de acidentes insólitos. Um kentuki panda assustando um gato e fazendo-o saltar pelo ar. Um kentuki coruja com gorro natalino batendo em sete taças com a ponta do nariz e fazendo soar uma canção de Natal.

 

 

 

O projeto de Samanta Schweblin é ambicioso. Em sua narrativa seguimos diversos kentukis, comprados com diferentes propósitos, vivendo em várias partes do mundo, dirigidos por pouquíssimas pessoas. Para nos dar a ideia desta imensa variedade de experiências dos kentukis e da profusão de personalidades de seus donos, a sequência narrativa é picada, em stacatto, não tem continuidade. Temos uma colcha de retalhos, flashes de vidas cujos personagens não conhecemos e só iremos conhecer aos poucos. São pequenos contos inacabados, que mais tarde, ao acaso, voltamos a visitar.  Essa técnica engenhosa nos ajuda na compreensão da multiplicidade de aventuras dos robô-drones e no entendimento da variada localização desses brinquedos – da Alemanha à Amazonia, por exemplo. Mas torna difícil para o leitor seguir as ‘aventuras’ sem ter que voltar atrás algumas páginas para se conectar uma vez mais com os personagens: daquela casa, daquela cidade, daquele país.  Esses relatos das vidas dos kentukis e a sequência de aventuras independentes espelha os pequenos vídeos, pedaços das vidas de pessoas que não conhecemos, em situações que podem ou não ser comprometedoras, que podem ou não ser agradáveis, qua aparecem em um feed de qualquer das populares redes sociais.

Além de retratar a multiplicidade de realidades encontradas pelos kentukis, Samanta Schweblin insere observações de alerta sobre o perigo de abrirmos nossas vidas a esses dispositivos de conexão social.  Logo no início um dos personagens reflete: Não se podia contar com o bom senso das pessoas, e ter um kentuki circulando por aí era a mesma coisa que dar as chaves da sua casa a um desconhecido.” E sobre a necessidade de haver alguma regulamentação das novas engenhocas que vieram fazer parte do nosso cotidiano.

 

 

 

Samanta Schweblin

Por se tratar de literatura, sinto que a interação dos personagens com os kentukis poderia ser um tantinho mais desenvolvida.  Mas, no todo, o livro cobre a vida das pessoas comuns e a imensa necessidade humana de companheirismo.  Esses personagens que observamos pelos olhos dos kentukis são solitários: mal conhecem seus amantes, amigos ou familiares.  Isso não escapa ao leitor.  Acompanhamos, as preocupações da autora quando percebemos que vivemos num período de transição entre uma vida com privacidade e a, atual, quase sem ela, onde podemos ser reconhecidos por câmeras de segurança nas ruas de qualquer região urbana, identificados entrando e saindo de aeroportos, edifícios, estacionamentos, shoppings, calçadas movimentadas, elevadores comerciais, transportes coletivos.   E mais, o livro aborda a imensa curiosidade humana sobe a vida alheia, que sempre existiu, mas que hoje tem a aprovação de todos.  Essa história aborda também necessidade de muitos de exibirem aquilo que os rodeia ou faz parte de suas vidas.  Essa aceitação à vigilância sobre o outro, que tomou conta das televisões abertas no mundo inteiro, desde a virada do século vinte e um, é a essência dessa obra.  Atrás de cada kentuki há um ser humano atraído por alguém, qualquer alguém, porque ele não escolhe quem o compra,  que então observa, sem a expectativa de interferir naquela realidade.  Isso nem sempre acontece, mas quando acontece os resultados são imprevistos.   Kentukis é um livro que retrata exatamente  essa “descoberta” do século: a sedução que temos pela vida alheia:”O que era aquela estúpida ideia dos kentukis? O que fazia toda aquela gente circulando por pisos de casas alheias, olhando como a outra metade da humanidade escovava os dentes?”   A descoberta de que a vida cotidiana, sem nada extraordinário, banal é chocante: “Por que as histórias eram tão pequenas, tão minuciosamente íntimas, mesquinhas e previsíveis? Tão desesperadamente humanas.

Kentukis coloca esse espelho à nossa frente para vermos o que como sociedade estamos desenvolvendo, as regras que deixamos para trás e permitimos o novo, sem regulamentação. O mundo anda depressa.  Será que sabemos nos comportar quando há tanta coisa nova? Há um personagem nessa história que diz: ou você se moderniza ou a vida te atropela”.  É um bom sumário do espírito dos tempos.

Se você gosta de ficção científica com crítica social, na tradição de Huxley ou Orwell, bem leve, este livro lhe agradará.  Recomendo.

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.