Vista da ilha de Porquerolles
Albert Marquet (França, 1875 – 1947)
óleo sobre tela, 33 x 41 cm
Engana-se quem se aproximar de O circulo dos Mahé pensando em encontrar Inspetor Maigret solucionando crimes. Este é um dos romances de Georges Simenon chamados “dur” [Duros] , em geral desconhecidos no Brasil, mas que ajudaram a caracterizar o autor como um dos grandes escritores de língua francesa do século passado. Quase um conto, a história não ocupa mais do que 120 páginas, — traduzido por André Telles, e traz com ela o espírito de pós-guerra europeu, um mundo sem grandes esperanças, cinzento e amargo. Passado no final da década de quarenta — originalmente publicada em 1946, Simenon retrata um homem de trinta e cinco anos, que hoje seria jovem, mas na época considerado maduro. Médico, com família: esposa, filhos e mãe dominadora que tudo decide por ele. Um homem de espírito fraco, introvertido, que preenche o papel para o qual foi preparado e ordenado por sua mãe.

Dr. François Mahé constrói sistematicamente e sem entusiasmo uma clínica medianamente próspera. Parte deste sucesso inclui férias anuais para a família, na costa mediterrânea. Certa vez passam o período de folga em Porquerolles, ilha ao sul da França. O verão lá é quente, o ar não se move, o sol inclemente. O local não é aprazível, mesmo assim, ano após ano ele e a família retornam, porque na primeira visita, a que abre o texto para nós, Dr. Mahé é confrontado com o que não espera, com a vida como outros vivem. Chamado para atender uma mulher à beira da morte, Dr. Mahé se encanta com a filha desta paciente, meninota ainda, adolescente, que se transforma em mulher com a passagem dos anos e repetidas férias em Porquerolles. A atração que sente é controlada e fantasiosa. Tenta, sem sucesso, macular a imagem da moça em sua mente ao sugerir que o sobrinho a conquiste. Mas ela é mais do que um fascínio, ela acentua, para ele e para nós leitores, seu próprio descontentamento com o casamento, desagrado com cotidiano, monotonia e tédio da vida social e enfado com a profissão. Depois da morte de sua mãe esses sentimentos parecem voltear em espiral a seu redor. Até que uma decisão é tomada. Surpreendente mas lógica.
George Simenon
A arte de Georges Simenon está no poder de síntese, na narrativa que mostra e não rotula, no retrato psicológico feito pela ação ou marasmo de seus personagens. Nada é extra, não há cena descartável. E no fim de uns poucos parágrafos temos toda angústia do personagem, a carência de sentimentos, o acanhamento de decisões, o dissabor com a vida, o confinamento do homem na família e nos poucos amigos, a asfixia das obrigações. É um drama existencial. Extremamente forte, O círculo dos Mahé, revela um delicado estudo da alma humana. Belíssimo.
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