Autorretrato, poema de Mário Faustino

2 08 2024

Rapaz com capucho

Carlos Alberto Petrucci (Brasil, 1919 – 2012)

óleo sobre tela

 

 

Autorretrato

 

Mário Faustino

 

O mar reza por mim

Somente sua voz terrível é digna daquele

a quem retorno o mais triste dos homens

embora nunca tenha sido o pródigo

Sou apenas uma pobre criança

pela primeira vez diante de si própria

E que tenho medo

 

As imagens penetram a face intacta

e os ouvidos resistem à sinfonia

nada mudou apenas eu transbordo.

Também há quantos eu não escrevo poemas?

Há miríades de séculos irmão,

 

25/2/1948

 

Em: O homem e a sua hora e outros poemas, Mário Faustino, org. Maria Eugenia Boaventura, São Paulo, Companhia das Letras: 2009, p. 203





Carpe Diem, poema de Mário Faustino

4 07 2024

Jovem lendo, 2008

Jose van Gool (Holanda, 1945)

óleo sobre tela

 

 

 

Carpe Diem

 

Mário Faustino

 

 

 

Que faço deste dia, que me adora?

Pegá-lo pela cauda, antes da hora

Vermelha de furtar-se ao meu festim?

Ou colocá-lo em música, em palavra,

Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra?

Força é guardá-lo em mim, que um dia assim

Tremenda noite deixa se ela ao leito

Da noite precedente o leva, feito

Escravo dessa fêmea a quem fugira

Por mim, por minha voz e minha lira.

 

 

(Mas já de sombras vejo que se cobre

Tão surdo ao sonho de ficar — tão nobre.

Já nele a luz da lua — a morte — mora,

De traição foi feito: vai-se embora.)

 

[27/7/1954]

 

 

 

Em: O homem e sua hora e outros poemas, Mário Faustino, org. Maria Eugênia Boaventura, São Paulo, Companhia das Letras: 2009, p.195