Autorretrato, poema de Mário Faustino

2 08 2024

Rapaz com capucho

Carlos Alberto Petrucci (Brasil, 1919 – 2012)

óleo sobre tela

 

 

Autorretrato

 

Mário Faustino

 

O mar reza por mim

Somente sua voz terrível é digna daquele

a quem retorno o mais triste dos homens

embora nunca tenha sido o pródigo

Sou apenas uma pobre criança

pela primeira vez diante de si própria

E que tenho medo

 

As imagens penetram a face intacta

e os ouvidos resistem à sinfonia

nada mudou apenas eu transbordo.

Também há quantos eu não escrevo poemas?

Há miríades de séculos irmão,

 

25/2/1948

 

Em: O homem e a sua hora e outros poemas, Mário Faustino, org. Maria Eugenia Boaventura, São Paulo, Companhia das Letras: 2009, p. 203





Érico Veríssimo sobre seus personagens

22 06 2024

Sem título, Olinda, 2011

Joãi Câmara (Brasil, 1944)

óleo sobre madeira, 170 x120 cm

 

 

 

“Acho sinceramente que, mesmo quando nos esforçamos para criar uma personagem original que não se pareça com nenhuma outra da vida real ou da literatura, não nos conseguimos livrar das influências principalmente das de nossa vivência. E o perigo dessas influências é tanto maior quando se sabe que no mais das vezes elas não estão no consciente, mas no inconsciente, de onde misteriosamente ditam nossos pensamentos e guiam a mão que escreve. Enquanto isso, nós nos deixamos embriagar pela orgulhosa ideia de que personagens e histórias vão brotando de nosso cérebro, novas como o primeiro homem na manhã da criação, frutos exclusivos de nossa ‘capacidade criadora’, de nosso ‘talento inventivo’.

A verdade, porém, é que ninguém se livra de suas próprias lembranças, nem de velhas idiossincrasias, malquerenças e desejos recalcados. E, quando se trata dum romancista, essas impurezas mais tarde ou mais cedo acabam aparecendo na face ou na alma de suas personagens.”

 

 

Citação encontrada em: Galeria Fosca. Pesq. e Org. Cristina Penz. Rio de Janeiro: Globo, 1987





Violeta, texto de Clarice Lispector

11 01 2024
DETALHE, O jardim, Klimt, 1907

 

 

Violeta

 

É introvertida, sua introspecção é profunda. Ela não se esconde, como dizem, por modéstia. Ela se esconde para poder entender o seu próprio segredo. O seu perfume é uma glória mas que exige da pessoa uma busca: seu perfume diz o que não se pode dizer. Um ramo de violetas equivale a “ama os outros como a ti mesmo”.

 

Em: De Natura Florum, Clarice Lispector, Ilustrações de Elena Odriozola, editado por Alejandro Schnetzer, São Paulo, Global: 2021.





“Verão”, poesia de Ladyce West

22 12 2023
Verão, ilustração de Dick Sargent (1911 – 1978)

 

 

 

 

Verão

 

Ladyce West

 

 

Pelo próprio nome é aumentativo.

É mais quente, mais intenso,

mais esperado, ensolarado,

letárgico, suado.

Prefiro o outono,

 

Excessos sempre me exaurem.

 

 

Em: À meia voz, Ladyce West, Rio de Janeiro, Autografia: 2020, p. 26

 

 

Hoje, 22-12-23, solstício de verão, é quando a estação mais quente do ano se inicia.





Sublinhando…

4 08 2023

Jovem lendo

Albert Bertalan (Hungria, 1899-1957)

óleo sobre tela, 65 x 81 cm

 

 

                                                                                                                                                                           “Quem lhe escreve, Zico, é um senhor quase gordo, de cabelos grisalhos; se alguma rapaz melancólico ler esta correspondência entre velhos amigos, talvez ele compreenda que ainda se pode, à tardinha, ouvir as cigarras cantar nas árvores da rua; e, na boca da noite, aprender, em qualquer porta de boteco, os sambas e marchas do Carnaval que aí vem; que às vezes ainda vale a pena ver o sol nascer no mar; e que a vida poderia ser pior, se esta cidade fosse menos bela, insensata e frívola.”

 

Janeiro, 1953                                    
 
 

Em: O verão e as mulheres, Rubem Braga, São Paulo, Editora Global: 2021, p. 25