Graham Greene
Anthony Palliser (GB, 1949)
Óleo sobre tela
National Portrait Gallery, Londres
Graham Greene
Anthony Palliser (GB, 1949)
Óleo sobre tela
National Portrait Gallery, Londres
De Graham Greene eu só havia lido Viagens com minha tia, [Travels with my aunt], que li em inglês nos primeiros tempos de moradia nos Estados Unidos há anos. Boas recordações associadas a essa leitura — personagens fora do comum, como tia Augusta com uma vida não muito límpida — seu sobrinho, o monótono gerente bancário, aposentado, Henry Pulling, e sobretudo as aventuras europeias fora do esperado, não foram suficientes, no entanto, para que eu retornasse a Graham Greene até agora. Mas meu grupo de leitura votou neste clássico para discussão mensal. E foi, portanto, com prazer que abri as primeiras páginas de Nosso Homem em Havana. No início a narrativa pareceu de difícil engajamento. Passei para o original em inglês considerando que talvez fosse a tradução, neste caso de Brenno Silveira. Mas o início do original em inglês foi lido com tão pouco entusiasmo quanto seu correspondente em português. Até que a história, pequenina, não chegando mesmo a 280 páginas, toma um embalo, lá por um terço e daí por diante fluiu sem obstáculos, tornando-se uma das mais interessantes narrativas que li nos últimos tempos. E devo acrescentar, escrita com grande humor, uma sátira muito bem feita que chega, em ocasiões, a trazer o riso solto ao leitor. Realmente muito engraçado.
Publicado em 1958, o livro tem trama elaborada. Passa-se em Cuba, ainda no governo de Batista, mas já com rebeldes agindo nas montanhas, precursores da revolução cubana liderada por Fidel Castro e seus associados. Interessado no que pode vir a acontecer, o serviço secreto britânico, por falta de melhor solução, contata James Wormold para mandar notícias sobre o que se passava na ilha. Wormold, cidadão inglês radicado em Cuba, vendedor de aspiradores de pó, figura apagada e insossa que nenhum de nós pode imaginar como personagem principal de uma aventura de espionagem, precisava reforçar o conteúdo de seu bolso para dar à filha, manipuladora sem limites, as necessidades de luxo que ela desejava. Aceita o trabalho, desconhecendo como proceder. A necessidade, dizem ser a mãe das invenções. Sabedoria popular que se afirma neste caso. Que mal poderia acontecer, se desta longínqua ilha no Atlântico, mais de 7.000k de Londres, Wormold colorisse a realidade? Nada, ele pensa. Quem vai saber? A situação toma caminhos inimagináveis quando na capital inglesa o serviço secreto leva a sério os relatórios assinados por Wormold.
Farsa, comédia rasgada são termos comumente associados ao teatro, mas podem descrever a sátira feita por Graham Greene, que baseia seu sucesso — como o melhor do humor inglês — nas pequenas frustrações que seus personagens, verdadeiramente humanos, imperfeitos, ingênuos sofrem, e de como são incapazes de impedir as consequências inevitáveis de suas ações. Paródia, crítica sobre o serviço secreto inglês e métodos da política mundial, do final da década de 1950, não tornam a história datada. Ao contrário, ela é atemporal, clássica no sentido mais largo da palavra, porque é baseada não em circunstâncias de época mas no registro das emoções e do caráter de seus personagens. Sensível, Graham Greene brinca com o que rotulamos importante. E explora com destreza as fraquezas humanas. Sim, é um clássico que pode ser lido e relido inúmeras vezes. Excelente leitura. Leve e curta.
NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.
Menina lendo, 1947
Walter Sautter (Suíça, 1911 – 1991)
óleo
Graham Greene
Angiolo Tomasi (Itália, 1858-1923)
óleo sobre tela
Galeria de Arte Moderna, Roma
“Expatriação é um ato de quando alguém faz uma autoremoção sustentável, da sua própria cultura nativa; uma remoção contrabalançada pela resistência, determinada, a ser incluído totalmente à nova sociedade anfitriã. Os motivos de expatriação são tão numerosos quanto os expatriados: afinidade estética e intelectual; um emprego melhor ou uma vida mais interessante e menos complicada; maior liberdade ou simples melhoria de impostos, assim como os motivos para a não integração podem ir de princípios pessoais, à nostalgia, preguiça ou medo. A lista de expatriados conhecidos só no campo da literatura é imensa, rica em honrarias e respeitável: Henry James, T.S. Eliot, Joseph Conrad, V. S. Naipaul (antes de serem aceitos como cidadãos ingleses), Vladimir Nabokov, James Joyce, Samuel Beckett, Paul Bowles, Mavis Gallant, Gabriel Garcia Marquez, Witold Gombrowicz, Anthony Burgess, Graham Greene, Derek Walcott, Malcolm Lowry, Wilson Harris — nomes que, mesmo com algumas omissões óbvias qualquer audiência educada poderia preencher as lacunas, mas que, todos concordamos, chega ao ápice de qualquer lista das mais notáveis produções do século XX.
Eles são, na verdade, nossas maiores vozes do modernismo e do pós-modernismo; suas produções são enciclopédicas, suas visões irônicas e incisivas, suas análises imparciais e escrupulosas, seus estilos experimentais e cristalinos. Se o objetivo final da literatura é chegar à universalidade e uma espécie de onisciência divina, expatriação — a fuga da mesquinhez, das frustrantes irritações — pode ser o fator que mais contribui para isso.
O expatriado é o artista que constrói a si mesmo, até na escolha da língua em que vai se expressar, como Conrad, Beckett, Kundera e Nabokov mostram. … É possível na expatriação, sair das limitações em que se nasce e exercitar uma visão de estrangeiro desapegado. O expatriado húngaro, checo ou polonês de outra época, ou o iugoslavo, o bengalês, o argelino ou o palestino expatriado de hoje, pede só para que a cultura anfitriã o deixe manter o âmago estrangeiro sem comprometimento nem capitulação. Assim, o acordo é feito: eu serei um residente modelo em troca da sua tolerância e indiferença. Não atacarei os defeitos fundamentais da sua sociedade, com o mesmo zelo com que analisarei meu próprio povo. Imaginarei uma nova pátria construída em terra recuperada.”
Em: “Imagining Homelands”, Bharati Mukherjee, Letters of Transit: Reflexions on Exile, Identity, Language and Loss, ed. André Aciman, New York, The New Press: 1990, p. 71-72.
Tradução e edição Ladyce West.