Estação do metrô, c. 1932
Cyril Edward Power (GB, 1872-1951)
Gravura em linóleo, 29 x 35 cm
Há tempos meu marido insiste que eu leia Zadie Smith. Por isso tenho ambos Dentes brancos e Sobre a beleza, em português e inglês. Mas não foi por aí que conheci a autora. Meu grupo de leitura votou por ler NW e fiquei entusiasmada. Sabia que era uma autora excepcional. Talvez eu tenha exagerado na expectativa, porque achei NW um livro bom mas com problemas. Pelo menos não me agradou como esperava.
O próprio título sugere que o personagem principal de NW não é uma pessoa, mas um lugar: a região de Londres habitada em sua maioria por imigrantes da Jamaica, Irlanda, Índia, China, que se encontra exatamente a noroeste na cidade. É uma área mais pobre, com cultura própria, internacional, ecumênica e, aqui, descrita de maneira vívida e realista. No entanto, às vezes a atenção aos detalhes parece esconder a trama, ou ela é inexistente. Por isso, por ser a história de um local, a narrativa vai para todo lado, sem direção e o texto é picado ainda que às vezes lírico. Não é fácil de seguir, não é user friendly. Mas prende. Seduz. Envolve como a atmosfera de um lugar parece rodear tudo o que ali se faz. Lembra maresia em cidade praiana, ou o ar cinza de uma cidade com minas de carvão. No noroeste de Londres, a colcha de retalhos de culturas se ajustando à inglesa produz uma cacofonia própria, barreira transponível só depois de imersão profunda.
Há quatro personagens, amigos que se conhecem de infância (Leah, Natalie, Félix e Nathan), vidas comuns, que seguimos através de sketches do dia a dia, em staccato, numa narrativa não linear. Mesmo assim, eles são bem desenvolvidos, tridimensionais, existem em nossa imaginação bem caracterizados. Eles dão apoio a observações sensíveis que consideram preconceitos de classe e raça.
Talvez a mais impressionante característica desse livro sejam os habilidosos diálogos, que soam verdadeiramente “como se fala” [imagino o trabalho que devem ter dado para traduzir], com o impromptu de interrupções de pensamento e lógica. De fato, Zadie Smith parece querer trazer o caos das conversas simultâneas das grandes metrópoles para perto de nós. Esses diálogos, cheios de gírias e de coloquialismos ecoam a desordenada linha narrativa e ajudam o entendimento do caos que envolve os moradores dos grandes centros urbanos. Também retrata, em paralelo à conturbada vida citadina, a monotonia de vidas que seguem rotinas por vezes insensatas e o tédio que as permeia. O resultado é um livro que leva à introspecção, apesar do ‘barulho’ que o cerca.
Zadie Smith
Difícil dizer porque, mesmo assim, achei esta obra digna de quatro estrelas de um total de cinco. É como se fosse um voto de confiança. Sinto em Zadie Smith uma escritora que tenta ultrapassar os limites da narrativa linear. Quase cubista, vendo o mundo por diversos ângulos simultaneamente, ela nem sempre tem sucesso. O resultado, por mais difícil que a leitura tenha sido em partes, é ainda acima da média dos romancistas que conheço. Talvez não tenha sido a melhor maneira de ser apresentada à escritora. Mas se este livro marca, deixa vínculo, fica na memória, nada mais lógico do que ler e esperar mais da escritora. Agora irei em “busca do tempo perdido”. Neste fim de ano vou me dedicar à leitura de Dentes brancos e/ou Sobre a beleza. Estou certa de que não me decepcionarão.
NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem qualquer incentivo para a promoção de livros.