ilustração por IA.
Este é o quarto livro de Chimamanda Ngozi Adichie que leio. Como outros leitores que gostam de sua escrita esperei dez anos para essa nova produção. Finalmente A contagem dos sonhos veio, trabalho pós pandemia, publicado no Brasil pela Companhia das Letras, com tradução de Júlia Romeu. É óbvio que não há falta de assunto para a autora, nunca houve, por tudo que já li dela, Chimamanda continua loquaz na sua escrita.
A sensação que tive é que após alguns anos sem publicar, a autora tinha muito, muito mesmo, a dizer sobre mulheres e seus sonhos. O livro é extenso. Sinto que poderia ser dividido em dois excelentes romances com diferentes diretrizes. Isso porque ele relata desejos, sonhos e o cotidiano de quatro mulheres que lutam para se realizar economicamente, profissionalmente, além de preencherem seus destinos de esposas, amantes, mães e filhas. Não é um conjunto fácil de tarefas a concretizar. Essa luta, a persistência na busca, a procura do preenchimento do sonho é a coluna dorsal da obra. Ela trata das expectativas frustradas, dos obstáculos do dia a dia, e mostra a quase impossível ideia de casar sonho com realidade.
Não falta vontade, perseverança, educação ou dinheiro a três dessas mulheres: Chiamaka, Zicora e Omelogor, as três nigerianas. O caso de Kadiatou já é diferente desde de seu nascimento. Outra obra deveria ser escrita para ela. Originária da Guiné ela se faz adulta dentro dos ditames da educação muçulmana. Traz consigo os limites de seu papel social que diferem daqueles das outras três personagens, quando emigra, acaba sofrendo consequências traumáticas pelas quais não é responsável.
As quatro mulheres são apresentadas em sequência, e têm suas vidas levemente entrelaçadas. Chiamaka abre a narrativa. Ela é escritora-jornalista especializada em escrever colunas para revistas de viagem, vem de família rica, emigra para os EUA, não tem problemas financeiros e é apoiada pelos pais, mas não consegue encontrar um parceiro de vida adequado. Zikora, a segunda que conhecemos, é amiga de Chiamaka e pode até ter sido apresentada ao leitor anteriormente, já que sua história apareceu como um conto independente, em 2020, Zikora, pela Amazon Original Stories. Lá, é personagem principal. Aqui, a mesma história: advogada de sucesso em Washington DC, que se vê igualmente lograda na escolha de um companheiro de vida. Quando engravida é deixada de lado pelo homem que ama. Foi durante o parto e nos dias subsequentes que conseguiu perceber as dificuldades que sua mãe teve, e consegue reconciliar seu desejo com o que sua mãe imagina para ela e o neto. Omelogor, é prima de Chiamaka, mas as duas não poderiam ser mais diferentes. Ela também se muda para os Estados Unidos para estudar. Tem muito sucesso no campo das finanças. Mostra também seu lado de defensora das mulheres quando dá conselhos para homens, incentivando-os a agir de maneira mais ‘civilizada’ em seu blog. Entra em controvérsias, mas é autêntica. Das três nigerianas, ela é a personagem mais tridimensional, suas faltas, pecados, erros de julgamento a fazem uma pessoa completa. Talvez seja a mais interessante das nigerianas.
Chimamanda Ngozi Adichie
Finalmente, na sequência, temos a história de Kadiatou, comovente, triste, de grande poder dramático. Sua relação com as outras mulheres retratadas é que ela foi empregada de Chiamaka, e vai para os EUA, asilada, procurando uma vida melhor para sua filha. Essa história, completamente diferente das outras, até mesmo no tom, lembra um caso real que chegou às manchetes dos jornais por volta de 2011, quando de uma camareira de hotel foi abusada por um homem de negócios de alto nível, em Nova York. Para mim, essa história deveria ser um livro à parte. Principalmente porque na seção final quando voltamos a saber de Chiamaka — cujo relato fecha o livro — percebemos ainda com maior precisão a diferença de tom usado nas três primeiras narrativas, e a dela. E também os problemas que afetam Kadiatou serem de muito maior grandeza do que os enfrentados pelas outras.
O que as une é a constante procura do amor e da felicidade. Todas acabam frustradas pelos homens que escolhem, pelas escolhas que fazem ou pelas pressões sociais. Com esse perfil fica óbvio que Chimamanda Ngozi Adichie continua dando voz às frustrações das mulheres que lutam contra o machismo, o racismo e desigualdades sociais. Tudo dentro do tradicional perfil de suas obras, que conquistaram, a cada publicação, milhares de leitores devotos. Mas neste livro acredito que ela poderia ter sido mais sucinta. O livro é longo. E se arrasta em algumas passagens. Para mim, sua melhor obra até hoje, mais redonda, mais completa, é Meio Sol Amarelo, narrativa de grande impacto. Se você nunca leu Chimamanda Ngozi Adichie, recomendo que comece com Hibisco Roxo, o mais leve e mais direto de seus romances. Mas recomendo A contagem dos sonhos com as restrições mencionadas acima.
De cinco estrelas, no máximo eu lhe daria entre três e quatro. Mas não há meios pontos nesse jogo. Fico com quatro, em admiração por todo trabalho dessa escritora.
NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.








