Saber viajar, texto de Francisco de Barros Júnior

20 05 2020

 

 

AGOSTINHO BATISTA DE FREITAS (1927-1997)Maria Fumaça na Paisagem Campestre, ost,. 1992. 50 x 71 cm.Maria fumaça na paisagem campestre, 1992

Agostinho Batista de Freitas (Brasil, 1927-1997)

acrílica sobre tela, 50 x 71 cm

 

 

“É frequente ouvirmos alguém afirmar que só viaja à noite, por ser “muito pau” aguentar dez ou doze horas a olhar pelas janelas, sentados em bancos incômodos, sem ver nada de importância, a não serem pastos, matos e morros longínquos. É que esses cavalheiros são daqueles de quem falam as escrituras: “oculos habent sed non vident“. E deles tenho pena.

Para quem sabe ver, não há paisagens monótonas. Numa campina verdejante onde pasta o gado, nos rápidos segundos que durou a visão, se soubermos ver, notaremos se os bois estão gordos, qual a raça predominante, divertimo-nos com o bezerrinho assustado pelo treme instintivamente o nosso pensamento vai para a fazenda em que passamos a infância, ou visita à estância de amigos, e à nossa memória acodem episódios relacionados com o que acabamos de ver. A paisagem é desoladora, só pedras e mato ressequido, mas tem, no alto de um barranco ou encosta empedrada cortada a prumo, um coqueiro esguio, ou elegante ipê coroado de ouro e pensamos na linda fotografia que poderíamos tomar…

Até o repugnante quadro  de uma rês morta e centenas de urubus, a se banquetearem uns, outros infartados, empoleirados nas árvores, é tema para uma série de divagações. De que teria morrido? Cobra? Erva? E figuramos o vaqueiro que, tendo visto de longe os tétricos necrófagos adejando em círculo, esporeia o cavalo para verificar, pesaroso, a perda, e depois or ao patrão dar a triste notícia nesse tom de mágoa, que conhecemos quando um vaqueiro fala da perda de uma cabeça de gado.

E enquanto a nossa fantasia trabalha, os quilômetros são vencidos e os minutos se passam sem que tenhamos tempo para nos aborrecer.  Até na monotonia das travessias marítimas temos como nos distrair e ilustrar, vendo surgir as nuvens de peixes voadores, os numerosos  golfinhos que afloram à superfície como se nadassem rolando sobre si mesmos, as gaivotas que adejam à volta do navio, ou o inesperado jato d’água de alguma baleia longínqua. E essas cenas nos ficam na memória, servindo mais tarde para tornar mais agradável a nossa conversação.

Estas considerações vieram-me de começo, quando ia dizer-lhes que a nossa viagem S. Francisco abaixo ia decorrendo sem que sentíssemos passarem os dias.”

 

Em:  Caçando e pescando por todo o Brasil, 3ª série: no planalto mineiro, no São Francisco, na Bahia, de Francisco de Barros Júnior, São Paulo, Melhoramentos: s/d, pp. 139-140.

 

Francisco Carvalho de Barros Júnior (Campinas, 14 de dezembro de 1883 — 1969) foi um escritor e naturalista brasileiro que ganhou em 1961 o Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria de literatura infanto-juvenil.

Francisco Carvalho de Barros Júnior, patrono da cadeira n° 16 da Academia Jundiaiense de Letras, colaborou em vários jornais e revistas e é o autor da série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil, um relato de viagens pelo Brasil na primeira metade do século XX, descrevendo diversos aspectos das regiões visitadas (entre outros botânica, animais e populações caboclas e indígenas).

Obras:

Série Caçando e Pescando Por Todo o Brasil

Primeira série: Brasil-Sul, 1945

Segunda Série: Mato Grosso Goiás, 1947

Terceira Série: Planalto Mineiro – o São Francisco e a Bahia, 1949

Quarta Série: Norte,  Nordeste,  Marajó, Grandes Lagos, o Madeira, o Mamoré, 1950

Quinta Série: Purus e Acre, 1952

Sexta Série: Araguaia e Tocantins, 1952

Tragédias Caboclas, 1955, contos

Três Garotos em Férias no Rio Tietê, 1951, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Paraná, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Paraguai, infanto-juvenil

Três Escoteiros em Férias no Rio Aquidauana, infanto-juvenil


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2 responses

20 05 2020
Avatar de Paulo Araujo de Almeida Paulo Araujo de Almeida

Tenho vários livros do Francisco de Barros Junior que vieram da biblioteca do meu pai e do avô materno. Ambos eram companheiros de caça e pesca nos anos 1940-50. Nos anos 1940 o F.B. Jr. Fazia um programa de rádio na Exelsior, sob o nome: “Caçando e Pescando por todo o Brasil”, também denominado Rádio Jeribaté. Busco uma gravação de um desses programas há anos, mas nunca consegui. Sou aqueologo e faço pesquisa sobre “Mitologia Bandeirante”. Mantenho acervo de revistas, filmes, fotos e artefatos do então chamado “esporte” da caça e pesca. Pertenciam ao grupo de atividades de campanha (típico paulista) do meu pai e avô na época o Cap. Agrele, Procópio Ferraz, Abreu Campanário, irmãos Pereira Almeida, Manoel Ribero de Araujo, Luiz Rossati (do Trianon), Dizo e Darci Junqueira, entre outros sócios do Clube Paulistano de Tiro. Adhemar de Barros e alguns amigos da família Mesquita também eram aficionados as atividades que buscavam recriar com ufanismo as entradas e bandeiras dos colonizadores bandeirantes.

20 05 2020
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Paulo, que prazer vê-lo por aqui de novo. Tenho alguns livros dele e estou sem saber se guardo ou não. Neste período de quarentena me sentei tentando avaliar exatamente o que guardar, Meus volumes dele estão bem ruinzinhos, acabados, as capas caindo, mas dá para ler muito bem. Sua prosa é deliciosa. Não foi à toa que ganhou o Prêmio Jabuti de 1961. Toda vez que pego neles, acabo ficando com eles mais algum tempo.

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