Jardinagem, ilustração Pierre Brissaud, capa de House & Garden, março, 1930.
“Ficamos ao lado de um canteiro, delimitado com barbantes e estacas num ziguezague de misteriosa organização.
Eric Lamb cruzou os braços e olhou para o horizonte.
— Qual a coisa mais importante em um jardim? — perguntou.
Também cruzamos os braços para nos ajudar a pensar.
— Água? — sugeri
— Sol? — arriscou Tilly.
Eric Lamb sorriu e balançou a cabeça.
— Barbante? — falei num ato de puro desespero.
Quando ele parou de rir, descruzou os braços e disse:
— A coisa mais importante em um jardim é a sombra de um jardineiro.
Cheguei então à conclusão de que Eric Lamb era muito esperto, se bem que ainda não soubesse exatamente por quê. Havia nele uma desenvoltura, uma sabedoria sem pressa que se alongava pelo chão como sua sombra. Olhei para o jardim e vi borboletas brancas dançando em torno de dálias, frésias e gerânios. Havia um coral de cores cantando para atrair minha atenção e era como se eu o ouvisse pela primeira vez. Pensei, então, na fileira de cenouras que tinha plantado um ano antes (cenouras que nunca sobreviveram, porque eu as desenterrava sem parar para conferir se ainda estavam vivas) e me senti meio agoniada.
— Como você sabe onde plantar as coisas? — perguntei. — Como sabe onde vão crescer?
Eric Lamb botou as mãos na cintura, observou o jardim justo conosco e então acenou com a cabeça para o horizonte. Eu podia ver onde a terra havia comido seus dedos e se instalado nas fissuras de sua pele.
— Planta-se igual com igual — ele respondeu. — Não faz sentido plantar um anêmona num campo cheio de girassóis, não é mesmo?
Tilly e eu respondemos ao mesmo tempo:
— Não.
— O que é uma anêmona? — sussurrou Tilly.
— Não tenho ideia — sussurrei de volta.
Acho que Eric Lamb percebeu.
— Porque a anêmona morreria — explicou. — Ela precisa de coisas diferentes. Para cada coisa existe um lugar lógico, e se uma coisa estiver onde deveria estar, então vai florescer.
— Mas como você sabe? — indagou Tilly. –, como você sabe se uma coisa está no lugar certo?
Experiência.
Ele apontou para nossas silhuetas, que se derramavam pelo cimento. A dele, grande e sábia, como um carvalho, e a minha e de Tilly, finas, esguias e incertas.
— Continuem a criar sombras — disse ele. — Se criarem sombras suficientes, chegará a hora em que saberão todas as respostas.”
Em: Entre cabras e ovelhas, Joanna Cannon, tradução de Celina Portocarrero, São Paulo, Editora Morro Branco: 2017, pp. 236-237.
A experiência é tudo! 🙂
Sim, não é a toa que as populares 10.000 horas de treinamento, colocadas em pauta por Malcolm Gladwell — verdadeiramente necessárias ou não, há quem o critique — reverberaram tão bem na cultura popular.
Obrigada pela visita e pelo comentário.
Procurarei saber sobre isto! 🙂
Adorei. É exatamente isso.
Sim, nada toma o lugar da experiência!
Bonito texto!
Esse livro é cheio de passagens inesperadamente novas!
So sorry não gostei da tradução!
Lenah, do que não gostou? do “criar sombras”… isso eu achei estranho. Mas ando um pouco imune… tenho visto tantos problemas com traduções…