Resenha: “Moça com chapéu de palha”, de Menalton Braff

12 01 2017

 

 

georgina-de-albuquerque-01-jpgmanha-de-sol-de-georgina-de-albuquerqueManhã de sol, 1947

Georgina de Albuquerque (Brasil, 1885-1962)

óleo sobre tela, 61 x 50 cm

 

 

Moça com chapéu de palha, de Menalton Braff traz aos leitores um dos mais desprezíveis personagens que encontrei nos últimos tempos.  Um homem insignificante, fraco, com mania de grandeza, covarde e fracassado é o centro da narrativa na primeira pessoa. Abertamente obcecado consigo mesmo, acompanhamos seus pensamentos mais banais, testemunhamos seus sentimentos que, por sinal, não valem metade do tempo gasto com eles. Rodeamos todo tempo à volta do insuportável e presunçoso, Bruno Vieira que deseja ser escritor e namora a pintora, Angélica.

Encontro já aí minha primeira objeção ao livro.  Estou cansada dessa narrativa autorreflexiva brasileira. Que mania essa de autores se perderem em si mesmos em textos contados na primeira pessoa, como se seus autores fossem os inventores do fluxo de consciência e como se todos os pensamentos, por mais rotineiros, suas observações da cor do céu ao ônibus que tomaram, possam ser de interesse?

São poucos os escritores premiados que não me desapontam.  Menalton Braff foi premiado em 2000 com o Jabuti, por seu livro À sombra do cipreste, que não li. Ando sempre à procura de autores brasileiros contemporâneos para minha constelação de favoritos. Nela, não há espaço, para Menalton Braff, pelo menos por esse livro.  Minha constelação tem uma população eclética, generalista de Luiz Antônio de Assis Brasil, Milton Hatoum, Adriana Lisboa, Oscar Nakasato, Ronaldo Wrobel entre outros (ordenados por sobrenome). São escritores nem sempre listados por críticos e intelectuais brasileiros.  A razão é simples: quero ler um livro que me seduza pela trama, pelo estilo e, sobretudo, pela voz narrativa.  Gosto de obras abertas, ou não;  de autores que brincam ou não com a língua;  tradicionais ou não em estrutura; mas quero uma história e autores que me adicionem.  Acho incrível que os encontre com maior facilidade em outras terras de língua portuguesa de Portugal à África lusitana.

 

 

moca-palha-braff

 

Moça com chapéu de palha peca ao não apresentar alguns dos requisitos colocados acima: sua trama é quase inexistente.  Trata-se de um homem que quer ser escritor. Teoricamente estaria angustiado, mas na verdade quem sofre somos nós, convidados a ler os primeiros capítulos do livro em processo, uma tentativa de Menalton Braff de introduzir meta-linguagem significativa, que não se substancia claramente.  O texto dentro do texto tem alguns retoques de livro policial mas não consegue se consolidar além da preocupação de Bruno consigo mesmo e sua história.  Mesmo assim, ele se acredita enamorado.  Sim, Bruno Vieira ama.  Ama e se preocupa. Não com outros, ou com a noiva.  Não. Não se engane, sua paixão não é pela mulher de quem fala poeticamente, mas pelo homem refletido nos olhos dela quando esta o observa.  Tudo revolve em torno dele, seus sentimentos, seus medos.  Quando descobre a noiva pintando um novo quadro em que ele não figura,  se ressente: “Subitamente descubro que não me vejo na tela, e num primeiro instante tenho a sensação esquisita de que estamos em planos diferentes. Isso me angustia. Por pouco tempo, porém. Percebo que, mesmo em posição periférica, faço parte do cenário” [45]. Ou quando realiza que um brinde não era para ele: “O brinde que primeiro pensei dedicado à minha saúde, talvez ao meu regresso, logo percebi, pelos olhares todos, que tinha doutor Gustavo como alvo. Fiquei algum tempo sem demonstrar alegria alguma, abalado com o choque da passagem de homenageado a homenageante” [82].

Com presunção inigualável esse Narciso interiorano não consegue admitir o amor paternal do futuro sogro, pois sua preocupação é dominar todo o campo de atenções da noiva. “Ele sabia da filha muito mais do que eu. E isso lhe dava, pareceu-me, certos direitos de primazia. Era um tipo de poder que o pai tinha e eu não” [48]. [Poder? em que século estamos?] Asfixiante, ele pondera sobre a amada:  “De Angélica sei quase tudo: seu passo, uma dança com sua cadência, o modo como se move, conheço de ouvido. Sei o sol de sua cabeça, sei os raios que projeta” [27]. E sua necessidade de fazer da noiva sua possessão é opressiva: “Seus olhos que não se moveram ainda, recusam-me a entrada.  Em outras ocasiões já me senti assim excluído. Esta capacidade de Angélica de ter vida própria, um círculo em que não penetro, assombra-me” [54]. Que arrogância! Num mundo normal essas atitudes se mostrariam falsas logo, logo. Poderiam até alavancar o conflito na trama.   Mas aqui não importam, porque o personagem está consumido pela questão de si mesmo, auto-amante.  Basta-se.

 

menalton-braffMenalton Braff

 

Difícil dizer se os meus problemas com este romance são produto único do meu desprezo pelo personagem.  O uso da língua também é enervante. Aos meus ouvidos ela soa falsa e forçada. Inapropriada. A tentativa de poetizar as imagens principalmente nas descrições da namorada, são frequentemente perturbantes pois revelam um texto trabalhado demais. “As duas mãos em concha, Angélica protege as débeis chamas das velas, para em seguida, apagá-las com a carícia de seu hálito.” [105]  [Em que século estamos, mesmo? “as débeis chamas“, “carícia do hálito“?] Outras ocasiões em que a língua portuguesa parece não bastar ao autor forçam-nos a ler mais de uma vez: “Existem horas em que me chovo: o para-brisa embaçado, uma leve coriza, os pensamentos achatados por um céu baixo e feio” [39]. [“me chovo?” – que imagem feia e desnecessária!]; “Sua voz marrom estava pesada, numa concentração lenta e grossa” [55]. Além disso, a narrativa da auto obsessão faz com que o autor use verbos reflexivos onde não se faz necessário: “mergulho-me no balanço de seus cabelos soltos ” [93].

Braff explora quando pode a prosopopeia, figura de linguagem que atribui a objetos sentimentos ou ações humanas, e a usa com tanta frequência que se torna um vício criativo. “Aceito com alguma relutância a sombra que a casa me oferece…” [197]; “A poltrona me abraçou com abraço bege muito macio, mas possuinte, deixando-me sem muitos movimentos…” [39]; “A pasta havia ficado em cima da escrivaninha. Imóvel e quieta como um sono bom: inocente” [155]. A tentativa é poetizar o texto.  O resultado aos meus ouvidos é tenebroso. E a repetição de palavras muito próximas mostra que o cuidado com o texto foi deixado só para o poético. Escorei o cotovelo no balcão da portaria. Assim podia escorar a testa na mão para esperar….” [41]; “Digo uma asneira meio sem graça para que elas não fiquem sentindo pena. Não sei se estão rindo porque me acharam engraçado ou porque não deixam de sentir pena de mim” [189]; entre outras vezes… O grifo nesses casos é meu.

A conclusão é que esse livro não fez mais do que irritar. Não posso recomendá-lo. É pedante no seu desejo de obra literária de valor e arrogante com o leitor.  Pena.

 

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