Resenha: “Pequena Abelha”, de Chris Cleave

25 09 2016

 

 

oresegun-olumide-nigeria-1981-ostVestido de noiva perfeito

Oresegun Olumide (Nigéria, 1981)

óleo sobre tela

 

 

 

Deixe-me primeiro deixar claro que a narrativa de Pequena Abelha não me pareceu mágica, nem me encantou, nem me fez chorar e muito menos não me fez ficar mais sensível ao problema social, mundial, que retrata, como parece ter acontecido a muitos leitores. Em segundo lugar, não gosto de literatura com um fim político. Toda vez que uma autor tem  uma causa a retratar, a passar adiante, ele diminui o potencial de sua criatividade, por aceitar os parâmetros da mensagem. E ainda, em terceiro lugar, não gosto de narrativas contadas por uma voz infantil.  Acho de imediato que haverá exploração emocional, que como leitora, estarei logo logo apta a ouvir violinos na música de fundo, pois eles estão a postos, como num filme de Walt Disney,  para provocar o sentimentalismo.  Poucos são os autores cuja voz narrativa, de criança ou de adolescente, recebem os meus cumprimentos.  Lembro-me mais recentemente dos livros O Retorno de Dulce Maria Cardoso e de Vermelho Amargo de Bartolomeu Campos de Queirós que, sendo exceções, provam a regra.  Achei a voz da Pequena Abelha ingênua demais, para dezesseis anos, com todos os sinais de uma exploração sentimental, ao longo do caminho.

A história explora a saga dos refugiados de guerra. Tema eminentemente contemporâneo e corriqueiro.  No pano de fundo temos o retrato da indiferença do poder colonial inglês, que pode ser estendido a todos os poderes coloniais europeus ou orientais.  A história da pequena imigrante nigeriana, fugitiva de guerra, é entremeada com a história de um casal de jornalistas ingleses.  Suas histórias se intercalam, mesmo depois de se encontrarem.  Duas narrativas, duas realidades.  Um balanço de pontos de vista.   Essa parece ter sido a ideia original do autor, já que o título original da obra era On the other hand – (Por outro lado). Aqui no Brasil, convencionou-se usar Pequena Abelha, o mesmo nome dado à obra nos EUA onde o marketing estipulou o título para melhor exploração comercial. Ao personalizar o sofrimento generalizado de um povo, a história se torna mais próxima ao leitor.  Essa mudança, no entanto, tira a ênfase dos dois lados da história: do refugiado e de quem o recebe.  Neste caso, especificamente, uma situação muito mais complexa já que os antigos colonizadores são os que recebem, ou não, os refugiados de guerra de uma antiga colônia, onde muitos se consideravam cidadãos do poder colonial.

 

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Chris Cleave é um autor inglês e faz uma interessante comparação entre colonizados e colonizadores. Conflitos entre empresas de petróleo, no delta do rio Níger com grupos étnicos minoritários, se estendem desde a década de 1990. A partir de 2004 houve um aumento significativo da violência entre eles.  O casal de jornalistas ingleses é retratado com dois pontos de vista sobre o que acontece na ex-colônia.  Sarah sente-se culpada pelos anos de colonização e não perde a oportunidade de demonstrar sua culpa como colonizadora sacrificando-se na tentativa de salvar pelo menos parte do que restava de civilização.  Mesmo ao final, quando tudo parece estar se resolvendo, Sarah mostra sua culpa, ao dizer ao filho que é preciso proteger a Pequena Abelha “porque ainda não fizemos o suficiente para salvá-la.” (Nigéria?) Seu marido, Andrew, por outro lado, não compartilha da culpa social. A responsabilidade pelo estado das coisas na Nigéria é deles, dos nigerianos, afinal a Grã-Bretanha já está fora de lá há muito tempo. É uma guerra entre nigerianos. Ele se acha incapaz, ou se recusa a fazer o sacrifício que lhe é requerido.  Como um bom intelectual, no entanto, prepara um dossiê sobre o problema para futura publicação. Mas é assediado pelo fantasma da culpa que acaba por consumi-lo. Tampouco perdemos de vista a posição governamental britânica, representada por Lawrence amante de Sarah e funcionário do governo. Todos os aspectos de responsabilidade sobre o destino dos seres humanos aprisionados na máquina de guerra estão amplamente representados.

Ainda que a narrativa pareça bem organizada e distribuída, é necessário lembrar que as passagens dedicadas a Charles, filho de Andrew e Sarah, que com roupa de Batman, perambula pela narrativa, são extremamente cansativas e não adicionam nada de especial à trama. Apelam simplesmente para o nosso encantamento com uma criança de quatro anos.  Pouca ênfase também é dada a qualquer dilema ético de Sarah ou de Lawrence que levam o affair amoroso adiante, traindo marido e esposa respectivamente, sem nenhum questionamento ético. O caso amoroso entre eles é bidimensional, e está na trama simplesmente para poder produzir a perspectiva da burocracia inglesa sobre os refugiados.

 

chris-cleave-yx4i00531-199x300Chris Cleave

 

Como trabalho jornalístico esse é um bom romance.  Como obra literária deixa a desejar.  A narrativa, que lembra no suspense a obra cinematográfica de Alfred Hitchcock, parece óbvia demais para agradar ao gosto mais apurado. É um livro para as massas. Comercial. Explora o sentimentalismo. No entanto, se abre espaço para reflexões sobre a saga dos refugiados, para a crueldade da intolerância, serviu seu papel. Dou três de cinco estrelas.

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Domingo, um passeio no campo!

25 09 2016

 

 

aroldo-paivabrasil-1933ribeirao-dos-macacos-nova-lima-2005ostsm70-x-100-cmRibeirão dos Macacos, Nova Lima, 2005

Aroldo Paiva (Brasil, 1933)

óleo sobre tela colado em madeira, 70 x 100 cm