O azul está por todo lado, texto de Lloyd Jones

27 07 2013

Newman Shutze (Brasil, 1960)Superfície com azul e branco, Acrílico sobre tela140 x 110 cmSuperfície com azul e branco, s/d

Newman Shutze (Brasil, 1960)

Acrílica sobre tela, 140 x 110 cm

O azul está por todo lado

Lloyd Jones

“ Existe um lugar chamado Egito – ela disse. – Não sei nada sobre esse lugar. Gostaria de poder contar para vocês sobre o Egito. Perdoem-me por não saber mais. Porém, se quiserem, posso contar-lhes tudo o que sei sobre a cor azul.

Então nós ouvimos sobre a cor azul.

— Azul é a cor do Pacífico. É o ar que respiramos. Azul é o intervalo de ar entre todas as coisas, como as palmeiras e os telhados de zinco. Se não fosse pelo azul, não veríamos os morcegos. Obrigada, meu Deus, por nos ter dado a cor azul.

“É surpreendente como a cor azul está sempre aparecendo”, continuou a avó de Daniel. “É só olhar que você vê. Você pode encontrar o azul espiando pelas frestas do cais em Kieta. E vocês sabem o que ele está tentando fazer? Ele está tentando alcançar as vísceras fedorentas dos peixes para levá-los de volta para casa.  Se o azul fosse um animal, ou uma planta, ou uma ave, ele seria uma gaivota. Ele mete o seu bico em tudo.

“O azul tem poderes mágicos também”, ela disse. “Olhe para um recife e digam se estou mentindo. O azul bate num recife e qual é a cor que ele solta? É o branco!  Como ele faz isso?”

Olhamos para o Sr. Watts em busca de explicação, mas ele fingiu não notar nossos rostos indagadores. Estava sentado na ponta da cadeira, de braços cruzados. Cada pedaço dele parecia focado no que a avó do Daniel estava dizendo. Um a um, voltamos a nossa atenção para a velhinha com boca manchada de bétel.

— Uma última coisa crianças, e então deixo vocês em paz. O azul pertence ao céu e não pode ser roubado, razão pela qual os missionários grudaram azul nas janelas das primeiras igrejas que construíram aqui na ilha.

O Sr. Watts abriu bem os olhos daquele jeito que já tinha se tornado familiar, como se estivesse acordando. Foi até a avó de Daniel com a mão estendida. A velha estendeu a dela para ele   segurar e então ele se virou para turma.

— Hoje nós tivemos muita sorte. Muita sorte. Fomos lembrados que, apesar de não podermos conhecer o mundo todo, se formos suficientemente inteligentes, podemos torná-lo algo novo. Podemos inventá-lo com as coisas que vemos à nossa volta. Só precisamos olhar e tentar ser tão imaginativos quanto a avó de Daniel. – Ele pôs a mão no ombro da velha senhora. – Obrigado – ele disse. – Muito obrigado.

Em: O Sr. Pip, Lloyd Jones, trad. Léa Viveiros de Castro, Rio de Janeiro, Rocco:2007, pp. 68-69





Recém-nascido, poema de Stella Leonardos

27 07 2013

Aurélio D´Alincourt (1919-1990) carinho maternal, ose, 46 x 38Carinho Maternal,s/d

Aurélio d’Alincourt (Brasil, 1919-1990)

óleo sobre  madeira,  46 x 38 cm

Recém-nascido

Stella Leonardos

Penugem de ave pequena.

No corpo fruta macia.

Na pele fresca açucena.

Na vida raiar do dia.

Raio de luz, ilumina.

E sendo pássaro e planta

É inocência que germina,

É madrugada que canta.

Em: Pedaço de Madrugada, Stella Leonardos, Rio de Janeiro, Livraria São José:1956, p.11