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Leitora
Elaine G. Coffee ( EUA, 1941)
óleo sobre tela
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Hoje posto, uma pequeníssima passagem do livro Branca Bela de Geraldo França de Lima. Li esse livro na semana em que completei quatorze anos. E ele me marcou muito e para sempre. Adorei a personagem principal, que é uma jovem, com quem pude me identificar na época e compartilhei de seus questionamentos. Seu impacto foi tão grande que tive receio de reler esse volume, ainda que tenha lido quase toda a obra de Geraldo França de Lima. O receio era de que a magia que me influenciara, principalmente quanto ao papel feminino, pudesse ser desencantada durante uma segunda leitura. Mas isso não está acontecendo. À medida que leio Branca Bela, nessas férias de Natal e Ano Novo, tenho uma nova apreciação. Sinal de que o romance é mesmo muito bom e que a leitura de hoje, mais madura, ainda consegue tirar outros significados do texto. Fica aqui a recomendação:
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“Nem sempre são flores a livraria: há instantes em que o ambiente se torna empestado e tenho de meter-me dentro de mim mesma, para não ouvir o que, alto, de propósito, conversam. Explosões de sensualismo naqueles homens incapazes, que tentam afirmar-se pela palavra, pelos gestos… Embora eu me mantenha de cabeça baixa, sinto fixados em mim seus olhares insatisfeitos. O juiz é mestre, e se está na terra o coronel Anfilóquio, deliram… Às vezes fico arrepiada. E tais, os tipos que dirigem a sociedade, que falam em moral e que condenam!
Meu pai com suas manias cíclicas, com aquela irreverência, jamais proferiu uma palavra feia. Nem me lembro de o ter visto ser estar barbeado, camisa clarinha, de gravata, paletó abotoado, sapatos limpos e impecáveis os frisos da calça.
Falar mal dos outros é o assunto da livraria. O que dizem! Excetuados os negócios serão incapazes de uma palavra séria.
Acompanha-me, de Seu Artur, sacristão e pai de Nora, a impressão da infância: jeitos e trejeitos do demônio, língua impiedosa, o primeiro comentário sobre Luisita Veras veio dele.
Seu Antero é fantasma, fugindo à luz e ao sol, esqueleto em movimento: olhos morbidamente apagados, encravados nas órbitas.
Dr. Orestes é o menos mal-educado: desagradáveis as risadas regozijando-se com a desdita alheia. Por entre o intervalo de cada gargalhada, sentencia doutrinariamente:
— Mundo perdido! A licenciosidade, a promiscuidade!
— A causa é a mulher. Lugar dela é trancada em casa. Mas vive solta, tentando os homens – acrescenta Seu Artur porejando despeito.
— E você está certo, Artur, — concorda Seu Antero – a mulher é o mal. Ainda ontem vi uma, na rua, sem meia! Que se pode esperar de uma mulher sem meia!
Fervo e protesto por dentro: reduzir o conceito de mulher a um par de meias! Moral terá sexo?
Por que existem uma moral masculina e outra feminina?
Infelizmente a mulher permanece propriedade e sua conduta depende das concessões ou do tacanhismo do senhor”.
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Em: Branca Bela, Geraldo França de Lima, Rio de Janeiro, São José: 1974, 2ª edição, p.49





