Romance das matas no Rio de Janeiro, poema de Celina Ferreira

11 07 2012

Morro do Borel, Rio de Janeiro, 1971

Armando Vianna ( Brasil, 1897-1992)

óleo sobre tela, 81 x 65 cm

Romance das matas no Rio de Janeiro

Celina Ferreira

Navios vão-se atracando,

chegam noturnos mineiros,

andarilhos vêm andando

e em cavalos, cavaleiros

trocando o sul e os cavalos,

as colheitas e o dinheiro

por uma braça de um rio

de inexistente janeiro.

As casas vertiniginosas

na floresta de cimento

sobem doidas, caprichosas,

arranhando o firmamento.

As ruas crescem, comprimem

o corpo azul do gigante

que se levanta irrascível,

touro raivoso e espumante.

Medrosos troncos se abraçam

na floresta verdadeira.

Cipós covardes se enlaçam

pelo corpo das palmeiras.

Tudo debalde. O homem lança

um olhar de certeira flecha,

dardo de fogo que alcança

o coração da floresta.

Ai soluço ressequido,

pranto escuro de carvão!

Ai fundo e negro suspiro

que se eleva na amplidão!

Línguas de um fogo faminto

estralam gula e paixão.

Ai! Das matas sobe um grito,

descem lavas de um vulcão.

Os homens plantam sementes

de fogo e míseras casas,

crivam duros alfinetes

na renda verde das matas.

Nas grimpas nuas, as chagas,

ontem, rubras de clarão,

hoje são tendas plantadas

entre reboco e carvão.

E a miséria fecundada

no gineceu das taperas

rebenta nas densas matas

uma estranha primavera.

Em: Poesia Cúmplice, Celina Ferreira, Rio de Janeiro, Livraria São José Ed.: 1959

Celina Ferreira — nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1928. Jornalista, dedicou-se também à literatura infantil.

Obras:

A princesa Flor-de-Lótus , 1958

Papagaio gaio: poeminhas, 1998

Obra poética:

Poesia de ninguém, 1954

Poesia cúmplice, 1959

Hoje poemas, 1967

Espelho convexo, 1973


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