Pobreza de espírito e de informações nas nossas capas de livros!

26 05 2010

O campo de Santana no Rio de Janeiro, 1818

Franz Joseph Frühbeck (Áustria 1795 — data de morte incerta, depois de 1830)

Gravura aquarelada

Há algum tempo quero escrever sobre as capas de livros publicados no Brasil.  Em primeiro lugar, gostaria de saber, porque é difícil encontrarmos o crédito [o nome do artista gráfico que fez a capa de um livro] das capas de livros por estas bandas?  Aliás, esta falta de informação não é de hoje: mesmo livros dos anos 40, 50, 60 do século passado que encontramos em sebos e que eram habitualmente ilustrados, muitas vezes  não têm a menção do autor (ou autores) das ilustrações.  Uma falta na ficha bibliográfica da obra.   Uma vergonha para a história da ilustração no Brasil, uma vergonha para editores que se diziam sérios.  Porque mesmo que as ilustrações usadas fossem compradas lá fora, deveríamos ter tido o direito, o acesso à informação de pelo menos os nomes dos ilustradores.

O livro ponto zero desta postagem foi lido em 2008, o charmoso Era no tempo do rei, de Ruy Castro, Alfaguara:2007, sucesso de vendas e, hoje, sucesso de dramaturgia depois de ter sido adaptado para o teatro.   Este foi um dos livros que o meu grupo de leitura mensal trouxe para discussão em março de 2008.  Entre as muitas observações que fizemos – que nos levaram de volta a deliciosos aspectos do Rio de Janeiro de 200 anos atrás — houve também a reclamação, entre nós, da falta de relação entre a capa e seu conteúdo.  Desde então tenho prestado mais atenção às capas dos livros que leio. 

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Era no tempo do rei se passa no Rio de Janeiro, logo depois da chegada da família real ao Brasil.  Num artigo do jornal O Globo, de 17 de novembro de 2007, Suzana Velasco lembra que  “ A primeira imagem que Ruy Castro pensou para o romance Era no tempo do rei foi a dos meninos Pedro e Leonardo fugindo pelos Arcos da Carioca”.  Como a jornalista sublinha a ambientação desse romance é no Rio de Janeiro colonial.  E aí olhamos para capa do livro e o que vemos?  Será que vemos uma paisagem do Rio de Janeiro colonial, dentre as tantas a que temos acesso através dos pintores viajantes de diferentes países?  Não.  Será que temos um desenho moderno de uma representação do Rio de Janeiro com os arcos monumentais dominando a paisagem de então?  Não.  Será que teríamos uma ilustração de dois meninos perambulando pelas ruas de um Rio de Janeiro colonial, feita por algum ilustrador nosso, de hoje?  Não

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O ferrolho, 1778

Jean Honoré Fragonard ( França, 1732 – 1822)

Óleo sobre tela, 73 x 93 cm

Museu do Louvre, Paris

O que temos em mãos é um quadro francês, do século XVIII, pintura de gênero, de uma suposta aventura amorosa, picante.   Nem preciso dizer que a Alfaguara,  selo da Editora Objetiva, do Grupo Santillana, não se deu ao trabalho de identificar para o leitor curioso – como a maioria das editoras estrangeiras o fazem no verso da página de rosto —  que a capa do livro era um detalhe de uma obra de Fragonard que se encontra no Louvre.   Ironicamente no portal da Editora Objetiva encontramos o seguinte texto:  A Objetiva se consolidou ao longo dos anos 90, como uma das editoras de referência no segmento de livros de interesse geral. Publica escritores de qualidade, como Luis Fernando Verissimo, Tony Judt, Arnaldo Jabor e Harold Bloom, entre tantos outros, assim como o Dicionário Houaiss, o mais completo da língua portuguesa. Atua em vários segmentos e especialmente em história, biografia, política, comportamento, humor, reportagem, ensaio e referência.  Referência?   Onde estava a referência ao quadro em questão?

Este assunto rodopiou na minha cabeça por muito tempo: tenho muitas perguntas que não cessam sobre a falta do costume de informações corretas no Brasil e, até certo ponto, a falta de cuidado com o livro, com o leitor, com a curiosidade alheia, o que é certamente o papel de uma editora.  Mas há três semanas, por outros motivos, me encontrei com o livro Don Juan acorrentado, da escritora carioca Wanda Fabian, publicado oito anos antes de Era no tempo do rei, pela Editora Lacerda:1999, leia-se Nova Aguilar, que é parte da Nova Fronteira.   E pasmem: tem a mesma capa de Era no tempo do rei.  O mesmo detalhe, o mesmo corte de imagem!

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Agora a pergunta que não cala:  só este quadro de Fragonard tem permissão de ser usado por editoras brasileiras para livros de ficção histórica?  É claro que não.  Por que então este favoritismo?  Eu poderia assumir que é pura preguiça, acomodação, falta de respeito ao leitor, falta de conhecimento do mercado editorial…  Mas, lá atrás, no fundo das minhas desconfianças, há uma voz gritando:  tem a ver com direitos autorais.  Tem a ver com imagem em domínio público.  Mas será que O ferrolho, de Fragonard, é o único quadro conhecido pelos editores?  Será que é a única imagem em domínio público?  Talvez tenha a ver com a divisão de marketing dessas editoras?  Será que ambas as editoras contrataram a mesma companhia de marketing?  Ou foi o  mesmo estagiário?  A pessoa de uma só obra de arte?  Como se justifica isso?  Quem pode me responder?


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Information

5 responses

26 05 2010
Avatar de Letícia Alves Letícia Alves

Ladyce,
E vai além!
Falta de profissionais da área, como historiadores da arte e bibliotecários.
Infelizmente não se preocupam com isso no Brasil.
A falta dessas informações também compromete nosso trabalho na biblioteca no momento de catalogar a obra para acesso ao usuário.
Lamentável, mas ótima reflexão!
Beijos,
Letícia

26 05 2010
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Pois é, Letícia, temos que colocar a boca no mundo para esses absurdos! Só um exemplo para você: acabei de ler o livro Earthly Joys da escritora inglesa Philippa Gregory, Harper: 1999. O meu volume que é de bolso foi impresso na Inglaterra. A capa parece uma foto contemporânea de uma mulher vestida à moda do século XVII ( época do romance), num dos muitos jardins ingleses (o romance tem como personagem principal um jardineiro). Mas informações sobre a capa localizadas na capa de trás, logo acima do código de barras, informam que é de fato uma ilustração de Paul Young ( paisagem) e a mulher ilustração de Jeff Cottenden. E ainda: logo depois da página de rosto e antes do texto, há a reprodução de um desenho de um jardim para uma das casas mencionadas no texto. E olhe só, sua identificação é a primeira coisa que lemos no verso da página de rosto: “Garden plan of Hatfield House reproduced by courtesy of the Public Record Office.” Assim, sem grande alarde, o leitor fica sabendo o que está vendo… o leitor é educado e a agência do governo que mantém este documento é reconhecida pelo seu trabalho. Todos ficam felizes… Que diferença das nossas editoras… E não adianta elas gritarem que há poucos leitores, patati, patatá. A responsabilidade das características de registro do que aparece nos livros é das editoras e de ninguém mais.
Obrigada pela leitura. Beijinhos, Ladyce

20 02 2014
Avatar de musicaefantasia musicaefantasia

Mestra, excelente trabalho de investigação: apenas especialistas do seu nível conseguem identificar um quadro a partir de um fragmento dele.

Com certeza concordamos com sua opinião a respeito das capas atuais. Hoje, nos tempos da Internet, pouca gente se preocupa com autoria ou contexto. Tudo é questão apenas de baixar uma imagem da Internet e “dar um tapa” nela pelo Photoshop.

Contudo, outra opinião temos de capas antigas. Pelo menos em editoras de elite, tipo a José Olympio, eram contratados artistas como (Tomás) Santa Rosa. E eles eram destacados, falava-se deles em anúncios (blurbs ?) dos próprios livros.

Um colega de WordPress comenta sobre isso em

BN exibe acervo sobre os 80 anos da Livraria José Olympio

20 04 2014
Avatar de COPACABANA EM FOCO COPACABANA EM FOCO

Peregrina cultural, entendo o seu dissabor com relação da falta de seriedade das editoras brasileiras com as ilustrações, principalmente, as antigas. Acho que é preguiça ou a falta de respeito com o leitor. Nada custa aos profissionais da área de fazer uma pesquisa de campo mais apurada, a internet é um bom canal, para saber a autoria e de todas as informações inerentes a imagem. Pode ser até desgastante, mas é necessária. Estou com você.

21 04 2014
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Obrigada. É um desrespeito com o leitor e com o artista plástico. É um comportamento irresponsável. Pena. Perdemos todos,inclusive a editora que perde a credibilidade. Bom saber que há pessoas como você que se importam com o assunto. Um grande abraço,

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