
Ilustração: Cartão postal [Alemanha], 1929.
Quem julga ser importante
nem sempre importância tem;
e além de deselegante,
é presunçoso também.
(Lucina Long)

Ilustração: Cartão postal [Alemanha], 1929.
Quem julga ser importante
nem sempre importância tem;
e além de deselegante,
é presunçoso também.
(Lucina Long)
Mapa do estado de Minas Gerais.
A postagem de anteontem, 1949: a natureza em MG, Francisco de Barros Júnior, lembrou-me do artigo escrito por José Veríssimo para a Revista Kósmos em 1907, que descreve justamente a mineração em Minas Gerais. Colocarei abaixo o artigo para que todos possam lê-lo:
QUATRO DIAS EM MINAS GERAIS
Não sei se apropriadamente se pode chamar de minas — aberturas subterrâneas, feitas para se tirarem minerais, segundo definem os dicionaristas – às colinas de manganês chamadas Morro da Mina, cuja exploração se faz toda a céu aberto cavando a montanha ou deslocando os blocos de minério que a constituem toda a golpes de enxada ou picareta, como aqui no rio vemos fazer aos cavouqueiros tirando terra ou barro dos nossos morros. E é esta a sua singularidade e preciosidade, que nela a escavação não custa o menor esforço de escavação ou sequer de abertura de galerias, ainda superficiais, nem mesmo da simples rebusca de um veio a descobrir ou explorar. Todo o morro é mina ou antes mineral; para o aproveitar basta escavá-lo com instrumentos simples e rudimentares, que todo homem sabe manejar, a enxada, o alveão, a picareta da base ao cimo, faldas a cima, desagregando com extrema facilidade os torrões vermelho escuro com laivos negros que os compõem. O Morro da Mina, que é certamente uma das curiosidades de Minas, está situado a 5 kilometros a leste de
Fotografia do Morro da Mina, Revista Kosmos, 1907. Sem atribuição de fotográfo.
Queluz de Minas, a 12 horas pouco mais ou menos do Rio pela Estrada de Ferro Central do Brasil, a qual se liga por um ramal de 7 kilometros. O ponto culminante do Morro da Mina está a 1114 metros de altitude, tendo a linha férrea de contorno da jazida a altitude média de 1050 metros.
A exploração como disse a cima é toda a céu aberto, e as cabeceiras de ataque estão em uma série de degraus formando outros tantos andares, cuja extensão total é de pouco mais de um quilômetro. Cada um desses andares é servido por linhas Decauville para vagonetes, exceto o primeiro que o é diretamente pelos carros da Central. Para os andares superiores, em cada cabeceira de trabalho, os vagonetes recebem o minério extraído, o levam a grandes calhas — para depósito, por onde o minério corre diretamente para dentro dos carros da Central que os trazem ao porto de embarque.
É interessante esse modo de carregamento que permite encher cada vagão com cerca de 40.000 quilos em 6 ou 8 minutos no máximo. O serviço está organizado de modo a serem diariamente assim carregadas 1.000 toneladas.
O embaraço único para pleno desenvolvimento dessa incomparável exploração mineira está na dificuldade que até aqui tem encontrado de meios d transporte, pois são ainda insuficientes os que lhe oferece a Estrada de Ferro Central. Acredita porem o diretor engenheiro desta exploração, Dr. Joaquim de Almeida Lustosa, de quem são estas informações, que a atual inteligente e segura orientação e direção daquela Estrada promete para breve um grande aumento na sua capacidade de transporte.
O pessoal efetivo na mina é de cerca de 150 trabalhadores, nacionais e italianos. O minério em todos os carregamentos acusa a média de 50% de manganês metálico.
Galeria de passagem para vagonetes no Morro da Mina, Revista Kosmos, 1907, fotografia sem atribuição de autor.
A jazida está avaliada em cinco milhões de toneladas disponíveis para os primeiros cem metros verticais, a contar de cima para baixo; ficando ainda outros cem metros acima do talvegue do vale, constituindo uma reserva provável de outros tantos milhões de toneladas.
Em suma, uma imensa riqueza à flor da terra, cujo aproveitamento por esta singular e felicíssima circunstancia quase não dá trabalho e despesa, se o compararmos com o de outros minérios. E apenas começado a explorar em Minas Gerais o manganês há uma dúzia de anos, em 1894, a sua exportação nos dez primeiros atingiu a 190.591.465 quilogramas.
No outro dia amanhecemos em Cordisburgo, nome meio latino, meio germânico desagradavelmente destoante da costumada anomástica geográfica indígena.
De Cordisburgo à Gruta de Maquine a distância é mais ou menos a mesma que de Honório Bicalho a Morro Velho, uma hora ou um quarto a cavalo, por um terreno mais ondulado do que realmente acidentado, de cujas medianas alturas se descortina por vezes um infindo e belo horizonte, todo rodeado de montanhas que a enorme distância faz azuis.
A gruta de Maquiné, já descrita por Lund e outros, é realmente uma maravilha. A larga entrada toda de rocha viva, rodeada e coroada de vegetação circundante, lembra um desses grosseiros e robustos pórticos das grandiosas construções pelasgicas, reveladas por Schieliemann. Passada ela, está-se numa vasta sala, que é de si mesmo pela amplidão e aspecto estranho uma maravilha. Uma abertura no fundo, à direita leva à outra sala já escura, onde seria impossível andar sem luz. Começam a aparecer as estalactites e estalagmites de quartzo, de formas variadas e estranhas, que se repetem em todas as outras salas ou salões, fingindo animais, cadeiras, caras humanas, púlpitos, candelabros, segundo os afeiçoava a imaginação dos visitantes. Mas tudo estranho, maravilhoso, como vistas de um mundo irreal. As numerosas luzes que levávamos e as vozes que refletindo-se e repercutindo naquelas abóbadas altas e sonoras produziam um singular efeito. Nalguns trechos os cristais de quartzo tocados pela luz brilhavam como miríades de diamantes. A impressão era de assombro.
A gruta é imensa percorrendo-a rapidamente levamos umas duas boas horas, e creio que três mil homens não ficariam muito apertados nela.
Daí o trecho da viagem mais interessante é a travessia da Mantiqueira, uma lindíssima região a lapestre por mais de mil metros acima do nível do mar Em alguns pontos o descortino de vastas extensões montanhosas abaixo de nós é realmente magnífico, e a construção desta linha férrea parte da Central do Brasil, recomenda justamente os engenheiros que a realizam. Aliás, toda a linha férrea por nós percorrida em mais de 1.500 quilômetros é um documento da sua capacidade, como da boa administração dessa nossa grande via férrea. Não se pode bastante louvar a excelente conservação de toda ela, a regularidade dos seus serviços, o asseio de suas estações, a disciplina do seu pessoal. Pena é que a sua extrema direção curvilínea se assim posso chamar a sua extraordinária abundância em curvas, determinada pela natureza do terreno por onde correm seus trilhos, lhe não permitam senão excepcionalmente e intermitentemente as grandes velocidades de certas ferrovias estrangeiras.
Carregamento de minério. Revista Kosmos, 1907, fotografia sem atribuição de autor.
A tarde do terceiro dia chegamos a Belo Horizonte, entre o espocar de bombas e os vivas de uma grande multidão aglomerada na estação. Vista de longe, ao chegar, Belo Horizonte apresenta o aspecto de uma grande cidade. Dela já tive ocasião de escrever.
“Monumento da vontade e do esforço de uma geração a quem ela só basta para recomendar à nossa estima, Belo Horizonte pela sua posição felicissimamente escolhida e belíssima, justificando cabalmente o seu nome, apresenta-se já, não obstante a sua minguada população (os cálculos mais generosos não lhe dão mais de 25 mil habitantes) com o aspecto de uma grande e formosa cidade. Nada, com efeito, a não ser população, elemento aliás principal, lhe falta para isso: num sítio lindíssimo, e que lhe avantaja magnificamente as proporções atuais, foi traçada a cidade, segundo os preceitos mais modernos e mais bem recomendados em tais criações, serviços municipais exemplares, arruamentos magníficos, excelentemente arborizados, construções custosas e caprichosas, edificação pública suntuária, jardins, parques, iluminação elétrica, viação urbana ótima. E tudo isso foi feito apenas em dez anos ou ainda em menos, por um povo que se não presumia quisesse competir com o Yankee em atividade febril.”
De Belo Horizonte, entretanto, vimos muito pouco. O Dr. João Pinheiro, presidente do Estado, tinha a peito mostrar a seus hóspedes de um dia, principalmente ao mais ilustre deles, um dos aspectos da sua esclarecida administração, a sua preocupação direta e singular dos problemas econômicos em cuja solução ele crê o estado imediata e grandemente interessado. Para isso íamos de antemão convidados à colônia do Barreiro e ao campo de experiência agrícola de Gameleira. Eram uns quarenta quilômetros ida e volta que tínhamos de fazer, a cavalo ou de carro, conforma as preferências de cada um e que fizemos.
O primeiro daqueles lugares é o de uma velha fazenda abandonada por imprestável, tanto eram suas terras julgadas “cansadas” segundo a expressão local.
O empreendimento do Dr. João Pinheiro, e que não é só uma empresa oficial de funcionamento burocrático mas que ele acompanha de perto com amor de autor cioso do bom resultado da sua obra e interesse de um administrador zelosíssimo do seu bom renome e do sucesso de seus projetos governativos, aponta a mais de um fim. Primeiro promover de uma maneira inteligente e eficaz a imigração para Minas Gerais mediante a criação de muitos núcleos coloniais dos quais o de Barreiro é um, onde se deparam ao colono condições de êxito tais que o tentamen não possa absolutamente malograr. Este sucesso conseguido, e tudo faz crer que o seja, estará lançada a semente fecunda da colonização mineira, isto é, criado o movimento inicial da corrente de imigração de que o estado precisa para o aproveitamento de suas indizíveis riquezas. Segundo, mostrar praticamente ao mesmo indígena desanimado da lavoura pelo cansaço da terra, que em face dos modernos processos agrícolas não há terras cansadas e imprestáveis, e que numa velha fazenda abandonada se pode ainda fazer florescentes lavouras. Esta segunda parte do seu projeto já o Dr. João Pinheiro a realizou ou está em via de realizar plenamente. Vimos os campos da bela fazenda admiravelmente lavrados pelo arado e outros instrumentos aratórios, cientificamente adubados, com magníficas plantações de arroz, batatas inglesas e cebolas, que pelos cálculos feitos em nossa presença, e que nos pareceram de exatidão rigorosa, devem pagar sobejamente o trabalho da cultura. Não há dúvida que essas fazendas velhas que os nossos agricultores têm abandonado à invasão do mato ou vendido a vilíssimo preço podem ainda ser campo de uma considerável e proveitosa atividade agrícola. E provando-o experimentalmente o Dr. João Pinheiro não só uma utilíssima lição de coisas ao seu estado mas ao Brasil todo, especialmente aos que no outrora riquíssimo vale do Paraíba abandonaram fazendas e terras, com aquele pretexto de cansadas.
Parte central da jazida, mostrando os três planos de ataque. Revista Kosmos, 1907, fotografia sem atribuição de autor.
A primeira parte do seu programa conta o Dr. João Pinheiro resolveu-a dando a cada imigrante com família, com casa para habitar, e boa casa, um lote com 5 hectares dos quais dois já plantados, e o resto já arroteado, e mais os instrumentos e apetrechos necessários à sua vida agrícola. O colono não será desanimado pela necessidade de tudo fazer por si e terá, um prazo razoável, três anos, creio, para pagar a despesa com ele feita. O produto que de sua lavoura colher, ou venderá livremente a quem lhe parecer, ou o entregará ao Estado pelos preços do mercado.
Tal é, nas suas linhas bem gerais, o sistema do Dr. João Pinheiro. Eu o vi discuti-lo um dia inteiro com o Sr. Guilherme Ferrero e com Mme Ferrero, ambos muito versados em questões econômicas e ambos com idéias sociais e econômicas contrárias a do estadista mineiro, cujo talvez exagerado protecionismo (pois ele funda o sucesso do seu sistema numa tarifa protecionista que eleve até a proibição o imposto de entrada dos gêneros que as suas colônias devam produzir) ambos combateram com razões que a mim, anti-protecionista como eles, me pareceram fortes.
O Dr. João Pinheiro, ao contrário da maioria dos nossos improvisados estadistas, é um homem de estudo e experiência, do livro e do campo, de pensamento e de atividade prática. É proprietário de uma grande fábrica de cerâmica e fazendeiro, e sempre se ocupou principalmente desta feição de sua atividade. Este homem prático, porém, e é isto que a meus olhos o distingue e enobrece, é também um ideólogo, no bom sentido da palavra. Um estadista sem idéias, ou sem a capacidade de as apreciar e compreender, é apenas um burocrata ou um politicante vulgar. Mas na ideologia do Sr. João Pinheiro, há uma força, que é a convicção e o entusiasmo necessário, indispensáveis à realização dos planos como o seu. O perigo que eu neste vejo é o de todos os grandes planos governativos, do mesmo gênero, que se enriquecem e engrandecem o Estado, prejudicam e empobrecem o indivíduo.
Era na essência o motivo da oposição de Ferrero e sua senhora, que antepõem, e eu estou com eles, o bem do indivíduo ao do Estado. A eles parecia que os sacrifícios que ia fazer o Estado em bem de seu povoamento e do progresso da sua estacionária e rotineira lavoura, teriam ao cabo de pesar sobre o contribuinte, que desde já viam ameaçados de novos impostos para os pagar.
Segundo plano de ataque da mina. Revista Kosmos, 1907, fotografia sem atribuição de autor.
Respondia-lhes convencido e seguro de si o Sr. João Pinheiro que esses sacrifícios eram apenas aparentes e momentâneos, pois de fato o mesmo colono reembolsava o estado do que lhe houvesse custado, e o argumento da riqueza pública, que o povoamento e o desenvolvimento da lavoura forçosamente determinariam, garantiria o bem-estar das populações.
Em teoria parece-me ter toda a razão o Presidente de Minas, mas eu não sei se da experiência de todos os povos, e nossa mesma, não resulta a verificação de que o enriquecimento e prosperidade do Estado nem sempre corresponde, antes nunca corresponde, o bem-estar do indivíduo cada vez mais sacrificado a ele. Para alterar a ordem destes valores, requerer-se-iam estadistas inspirados de um espírito novo, como quero crer seja o Dr. João Pinheiro, capazes de se emanciparem da superstição, do fetichismo do estado, Moloch moderno a quem é sacrificado inconsiderada e levianamente o individuo, a pretexto de uma grandeza e prosperidade daquele que rari ssimamente aproveita a este.
De Barreiro, a fazenda velha transformada em futurosa colônia agrícola, fomos a Gameleira que é há um tempo um campo de experiências da nova agricultura e uma escola prática de trabalhos rurais. Não só se fazem ali com saber e método tais experiências, das quais já vimos explêndidos resultados, como pode ali o agricultor conhecer, ver funcionar e aprender a manejar os mais variados e eficazes instrumentos de lavoura, de toda a espécie e utilidade.
Quem, como nós, acabava de atravessar quilômetros e quilômetros, horas e horas, de caminho de ferro, sem quase ver gente, e apenas alguma rara e escassa lavoura, não podia deixar de dar razão ao atual chefe deste grande e riquíssimo Estado de Minas no seu propósito de promover oficialmente o povoamento do seu solo, pois apesar dos seus 3 milhões de habitantes, a maior população de um estado do Brasil, a impressão que dá Minas a quem o percorre em 3 ou 4 dias de caminho de ferro não está longe da de um deserto.
José Veríssimo
Em: Revista Kósmos, Novembro de 1907, Ano IV, Número 11.
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José Veríssimo
José Veríssimo Dias de Matos (Óbidos, PA, 1857 — Rio de Janeiro, RJ, 1916) foi um escritor, crítico, educador, jornalista, sociólogo, sócio do IHGB, sócio-fundador da ABL, diretor da Revista Brasileira, professor, diretor do Colégio Pedro II. Como escritor, a sua obra é das mais notáveis, destacando-se os vários estudos sociológicos, históricos e econômicos sobre a Amazônia e as suas séries de história e crítica literárias. Na Introdução à sua História da literatura brasileira tem-se uma primeira revelação de todas as vicissitudes por que havia de passar uma literatura que se nutriu por muito tempo da tradição, do espírito e de fórmulas de outras literaturas, principalmente do que lhe vinha de Portugal e da França. Usou também os pseudônimos: Cândido e José Verega.
Obras:
Primeiras páginas, 1878
Emílio Litré, 1881
Carlos Gomes, 1882
Cenas da vida amazônica, ensaio social, 1886
Questão de limites, história, 1889
Estudos brasileiros, 2 séries, 1889-1904
Educação nacional, educação, 1890
A religião dos tupis-guaranis, 1891
A Amazônia, 1892
Domingos Soares Ferreira Penna, 1895
A pesca na Amazônia, história, 1895
Ginásio nacional, 1896
O século XIX, 1899
Pará e Amazonas, 1899
Estudos de literatura, 6 séries, 1901-1907
A instrução pública e a imprensa, educação, 1901
Homens e coisas estrangeiras, 3 séries, 1902-1908
Que é literatura e outros escritos, 1907
Interesses da Amazônia, 1915
História da literatura brasileira, 1916
Letras e literatos (póstuma), 1936
Em domínio Público e pronta para leitura na internet: História da literatura brasileira