
Um bom romance histórico sempre me fascinou, principalmente quando o autor, como o uruguaio Diego Bracco, é um professor de história e tem o cuidado de colocar as fontes, ou a documentação em capítulo à parte como é o caso no livro Maria de Sanabria [ Rio de Janeiro, Record: 2008]. A vantagem destes romances quando são escritos por um historiador é que temos a impressão de aprender mais do que se estivéssemos sentados numa sala de aula atentos às explicações dos cuidados necessários, por exemplo, com a organização de uma expedição à América do Sul no século XVI.
E é esta exatamente a história fascinante que nos leva a conhecer bem mais de perto Maria de Sanabria, a organizadora da chamada expedição das mulheres que atravessou o Atlântico em 1550. Seis anos são necessários para que o grupo expedicionário tendo chegado a Santa Catarina, depois de uma estadia muito difícil na costa do Brasil, que durou dois anos, procure, mais ao norte, a proteção dos portugueses na província de São Paulo e finalmente chegue a Assunção, no Paraguai, um vilarejo ainda diminuto em 1556. Lá, Maria de Sanabria se estabelece para ficar. Seu filho do primeiro casamento tornou-se um monge franciscano e mais tarde um “dos grandes protagonistas da vida religiosa e intelectual no Rio da Prata.” Enquanto que seu filho do segundo casamento, Hernandarias foi três vezes governador e grande protagonista civil e militar no Rio da Prata, uma figura de grande importância na história do Paraguai, da Argentina e do Uruguai.

A vantagem deste romance é que podemos adentrar a vida diária, o desenrolar das tarefas comuns da época e entender as razões e as necessidades destas pessoas, melhor ainda do que se estivéssemos lendo uma tese de mestrado, descrevendo detalhes do dia a dia das limitações e dos compromissos que estavam implícitos numa família burguesa e também o que era ou não prescrito para uma mulher em Sevilha, neste período.
É de grande virtude o fato deste historiador ser um ótimo contador de histórias. Na verdade, Diego Bracco já foi honrado com o Prêmio de Narrativa da Universidade de Sevilha e com o Prêmio Revelação da Feira do Livro do Uruguai com o seu romance anterior: El mejor de los mundos. Digo isto, porque apesar de detalhes interessantíssimos, a narrativa corre suavemente, cheia de aventura e imprevistos, cheia de ação e simpatia para com Maria de Sanabria, de tal forma que as 270 páginas deste livro são lidas rapidamente, como num bom livro de aventuras.

Escritor e historiador Diego Bracco.
Há no entanto grande cuidado com a verdade histórica. A descrição por exemplo dos preparativos da saída de Sevilha podem nos dar um gostinho desta preciosa maneira de contar a história:
Na última terça-feira de janeiro de 1550, a catedral de Sevilha recebeu com pompa e circunstância os que se preparavam para participar da expedição. Depois da primeira missa da manhã, todos foram em procissão até o cais, levando uma imagem abençoada de Nossa Senhora das Mercês. Os poucos que deviam conduzir a nau rio abaixo e os muitos que se juntariam a eles em Sanlúcar de Barrameda despediram-se como quem deixa uma festa e promete se encontrar na seguinte. Pouco tempo, poucas e precisas manobras e uma única vela foram suficientes para que a embarcação desse início à viagem. Uma multidão de curiosos fez seu rumor pairar sobre o navio que começava a se afastar em direção à desembocadura do rio. Atrás da esteira d’ água, como se quisessem alcançar os que se distanciavam, ouviam-se risadas prognosticando infernos e também bênçãos lançadas como beijos no ar; prantos de mães pressentindo o pior e aclamações aos heróis que voltariam distribuindo ouro. [p. 150].

Mas além de este ser um ótimo romance, além de ser rico em detalhes de época, um outro aspecto que o faz sensacional é justamente o resgate da história desta corajosa mulher, que se rodeou de outras mulheres para ganhar um espaço na história, para fazer, sua, a aventura do século. Gosto de ver que as gerações de hoje e de amanhã, diferentemente da minha, têm e terão exemplos de mulheres corajosas e aventureiras que existiram de verdade. Mulheres cujos retratos podem servir de exemplo de vida para todas as meninas e jovens que ainda hoje vêem seus sonhos de aventura desconsiderados, minados, cerceados por costumes, pela família, por limitações que não lhes pertencem. Leiam o livro, vale a pena!





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