Acabo de ler A Casa de Papel do escritor argentino Carlos Maria Dominguez. Lê-se numa tarde, com tempo suficiente para degustar o texto e para reler as partes mais interessantes. É um livro pequeno, quase um conto prolongado. Uma novela, no sentido mais tradicional da palavra, são 98 páginas. E, no entanto, é uma delícia entrar no mundo mágico de Dominguez e nos encontrarmos nesta sala de espelhos que ele criou tão cuidadosamente.
O livro mostra o comportamento de colecionadores de livros ou mesmo de colecionadores em geral. Porque suas atitudes, não importa o que colecionem, (quer sejam caixinhas de fósforo, porcelana japonesa ou livros), suas paixões, suas manias e estranhezas, são todas as mesmas. Carlos Maria Dominguez nos faz pensar nos excessos, no comportamento extremo. Seu livro questiona onde fica aquela linha divisória, invisível, que marca a diferença entre o comportamento do louco e a maneira de ser de quem é considerado normal. Seu foco são livros. Ele explora as conseqüências da paixão por livros como objetos e guardiões de idéias. Mostra também as armadilhas, os perigos, de comprar, armazenar e colecionar livros. Onde e quando parar? Quem determina o limite? Que limite? E com destreza ele faz a pergunta que é o pesadelo de qualquer amante de livros: qual deles guardar, como guardar, onde e por quanto tempo? Depois de algum tempo o que se deve fazer com os livros que você sabe que não irá mais ler?
Na verdade, A Casa de Papel é uma grande reflexão na arte de ler, de estudar e na arte de se colecionar livros e idéias. O texto está repleto de alusões literárias. Diversos escritores e suas curiosas vidas são mencionados. A referência mais central ou talvez eu deva dizer a referência mais entremeada no texto, a que mostra maior afinidade com o livro, é a história do escritor Joseph Conrad, publicada em 1917, que leva o título de Linha de Sombra. Nesta história um marinheiro que quer deixar a vida no mar é seduzido a fazer uma última viagem na qual ele será o capitão do navio. Ele aceita. A viagem se transforma num pesadelo e os homens no navio ficam desesperados e à beira da loucura. Será que colecionar pode levar a um tipo de loucura? Onde está a linha que separa o são, do doente quando o assunto é colecionar?
É impossível ler-se esta jóia de uma só vez sem perder muito de seu charme e tampouco de perder todas as possíveis reviravoltas e afinidades a outros livros que conhecemos. Este é um texto muito compacto: uma segunda leitura certamente enriquece a experiência. Leia uma vez, e depois de novo. Você não se arrependerá. Vai adorar.
Carlos Maria Dominguez






