Dia a dia…

9 09 2025




Uma coisa puxa outra…

27 01 2025

Um ourives em sua loja, 1449

Petrus Christus (Flandres, ? – 1475)

óleo sobre placa de carvalho, 98 x 85 cm

 

 

Sou neta, por lado de pai, de joalheiro.  Meu avô, que não cheguei a conhecer, tinha uma joalheria na rua dos Ourives, centro do Rio de Janeiro. A joalheria fechou; foi desapropriada para a abertura da Avenida Presidente Vargas.  Pouco tempo depois meu avô morreu.  Papai dizia que foi por desgosto.  Ele perdera a razão de ser. Havia comprado a ourivesaria em 1910, ano em que se casou. Por algum tempo, depois que faleceu, não sei quanto tempo, meu pai e seu irmão (únicos filhos do casal) administraram o estoque da joalheria, que eles chamavam de loja.  Era uma joalheria à moda antiga, onde se comprava também esculturas de bronze e marfim, grandes espelhos franceses bisotados, relógios de bronze, muitos itens Art Nouveau, alguns Art Déco, ou de períodos anteriores, objetos decorativos de luxo.

Algumas dessas peças vieram parar nas nossas casas.  Cresci com elas, aqui e ali, decorando um canto da sala. em cima de um aparador: uma ou outra escultura em bronze, um ou outro relógio fora do comum; lembro-me de um relógio de bolso para cegos, por exemplo.  Papai, o eterno professor, sempre nos ensinava: a diferença entre bronze e petit-bronze, os nomes das pedras semi preciosas e suas colorações, as marcas na prata, o que é banho de prata; o que era cristal da Boêmia, e assim por diante.  A gente ouvia com meia atenção como qualquer criança ou adolescente, mas alguma coisa sempre fica. Acredito que esta foi uma bela semente para minha preferência por obras de arte, por perceber, nos dias de hoje, instintivamente objetos de qualidade.  E há, também, a influência de minha mãe que, apesar de professora de línguas neo latinas, se dedicava à pintura. Seu sonho tinha sido ser pintora, mas o pai não achou boa ideia.  Mais tarde, chegou a fazer curso de Belas Artes no Parque Lage na década de 1970.  Eu, no entanto, sou uma negação para pintura ou desenho.

Na Universidade de Maryland, para me formar em história da arte, fui obrigada a fazer dois anos de desenho e pintura, o objetivo era sabermos o processo das diversas facetas da arte.  No último semestre, o projeto na cadeira de desenho foi: 12 ilustrações de um livro de nossa escolha.  Escolhi Cem anos de solidão de Gabriel Garcia Marques que, àquela altura, eu já lera três vezes: em português (aqui no Brasil), espanhol e inglês nos EUA.  Quando recebi a nota final do curso, meu professor de desenho, chamou-me de lado e disse: Ladyce, você está se formando em História da Arte, não é mesmo?, concordei; ele, então, continuou: ótimo, você ganha, então, a nota máxima, pelo esforço.  Mas nunca espere ganhar a vida como artista plástica. Prometi a ele não entrar naquele engodo e ficamos os dois satisfeitos. Mas essa inabilidade nunca me impediu de apreciar e me tornar conhecedora da arte. O interesse por objetos belos, por qualidade, não esmoreceu e eventualmente abri minha própria galeria-antiquário, enquanto morava nos EUA, especializado em mobiliário de fazenda, americano,  do século XVIII e XIX e arte contemporânea, uma combinação esdrúxula que teve sucesso.

 

 

Presidente Donald Trump e sua esposa Melania no baile inaugural de seu segundo termo na presidência dos EUA, e joia de Paloma Picasso, à venda em leilão, na Casa de leilões Bonhams, em 2008.

 

 

Boa memória visual é um dos requisitos para o historiador da arte. É uma habilidade desenvolvida.  Não precisa ser nata, como bem demonstra Malcolm Gladwell no livro Blink: depois de exposto a dez mil horas a um assunto, você sabe instintivamente, da qualidade daquilo que analisa, sem imediatamente saber a razão. Sobre objetos de arte, quer queira ou não, você desenvolve maneiras de reconhecer qualidade, temas ou a mão de um artista. Tudo vai depender dos seus interesses e dedicação.

Levei dois dias para achar, na internet, a joia feita por Paloma Picasso que se assemelha ao desenho da fita preta no vestido da atual primeira dama dos Estados Unidos.  Não sou especialista em moda.  Mas achei o vestido belíssimo.  Ainda que algo na memória me dissesse, já vi esse design em algo de moda.  Paulatinamente fui aprimorando a memória e finalmente cheguei à joia de Paloma Picasso.

Um dos primeiros cursos particulares que dei, aqui no Rio de Janeiro, depois de voltar dos EUA, quando meu marido se aposentou, foi para dois casais brasileiros, que iam à Nova York, pela segunda vez e queriam se certificar do que era imprescindível ver naquela cidade: que museus visitar, que obras arquitetônicas não deixar de ver.  Lá pelas tantas, as duas senhoras do grupo me perguntaram sobre a joalheria Tiffany & Co.  Tinham memórias românticas do encantador filme com Audrey Hepburn, Breafast at Tiffany´s  de 1961, baseado na novela de mesmo nome, publicada em 1958 de Truman Capote. No Brasil, o filme foi titulado Bonequinha de luxo

Um dos aspectos mais interessantes da história da arte é que sempre se acaba falando da história cultural de um país ou de uma época.  Preparei aula extra para elas, com detalhes sobre o histórico da companhia desde sua fundação em 1837, mostrando joias dos catálogos, do passado ao presente.  Entre elas estava o broche retratado acima, conhecido como Scribble [Rabisco], de 1983, desenhado por Paloma Picasso, filha do pintor Pablo Picasso, nascida na França em 1949.  O broche, manufaturado pela Tiffany, tornou-se emblemático dos anos 80 do século passado e da própria joalheria.  Em ouro, 18 quilates, podia ser vendido separadamente ou como parte de conjunto com pendente e anel.  

Se o costureiro Hervé Pierre [Hervé Pierre Braillard] designer francês, naturalizado americano, se inspirou na joia de Paloma Picasso, não tenho ideia.  É possível. De acordo com blogs e escritores da moda, atuais, os anos 80 do século passado andam servindo de inspiração para estilistas. Visitando o Instagram de sua companhia, encontrei o sketch do vestido de Melania Trump assim como o rabisco de seu próprio punho que o inspirou. 

 

Se for o caso, as linhas sinuosas do design do vestido de Melania Trump, já estavam com ele há algum tempo.  Pelo menos uma variante do mesmo padrão apareceu no vestido de noite que ele projetou para o Liberty Ball, parte das festas de inauguração do governo Trump em 2017, como podemos ver na fotografia abaixo. 

Presidente Donald Trump e sua esposa Melania no Liberty Ball inaugurando o  primeiro termo na presidência dos EUA, em 2017.

Como o título dessa crônica revela, uma coisa puxa a outra. Memórias vêm e vão, muitas vezes inconscientes da origem de nossas ideias criativas.  Elas aparecem aqui e ali, pontuando nossa vida, ressurgindo quando menos esperamos, às vezes vindas dos mais inacreditáveis recantos para nos lembrar daquilo que passamos e fomos capazes de reter ao longo dos anos.

©Ladyce West, Rio de Janeiro, 2025





Leituras de 2022: Primeiros contos, Truman Capote, resenha

30 01 2022

Dia de chuva

Josephine Miles Lewis (EUA, 1865 – 1959)

 

Acho que foi um erro começar meu relacionamento com Truman Capote através desses Primeiros Contos, com tradução de Clóvis Marques.  Conhecido por sua obra À sangue frio, também escreveu outros textos adaptados para o cinema como Bonequinha de luxo (Breakfast at Tiffany’s) além de scripts para o teatro ou scripts feitos diretamente para filmes.  Nunca havia lido nada dele.  Mas neste Natal recebi de presente este livro de contos, seus primeiros, que só foram publicados depois de seus sucessos, quando redescobertos nos arquivos da Biblioteca Pública de Nova York.

Acredito que essas histórias escritas na adolescência e no início da idade adulta teriam mais interesse para o estudioso da obra de Capote, do que alguém, como eu, que gostaria de se familiarizar com o autor.  Essas histórias são bem escritas.  Parecem todas perfis de personagens interessantes, talvez para uso futuro.  É provável que tenham tido origem em pessoas que o autor conheceu, vizinhos, pessoas da cidade onde cresceu. 

 

Falta em muitas dessas narrativas conflitos interessantes levando a resoluções ou não de alguma questão. A mim pareceu um catálogo de personagens, com belas descrições de caráter e de hábitos peculiares.  Capote demonstra compaixão e empatia pelos tipos que descreve. E apesar de ser bastante detalhista nas descrições, sua destreza no contar de histórias (que parece herança da tradição oral comum no sul dos EUA) não chegam a interromper o fluxo narrativo, nem distrair o leitor.

Truman Capote

Voltarei a me familiarizar com a obra de Capote.  Certamente essas primeiras histórias tenho certeza não poderiam ser representativas de sua obra madura. Por enquanto não posso dizer que conheço seu trabalho e nem mesmo se gostei de suas observações.

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





Curiosidade literária

22 11 2021

Lendo o jornal em Hólatorg, 2000

Guomundur Björgvinsson, (Islândia, contemporâneo)

acrílica sobre tela

 

Poderíamos considerar o escritor americano Truman Capote supersticioso?  Ele não iniciava nem terminava nenhum texto em qualquer sexta-feira.  E, ainda mais, se o hotel onde se hospedasse tivesse lhe dado um quarto com o número de telefone em que o número 13 aparecesse, ele trocava de quartos.

 





Sublinhando…

27 03 2017

 

 

Guillot, Mildrey, (EUA), A leitura, 40 x 50 cm, ostA leitura

Mildrey Gillot (Cuba/EUA, contemporânea)

óleo sobre tela, 40x 50 cm

www.mildreyguillot.com

 

 

“Para mim, o jornalismo escrito é mais um gênero literário, como o drama, a ficção, a poesia. E pode atingir níveis de excelência semelhantes. Basta pensar em A sangue frio, de Truman Capote, que é uma reportagem pura e dura e, ao mesmo tempo, uma obra literária formidável.”

 

Em: Rosa Montero: muitas coisas que perguntei e algumas que disse, Rosa Montero, tradução de Newton de Andrade, São Paulo, CubZac:2007, página 11.

 

 

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