Resenha: “Notícia de um sequestro” de Gabriel Garcia Marquez

30 04 2017

 

 

Muchacha Leyendo BOTEROMulher lendo, 1987

Fernando Botero (Colômbia, 1932)

óleo sobre tela

 

 

Notícia de um sequestro não é o típico Gabriel Garcia Márquez que conhecemos pelo realismo mágico que o consagrou.  Este é um trabalho jornalístico.  É uma obra que lhe foi encomendada, inicialmente para contar a história de Maruja Pachon, que, sequestrada, passou seis meses em cativeiro.  No entanto, à medida que Márquez estudou o caso, percebeu que seria necessário se aprofundar na vida das outras nove vítimas sequestradas com ela por Pablo Escobar.  O chefe do cartel de drogas tentava, através do sequestro dessas dez pessoas proeminentes na Colômbia, conseguir um acordo com governo para que não fosse extraditado para os EUA.

 

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A narrativa é direta e percebe-se que Márquez estava interessado em documentar o acontecido, tomando cuidado de detalhar todos os envolvidos e as situações encontradas nos menores detalhes.  Ainda que boa parte da narrativa se assemelhe a um thriller, é justamente esse cuidado com os detalhes que também torna o texto por vezes extremamente entediante, principalmente para leitores, como é o meu caso, que têm pouca familiaridade com a política e os políticos colombianos do período retratado. Houve momentos em que tive a impressão que Márquez precisava mostrar — a quem não sei — todo o conhecimento sobre o caso que adquirira,  como se clamasse para ser reconhecido pela pesquisa que fizera sobre todos os acontecimentos inclusive as roupas usadas não só pelas vítimas, mas o tipo de máscara que um policial resolvera usara numa ocasião específica.

 

gabriel_garcia_marquesGabriel Garcia Márquez

 

Se você é um aficionado do crime, um fã de Pablo Escobar, um leitor que quer adquirir grande conhecimento sobre como sequestros nesse nível acontecem, vá em frente, leia este livro.  O mesmo conselho se aplica a quem quiser saber sobre todos os personagens envolvidos nesses dez crimes, adquirindo um maior conhecimento das forças políticas colombianas.  Fora isso, eu recomendaria um thriller escrito por alguém que não tem um posicionamento político, nacionalista ou histórico a defender,  algum escritor que já tenha tido sucesso no campo do thriller e esqueça essa obra de Márquez.  Acredito que não fosse esse livro por este autor, não teria sido traduzido e se espalhado pelo mundo como obra de interesse universal.  Depois não diga que não foi avisado.

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem qualquer incentivo para a promoção de livros.

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Agruras de uma “ghost writer”, texto de Claudia Piñeiro

8 10 2016

 

 

mulher-escrevendo-valerie-hardy-eua-contemp-ost-30-x-25-cmMulher escrevendo

Valerie Hardy (EUA, contemporânea)

óleo sobre tela, 30 x 25 cm

 

 

 

“Nurit Iscar trabalha esta tarde no livro que está escrevendo por encomenda: Desamarra os nós. Detesta essa coisa. É a encomenda da ex-mulher de um empresário do transporte que durante e depois do seu divórcio viveu alternativas que considera ‘únicas’ e encontrou ‘soluções da alma’ que quer partilhar com os demais. Não sabe o livro que vai escrever quando eu contar a minha vida, disse no dia da entrevista com Nurit, seu suspeitar quantas vezes sua escritora fantasma — e tantos outros escritores — já tinha escutado essa mesma frase ou similares de outras bocas. “Se eu te contar minha vida, você pode escrevê-la e ganhar o Prêmio Clarín”, “Quando eu conto a meus amigos, todos me perguntam por que não escrevo um romance”, Vou lhe contar algo, você anota e já tem seu próximo livro, mais que seu próximo livro: três tomos, no mínimo!” Por que tanta gente acha que sua vida é única e eu acho que a minha é igual à de qualquer um? perguntou-se então e se pergunta de vez em quando Nurit Iscar.”

 

Em: Betibu, Claudia Piñeiro, Campinas, Verus: 2014, p. 36





“Na redação”, texto de Claudia Piñeiro

6 10 2016

 

 

journalist-commission-largeJornalista, 2008

Andrew Peutherer (Escócia, contemporâneo)

técnica mista sobre placa

www.underthekitchensink.com

 

 

“Guarda de vez os formulários na gaveta e fica olhando, por cima da divisória que separa sua mesa da seguinte, o garoto que colocaram para substituí-lo nas notícias que sempre foram suas: crimes e assaltos violentos. Bom garoto, embora muito novinho, pensa.  Muito suave.  Geração Google: sem rua, todo teclado e tela, todo internet. Nem caneta usa. O garoto se esforça, é preciso reconhecer isso, chega primeiro, vai embora por último …”

 

Em: Betibu, Claudia Piñeiro, Campinas, Verus: 2014, p. 28





Entediado? Leia, “Tua” de Claudia Piñeiro — resenha

20 02 2015

 

lalectora70x70O08gA leitora, 2008

Guillermo Marti Ceballos (Espanha, 1958)

óleo sobre tela, 70 x 70 cm

www.gmarticebellosart.com

 

 

Dizem que não há coincidências. Próximo ao Carnaval procurei por livros de autores de que gostei no passado.  Queria ter certeza de que iria me divertir com a leitura.  Lembrei-me de Claudia Piñeiro, cujo As viúvas das quintas-feiras havia me agradado imensamente.  No entanto, o livro que achei em uma livraria virtual, Betibu, só chegaria às minhas mãos de 3 a 5 dias e eu queria algo para ontem.  Entre vésperas de feriados, não dava para esperar. Passei na pequena livraria perto de casa, e logo na bancada, lá estava um volume da autora, à minha espera: Tua.  Levei na hora e não me arrependi.

Se você vai passar um fim de semana em casa, uma tarde, se for um dia chuvoso, se precisa esperar por algumas horas na fila do DETRAN, do médico, do que seja, invista nessa pequena obra de suspense com humor.  Desde as primeiras páginas não consegui colocar o livro de lado e foi devorado em meras quatro horas.  Não tenho visão de super-herói, mas são só 140 páginas bem espaçadas. E a leitura foi dinâmica por conta da ansiedade de saber sua resolução.

 

tua g1

 

Dizem em inglês “Hell hath no fury like a woman scorned” [A fúria do inferno não se compara à de uma mulher desprezada]. Claudia Piñeiro demonstra como esse fenômeno pode se manifestar.  Trata-se de uma história de muitas traições entre os poucos personagens principais da trama: um casal, uma filha adolescente, a secretária dele e sua sobrinha. O ritmo é muito rápido, como se estivéssemos diante de um script, de um roteiro para a televisão ou cinema. Aliás Cláudia Piñeiro é roteirista para televisão e dramaturga, além de escritora de romances de suspense.

Mais cativante ainda, além da boa trama, é seguir a racionalização que cada personagem usa para justificar suas ações.  As cenas em que Inês reflete sobre sua vida, e o que  deve fazer para consertá-la, são de muito humor. Tenho certeza que em um momento ou outro, qualquer mulher se reconhecerá no absurdo retratado, e vai sorrir, por conhecimento de causa.

 

0,,5414595_4,00Claudia Piñeiro

Meu único senão: gostaria de ter visto o desenvolvimento da história da adolescente melhor tecido com o resto da trama. Achei a história um pouco paralela, sem justificar completamente sua presença. Dizer mais, sobre um livro de suspense seria injusto, eu acabaria por me tornar indiscreta e revelar mais do que devo. Posso dizer no entanto que este é um livro divertido, cuja leitura nos faz virar páginas com ansiedade e que o esforço é bem recompensado no final.

 





Harry Quebert, um suspense multifacetado

20 06 2014

 

 

9659Retrato de Orleans, 1950

Edward Hopper (EUA, 1882-1967)

óleo sobre tela, 66 x 101 cm

Museu de Belas Artes de San Francisco

 

Semana de férias. Nada melhor do que um livro de suspense! Apesar de recomendado por quase toda a imprensa internacional, comecei a leitura desconfiada: não é fácil para um autor prender minha atenção por 570 páginas. Em geral, um bom livro, uma boa trama, não precisa de tantas horas da minha atenção. Mas neste caso, valeu a pena!

O mais surpreendente em A verdade sobre o caso Harry Quebert são os diversos níveis de tramas, de segredos e de suspense que, por causa da constância com que aparecem e reaparecem na narrativa, deixam o leitor descobrir novidades até a última página. Todos os detalhes são importantes na narrativa. Até mesmo aqueles que nos parecem parte do pano de fundo. Um mestre, o autor suíço, Joel Dicker, usa uma grande variedade de gêneros de texto: epistolar, narrativa, entrevistas, descrições, relatórios, trechos de romances, tudo bem dosado, para desenvolver uma trama complexa e fascinante.

 

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A história, que começa simples e quase clichê, com um escritor de sucesso que se encontra sem escrever vendo os meses passarem e nenhuma ideia se firmar para o próximo romance contratado pela editora, logo logo prende a atenção e deixa de lado qualquer dúvida sobre a qualidade da trama.  Torna-se um romance policial, um romance de suspense,  de grande intensidade.  Com o narrador Marcus Goldman vamos e voltamos no tempo na tentativa de solucionar um crime acontecido mais de 30 anos atrás; acompanhamos seu esforço para salvar seu único amigo da cadeia e ainda testemunhamos sua tentativa de dar a volta por cima na própria carreira literária, que se encontra prestes a desabar. Aos poucos a leitura que já tem um grande ritmo desde o início, começa a pegar velocidade e é tão repleta de reviravoltas, de pistas que levam a lugar nenhum, surpresas inconcebíveis que o que resta ao leitor é, simplesmente, se entregar à manipulação do autor e deixar o texto correr pela montanha russa de altos e baixo das aventuras apresentadas. Totalmente cativante.

 

joel dickerJoël Dicker

Este é um thriller.  Um romance de mistério, uma história de suspense escrita por um jovem advogado, que faz desse texto um mostruário de suas muitas habilidades.  Se continuar assim teremos no futuro thrillers e suspenses de qualidade invejável. Excelente entretenimento.