Às vezes influenciamos mais do que imaginamos: Roque Santeiro

5 12 2009

Na foto, da esquerda para a direita:  Lima Duarte como Sinhôzinho Malta, Regina Duarte como Viúva Porcina e José Wilker como Roque Santeiro.  Telenovela produzida pela Rede Globo e exibida no Brasil de junho de 1985 a fevereiro de 1986.

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Hoje, sábado chuvoso, resolvi abrir umas pastas com papelada de  minha mãe.  Desde que ela faleceu ando aos pouquinhos selecionando, excluindo e guardando sua papelada.  Mamãe havia sido uma grande fã da telenovela  Roque Santeiro, e guardara provavelmente porque gostava tanto da novela um recorte do jornal português O Jornal ( 10/01/1988)  de quando a novela passava naquele país.  Vou reproduzi-lo aqui para mostrar como essa produção televisiva influenciou o ritmo daquele país.

Como ver “Roque Santeiro”

Muita gente da classe alta e média que deixou de ver telenovelas brasileiras voltou a retomar o hábito com “Roque Santeiro“.  Os efeitos de tal visão só podem ser benéficos, sobretudo em alguns dos nossos políticos e intelectuais, bem precisados de lições do “sentido do ridículo“.  mas como é que alguns dos nossos líderes de opinião ou autarcas podem continuar a fazer determinados discursos, vendo o professor Astromar?

A mensagem que Dias Gomes criou para ser encenada em Asa Branca atravessa o Atlântico e assenta como uma luva a tantos dos nossos amigos e amigas — e, reconheçamo-lo, às vezes a nós próprios.

Mas não é verdade que, em Portugal, alguns dos maiores admiradores de Eça ou Fialho foram precisamente aqueles que eram atingidos pela sátira mordaz?

Não se caia, portanto, no pecado de dissertar sobre esse incomensurável lugar-comum do poder da televisão.

Mas não é que nos cafés portugueses se ouve já rir com essas gargalhadas alarves de Sinhôzinho e se vêem os tiques do seu sacudir de braço?

Roque Santeiro” teve, há tres anos, um enorme impacto no Brasil.  Também em Portugal, mesmo nas grandes cidades, muitos indiferentes das telenovelas querem já chegar mais cedo à casa para não perder as birras da viúva Porcina, os delírios do Beato Salu, as cenas de ciúme de Zé das Medalhas.

Libelo contra o puritanismo cínico (“vícios privados, virtudes públicas“) como se vai confrontar em Portugal a ironia cáustica e divertida de “Roque Santeiro” com uma certa moralidade conservadora e hipócrita que parece crescer neste país de humor tão próprio que fracassa geralmente quando expresso em público?

Neste Portugal onde ainda há poucos dias houve um linxamento popular pelo receio de bruxaria, no país de Santa da Ladeira, do Padre Cruz — com que olhos vêem “Roque Santeiro” esses cidadãos que não são das classes “blasées” alta e média alta?

E já agora perguntamos: “Estou certo ou estou errado?”

Em:  O Jornal, Lisboa, 10 de janeiro de 1988, Página: ESCOLHAS, Coluna: Tendências.

Mercado Roque Santeiro, Luanda.  Foto do blog: Angola Bela,  www.angolabelazebelo.com

NOTA da Peregrina:  Essa novela foi exibida também em Angola, onde sua influência pode ser sentida até hoje, já que deu o nome de Roque Santeiro ao grande mercado ao ar livre em Luanda.





Um momento Glória Perez

25 07 2009

Eugène Delacroix, WomenofAlgiers

Mulheres de Argel, 1834

Eugène Delacroix ( França, 1798-1863)

Óleo sobre tela,  180 x 229 cm

Museu do Louvre, Paris

 

Há tempos não acompanho novelas televisivas.  “O Clone” foi a última novela que acompanhei, vendo os capítulos sentada lado a lado com minha mãe, que corajosamente resistia a uma doença terminal.  Naquela época, fiquei impressionada com a facilidade com que alguns personagens transitavam do Norte da África para o Brasil, encontrando-se aqui ou lá como que por acaso.  Sei que o mesmo fenômeno ocorreu em outra novela passada em Miami e Rio de Janeiro assim como está acontecendo nos dias de hoje com a novela Caminho das Índias.   

 

Hoje, tive o meu momento Glória Perez.  E também um momento em que testemunhei por mim mesma, o poder da internet:  como ainda não estou cozinhando na minha nova residência, saímos, eu e meu marido, para tomar café no bar/restaurante mais próximo, que oferece uma generosa média quentinha.  Sentamos nas mesas da calçada, como bons cariocas, mesmo que a chuvinha de inverno insistisse em molhar a rua.  Debaixo do toldo apreciávamos a manhã tranqüila.  Depois de uns dez minutos, quando já contemplávamos  uma segunda xícara, passa uma senhora simpática. Anda adiante e depois volta.  Se aproxima.  De repente fala comigo: 

 

— Você não é Ladyce?

— Sim.

— Ah, que bom que a reconheci….

— ?!!???

 

Em outras palavras: ela era um “conhecimento” da internet, uma pessoa que eu nunca havia visto, nem em fotografias, já que meu contato com ela havia sido através de seu filho.  E ela me reconheceu.  Por foto!   Foto que viu num site, diferente do site de relacionamentos no qual eu e seu filho havíamos trocado algumas palavras a respeito de nomes de famílias em Mato Grosso.   Mas o mais interessante.  Ela não mora no Rio de Janeiro.  Está aqui por dois dias.  Chegou ontem, vai embora amanhã.  E num desses dias, numa manhã chuvosa, no Rio de Janeiro, uma cidade de 7 milhões de pessoas, ela passou por uma calçada de Copacabana, viu uma pessoa que reconheceu de uma foto na internet e se conectou.  As possibilidades disso acontecer são muito remotas. E se aparecesse em novela, eu iria reclamar dizendo que  falta credibilidade no texto.  Pois, engulo minhas palavras, engulo a minha desconfiança, o meu ceticismo.   Glória Perez está certa!