Imagem de leitura: Oluwole Omofemi

18 01 2024

Sem espaço

Oluwole Omofemi (Nigéria, 1988)

óleo e acrílica sobre tela, 122 x 137 cm





“Hibisco Roxo” de Chimamanda Ngozi Adichie, resenha

29 11 2017

 

 

6751846c184c909bb0588ab293de16d6Retrato de mulher

Joseph Eze (Nigéria, 1975)

Técnica mista

 

 

Hibisco Roxo foi o primeiro romance publicado da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.  Mas o terceiro dela que leio. Minha apresentação à sua obra foi com Americanah.  Depois li Meio sol amarelo, que continuo achando o melhor dos três, e agora o popularíssimo Hibisco Roxo, leitura obrigatória nos meios feministas, por sua temática: a violência contra a mulher.

Gosto, na prosa de Chimamanda Ngozi Adichie, do retrato social da Nigéria que, para o ocidente, foge aos estereótipos das sociedades dos países africanos, comumente vistas como soterradas na extrema pobreza.  Em todas as três obras, ela nos dá o retrato de um país formado por diversas camadas sociais, com profissionais nas classes rica, empresarial, média e  pobre.  Essa visão multi-strata enriquece a compreensão do leitor sem familiaridade com a realidade local. E o lembra de que o mundo é bem mais complexo do que as notícias que recebemos nos meios de comunicação nos levam a crer; que o mundo não pode ser visto exclusivamente por posturas políticas, visões de progresso e riqueza; nem mesmo pelas distorções do colonialismo.  Hibisco Roxo lembra que culturas e sociedades são formadas por uma variedade de indivíduos: bons, maus, ponderados, fanáticos, abusivos, respeitadores de regras, religiosos.

 

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A trama revolve em torno uma família rica, chefiada por um homem de grande sucesso empresarial que, com a desculpa da religiosidade, domina mulher e filhos — Kambili e Jaja — de maneira cruel exigindo comportamento inumano de sua família.  Suas vidas correm em paralelo à vida de sua irmã que, apesar de professora universitária, não tem o mesmo poder financeiro dele.  Sua educação, é provavelmente responsável pela grandeza humanística com que aceita o mundo em que vive, as tradições culturais do país e, sobretudo, a individualidade de seus filhos.  Por trás de tudo isso, como pano de fundo, há o conflito entre a religião colonizadora em oposição à religião nativa. Mesmo assim, nem nesse, nem nos outros dois livros da autora, mencionados acima, há clara condenação ou revolta contra os resquícios da colonização europeia. Um fato revigorante e inovador.  Essa luta já passou.  Ninguém clama um retorno ao período anterior aos colonizadores.  O passado passou, a colonização britânica faz parte do passado, mas também, hoje, da identidade da Nigéria como a escritora retrata.

O fanatismo religioso demonstrado em Hibisco Roxo, existe em qualquer lugar do mundo, em qualquer país, em qualquer religião.  Neste caso trata-se da religião católica, que é interpretada pelo chefe de família com severidade militar.  Ainda que seja fácil ler nesse extremismo uma crítica ao catolicismo pela autora, é justamente um padre católico um dos personagens mais carismáticos, enquanto joga futebol com os adolescentes e, em visitas familiares aos membros de paróquia, age de maneira perceptiva e grandiosa.

 

chimamanda-adichieChimamanda Ngozi Adichie

 

A enredo detalha a passagem da vida de dois adolescentes para as responsabilidades da vida adulta. Criados com muitas restrições os irmãos Kambili e Jaja vão visitar a tia, em outra cidade. Lá, livres dos grilhões paternos, descobrem que o mundo pode ser diferente.  Suas personalidades vêm à tona e com ela a liberdade por que tanto ansiavam.  Com essa liberdade vem também escolha e responsabilidades, que ao final se apresentam necessárias.

Narrado na primeira pessoa por Kambili, a menina que desabrocha na casa da tia, a narrativa corre fácil com tradução de Júlia Romeu.  Percebemos o que Kambili percebe.  Seus olhos são os nossos.  Por isso também vemos o mundo com a mesma ingenuidade e visão limitada dos acontecimentos e personagens.  Até mesmo Jaja, seu irmão, visto pelos olhos de Kambili, não é desenvolvido plenamente. Portanto, quando ele toma uma decisão radical, surpreendente, o leitor se choca,  por não ter reconhecido nele, personagem de tal importância.  Este é o meu problema com a narrativa, e a razão de não poder dar a esse livro todos os meus pontos de aprovação.  A história é envolvente, informativa.  Mas precisava de mais solidez nos personagens.

É uma boa leitura. Interessante, forte. Recomendo.

 

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem qualquer incentivo para a promoção de livros.





Resenha: “Pequena Abelha”, de Chris Cleave

25 09 2016

 

 

oresegun-olumide-nigeria-1981-ostVestido de noiva perfeito

Oresegun Olumide (Nigéria, 1981)

óleo sobre tela

 

 

 

Deixe-me primeiro deixar claro que a narrativa de Pequena Abelha não me pareceu mágica, nem me encantou, nem me fez chorar e muito menos não me fez ficar mais sensível ao problema social, mundial, que retrata, como parece ter acontecido a muitos leitores. Em segundo lugar, não gosto de literatura com um fim político. Toda vez que uma autor tem  uma causa a retratar, a passar adiante, ele diminui o potencial de sua criatividade, por aceitar os parâmetros da mensagem. E ainda, em terceiro lugar, não gosto de narrativas contadas por uma voz infantil.  Acho de imediato que haverá exploração emocional, que como leitora, estarei logo logo apta a ouvir violinos na música de fundo, pois eles estão a postos, como num filme de Walt Disney,  para provocar o sentimentalismo.  Poucos são os autores cuja voz narrativa, de criança ou de adolescente, recebem os meus cumprimentos.  Lembro-me mais recentemente dos livros O Retorno de Dulce Maria Cardoso e de Vermelho Amargo de Bartolomeu Campos de Queirós que, sendo exceções, provam a regra.  Achei a voz da Pequena Abelha ingênua demais, para dezesseis anos, com todos os sinais de uma exploração sentimental, ao longo do caminho.

A história explora a saga dos refugiados de guerra. Tema eminentemente contemporâneo e corriqueiro.  No pano de fundo temos o retrato da indiferença do poder colonial inglês, que pode ser estendido a todos os poderes coloniais europeus ou orientais.  A história da pequena imigrante nigeriana, fugitiva de guerra, é entremeada com a história de um casal de jornalistas ingleses.  Suas histórias se intercalam, mesmo depois de se encontrarem.  Duas narrativas, duas realidades.  Um balanço de pontos de vista.   Essa parece ter sido a ideia original do autor, já que o título original da obra era On the other hand – (Por outro lado). Aqui no Brasil, convencionou-se usar Pequena Abelha, o mesmo nome dado à obra nos EUA onde o marketing estipulou o título para melhor exploração comercial. Ao personalizar o sofrimento generalizado de um povo, a história se torna mais próxima ao leitor.  Essa mudança, no entanto, tira a ênfase dos dois lados da história: do refugiado e de quem o recebe.  Neste caso, especificamente, uma situação muito mais complexa já que os antigos colonizadores são os que recebem, ou não, os refugiados de guerra de uma antiga colônia, onde muitos se consideravam cidadãos do poder colonial.

 

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Chris Cleave é um autor inglês e faz uma interessante comparação entre colonizados e colonizadores. Conflitos entre empresas de petróleo, no delta do rio Níger com grupos étnicos minoritários, se estendem desde a década de 1990. A partir de 2004 houve um aumento significativo da violência entre eles.  O casal de jornalistas ingleses é retratado com dois pontos de vista sobre o que acontece na ex-colônia.  Sarah sente-se culpada pelos anos de colonização e não perde a oportunidade de demonstrar sua culpa como colonizadora sacrificando-se na tentativa de salvar pelo menos parte do que restava de civilização.  Mesmo ao final, quando tudo parece estar se resolvendo, Sarah mostra sua culpa, ao dizer ao filho que é preciso proteger a Pequena Abelha “porque ainda não fizemos o suficiente para salvá-la.” (Nigéria?) Seu marido, Andrew, por outro lado, não compartilha da culpa social. A responsabilidade pelo estado das coisas na Nigéria é deles, dos nigerianos, afinal a Grã-Bretanha já está fora de lá há muito tempo. É uma guerra entre nigerianos. Ele se acha incapaz, ou se recusa a fazer o sacrifício que lhe é requerido.  Como um bom intelectual, no entanto, prepara um dossiê sobre o problema para futura publicação. Mas é assediado pelo fantasma da culpa que acaba por consumi-lo. Tampouco perdemos de vista a posição governamental britânica, representada por Lawrence amante de Sarah e funcionário do governo. Todos os aspectos de responsabilidade sobre o destino dos seres humanos aprisionados na máquina de guerra estão amplamente representados.

Ainda que a narrativa pareça bem organizada e distribuída, é necessário lembrar que as passagens dedicadas a Charles, filho de Andrew e Sarah, que com roupa de Batman, perambula pela narrativa, são extremamente cansativas e não adicionam nada de especial à trama. Apelam simplesmente para o nosso encantamento com uma criança de quatro anos.  Pouca ênfase também é dada a qualquer dilema ético de Sarah ou de Lawrence que levam o affair amoroso adiante, traindo marido e esposa respectivamente, sem nenhum questionamento ético. O caso amoroso entre eles é bidimensional, e está na trama simplesmente para poder produzir a perspectiva da burocracia inglesa sobre os refugiados.

 

chris-cleave-yx4i00531-199x300Chris Cleave

 

Como trabalho jornalístico esse é um bom romance.  Como obra literária deixa a desejar.  A narrativa, que lembra no suspense a obra cinematográfica de Alfred Hitchcock, parece óbvia demais para agradar ao gosto mais apurado. É um livro para as massas. Comercial. Explora o sentimentalismo. No entanto, se abre espaço para reflexões sobre a saga dos refugiados, para a crueldade da intolerância, serviu seu papel. Dou três de cinco estrelas.

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Resenha: “Meio sol amarelo” de Chimamanda Ngozi Adichie

8 11 2015

 

 

biafraGuerra de Biafra
Muraina Oyelami (Nigéria,1940)
Óleo sobre papel colado em painel, 75 x 183 cm

 

 

Chimamanda Ngozi Adichie parece determinada a abordar temas complexos e comentá-los com a visão da vida comum, do dia a dia de quem os enfrenta. Assim foi com Americanah, livro pelo qual conheci a autora nigeriana, onde as nuances do racismo, de todas as cores e aspectos dentro e fora do território nigeriano, foram exploradas. O mesmo processo foi usado em Meio Sol Amarelo, um trabalho anterior, retratando a guerra pela independência do sudeste da Nigéria, ocupado pela cultura Ibo, que tentava estabelecer a República de Biafra. O título por si só telegrafa o período mais importante em que a história se desenvolve, os três anos da guerra de 1967 a 1970 pois a bandeira do futuro estado independente de Biafra tinha no centro meio sol amarelo com onze raios, cada um representando as onze regiões do território Ibo.

Sem se deter em muitos detalhes políticos ou culturais para a guerra da independência, Chimamanda Ngozi Adichie retrata como diferentes pessoas reagem quando o conflito começa. A guerra é, portanto, mostrada através do efeito que ela tem sobre os membros da sociedade Ibo. O texto dá ao leitor a oportunidade de entender aqueles que fogem para a Grã-Bretanha; aqueles que ficam e conseguem tirar proveito da guerra; os que a ela se dedicam com fervorosa coragem; e a grande maioria, quase indiferente, inocente, ignorante e cativa dos processos governamentais, para quem a sobrevivência é o que importa. Adichie consegue retratar todas essas pessoas sem crítica, com um olhar independente, ainda que a grande saga se encontre entre os idealistas revolucionários que seguimos com observação cautelosa e ímpar. Concentrada no retrato de uma família da classe média alta, nigeriana de origem Ibo, afluente, educada, intelectualizada, parte do estabelecimento pré-guerra, mas com membros revolucionários, que se encontram no coração do conflito, a narrativa passa por todas as possíveis e diversas reações que cada um desenvolve ao conflito.

 

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A Guerra da Independência de Biafra foi a primeira guerra televisionada no mundo, mas nem por isso bem compreendida. A Nigéria, como a maioria dos países no continente africano, teve seu território desenhado por europeus – britânicos nesse caso – que ao colonizarem o país juntaram indiscriminadamente três grupos culturais (Hauçá, Ioruba e Ibo) com línguas, modos de governo e religiões diversas sob uma única bandeira. Impuseram o sistema político e a língua inglesa. À medida que o poder britânico se enfraqueceu depois da Segunda Guerra Mundial conflitos entre as diferentes etnias dentro da mesma fronteira se acentuaram. A tentativa de independência do povo Ibo foi uma consequência natural do processo. No entanto, o resto do país, auxiliado pelos ingleses, fez um cerco ao território de Biafra impedindo a independência dos Ibos. O território era rico em petróleo e não poderia passar para as mãos de outro governo. Para isso proibiram até mesmo a entrada de gêneros alimentícios e produtos de primeira necessidade ao território rebelde. O mundo ocidental teve então a oportunidade de ver quase que em tempo real, através da televisão, fotos e imagens da fome, do desespero dos refugiados, no conforto de sua própria casa pela primeira vez. Foi um abalo geral. Chimamanda Ngozi Adichie não se concentra nessas imagens ainda que elas façam parte integral da narrativa. A solução brilhante que conseguiu para retratar a guerra foi a multiplicidade de narrativas. Cada pessoa de uma mesma família e de seus dependentes tem a oportunidade de reagir à desumanização do conflito.  E o faz de diferentes maneiras. Até mesmo um “comentarista” inglês consegue ser inserido na narrativa, nesse núcleo familiar, dando ao leitor de hoje, uma visão simultânea de fora e de dentro do campo de batalha.

 

chimamandaChimamanda Ngozi Adichie

 

Meio Sol Amarelo é uma tentativa de recuperação do passado. A autora lembra a importância de se manter a memória da guerra, do ideal de independência, do sacrifício da geração de seus pais, da tentativa de extermínio de uma etnia, do sofrimento do povo Ibo. E com isso mantém também os parâmetros da identidade cultural. Até hoje, os conflitos étnicos e religiosos da Nigéria não foram resolvidos. A recente onda de ataques de extremistas muçulmanos no país trazem a tona mais uma vez a fragilidade da coesão nigeriana. Por isso mesmo uma narrativa com o escopo e qualidade encontrados nesse livro chega na hora certa. Uma obra ambiciosa e muito bem executada.

 

 





Resenha de “Americanah”: um olhar sobre os EUA

21 01 2015

 

 

Heidi Berger, (alemanha, 1944) Leitura 2(1) 2010Leitura 2, 2010

Heidi Berger (Alemanha, 1944)

técnica mista

www.heidiberger.com

 

 

Americanah visa primeiramente o leitor americano, seguido de possíveis imigrantes. Gira, sobretudo, em torno das maneiras de inclusão e exclusão social por raça nos Estados Unidos, concentrando-se nas distinções e nas nuances sociais adotadas pela sociedade inteira: brancos, negros e todas as outras variantes de raça em que o país se subdivide. Lido por quem nunca viveu por lá, o romance corre o risco de dar origem a interpretações redutivas do escopo cultural daquela sociedade. Essa simplificação pode também ser uma barreira na apreciação do leitor estrangeiro aos diversos desdobramentos do romance que relata quase verbatim situações do cotidiano americano que passam despercebidas tanto pelos nativos – iludidos pela própria familiaridade da vida comum–, como pelos visitantes estrangeiros que não conseguem notar os diferentes matizes da ironia e da separação de tribos naquela sociedade. Mais do que isso, Chimamanda Ngozi Adichie, nascida na Nigéria, explora o ambiente para o qual imigra, de uma posição inigualável: observadora detalhista, estrangeira com forte identidade cultural nativa e negra. Consegue com essa base segurar um enorme espelho que reflete a sociedade americana, como um todo, com sua enorme classe média e os intelectuais politicamente corretos.

A pergunta é: estará o americano comum aberto a ver sua própria imagem de um ângulo diferente, incapaz de usar a desculpa de que a crítica vem de uma pessoa com os paradigmas colonialistas? Não sei. A julgar pela resposta de vendas do livro nos EUA, pode-se dizer que pelo menos uma boa parcela dos leitores do país tentou ver a América pelos olhos da autora. Não se pode deixar de frisar, no entanto, que muito do que foi escrito pela autora, não teria sido aceito não fosse ela africana e negra. Ninguém melhor do que ela, portanto, para chamar atenção sobre as pequenas variações de comportamento a que um imigrante precisa se submeter para finalmente se perder na nova sociedade que escolheu. A autora também tomou para si mostrar, através de exemplos, a complexa trama que suporta e separa, que desagrega e asfixia a população negra no país.

 

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Não me surpreende que este livro tenha sido recipiente de um dos maiores prêmios literários americanos o National Book Critics Circle Award, além de ser considerado um dos dez mais importantes livros do ano pelo The New York Times, em 2013, é bem escrito e aborda um tema polarizante de maneira diferente. Em breve: a personagem principal, Ifemelu, criada na classe média nigeriana, consegue uma bolsa de estudos para uma pequena universidade no estado da Pensilvânia. Chegando lá tem que encontrar emprego para sobreviver e pagar ainda uma quantia que resta da bolsa de estudos parcial que recebeu. O trabalho que alavanca sua carreira é o de babá de uma família bem situada. Eventualmente Ifemelu namora o primo desta senhora para quem trabalha, o primeiro relacionamento sério que tem depois de ter deixado na Nigéria o amor de sua vida, Obinze. O namorado, um verdadeiro príncipe encantado, alto, louro, boa pinta, e rico, muito rico, a trata muitíssimo bem. Nesse meio tempo, Ifem [Ifemelu] que continuara com seus estudos, trabalha e começa um blog, que trata da visão de um negro africano sobre o racismo, os negros americanos, e também questões de identidade. O blog tem grande sucesso e logo logo Ifem se vê deixando o emprego para trás, pois consegue viver de palestras sobre esse tema, nas mais diversas localidades. Tem a vida perfeita, mas lhe falta algo. Eventualmente um novo relacionamento surge, desta vez com um professor universitário, negro, americano, intelectual engajado. O relacionamento é bom, mas Ifem depois de algum tempo percebe que há um espírito autoritário neste homem, que prefere a sua interpretação da realidade à dela. Passados quinze anos nos EUA, depois de uma pletora de experiências, Ifem, que ainda sentia que algo lhe faltava, embarca de volta à Nigéria. Encontra-se mudada. A dificuldade de se adaptar é inicialmente um choque. Procura o amor de sua vida e é só através dele, como vemos na última cena, que finalmente Ifemelu se rende em aceitar a Nigéria, em si mesma.

 

p018kb6nChimamanda Ngozi Adichie

 

A Segunda Guerra Mundial e suas consequências foram o mais importante tema literário do século XX, seguido próximo da imigração, problemas de identidade do imigrante e o retorno à terra materna. Mas o imigrante africano nos Estados Unidos é um tema novo, cheio de observações interessantíssimas. Chimamanda Ngozi Adichie tenta esgotá-lo. Mas há muito ainda a ser analisado. Digo que a autora tenta esgotar o assunto por sua intermitente tentativa de colocar a personagem Ifem em variadas circunstâncias, que depois sugerem uma entrada no blog, que nós leitores do romance acompanhamos a cada postagem. O blog é de longe a melhor parte dessa narrativa, misto de jornalismo e estudo antropológico, repleto de ironias e de fino humor, para mim, acabou sendo o ponto de apoio do romance. Por isso mesmo, há muitas ocasiões em que o enredo parece se contorcer para justificar uma entrada no blog. Isso leva a que detalhes sejam esquecidos ou muito levemente pincelados. Exemplos que vêm à mente são: a) a traição de Ifem ao príncipe encantado – algo que em nenhum lugar antes do evento o leitor é levado a desconfiar b) incomoda a falta de detalhes de como Obinze, o verdadeiro amor de Ifemelu, se torna milionário na Nigéria,depois de ter dado com os burros n’água na sua tentativa de imigração para a Inglaterra. Com 516 páginas, umas poucas frases para arrematar a história não seriam nenhuma adição extenuante ao romance.

De fato, esta observação leva a outra crítica: será que realmente a autora precisava de meio milheiro de páginas para contar sua história? Esta se encomprida no meio, parece repetitiva. Mesmo intrigada pelo retrato da sociedade americana que conheço bem, achei que a autora deu muitas voltas, desnecessárias, para levar a história à frente. Senti falta do editor que aconselha ao corte, que ajuda o escritor a se tornar mais leve, menos narcisista com seu texto. Por tudo isso, recomendo com algumas restrições ao leitor brasileiro, o romance Americanah.

 

 

Nota: tenho que agradecer às integrantes do grupo de leitura Papa-livros que me ajudaram a esclarecer alguns pontos importantes dessa leitura. Em ordem alfabética: Camille Ramos, Chaia Zismán, Inez de Mello e Souza e Maria Eugênia Pondé. Obrigada, meninas, pelo carinho.