Outubro de 732, Batalha de Poitiers, 1837
Charles de Steuben (Alemanha, 1788-1856)
óleo sobre tela, 542 x 465 cm
Palácio de Versalhes, França
Há livros que se lê pelo prazer da prosa, da trama, do suspense. Submissão de Michel Houellebecq não é nenhum desses. É um livro que força uma reflexão sobre o momento atual da Europa, da França, especificamente. É uma fantasia tão plausível, tão próxima da realidade, que o leitor se vê forçado a considerar possibilidades improváveis como quase certas, e o impensável torna-se realidade. É chocante. O romance, passado por volta de 2022, ou seja meros 7 anos no futuro, de maneira racional, considera a possibilidade da eleição de um governo muçulmano na França.
Talvez o que seja mais desconcertante nessa narrativa é a lógica. Por exemplo, quando Houellebecq menciona as forças armadas francesas necessitando de milhares de novos recrutas a cada ano e simultaneamente considera que a população tradicional francesa cada vez tem menos filhos, enquanto a muçulmana tem muitos, a lógica nos leva a admitir que em futuro próximo as forças armadas francesas serão em sua maioria muçulmanas. Esse é um aspecto da realidade francesa que nunca havia cruzado os meus pensamentos.
Isso é complexo? Estranho? Desagradável? É. Por que? Porque teocracias como as defendidas pelos regimes islâmicos estão diametralmente opostas à herança cultural do oeste. Temos que considerar se é esse é o futuro que se quer ter. É essa a guinada que queremos dar no nosso presente? O que ganhamos com ela? Como mulher criada no ocidente, com valores de autoconfiança, de respeito próprio, com dedicação a uma profissão, que vota, dirige, se veste como quer, que se acha no direito de escolher o parceiro de vida, não acredito que venha a me adaptar às limitações de qualquer uma das variações das teocracias islâmicas. E não estou exagerando. Basta lermos relatos que aparecem diariamente nos jornais, livros como Infiel de Ayaan Hirsi Ali, entre outros para saber que o conflito cultural seria ou será gigantesco.
Michel Houellebecq
Submissão não é uma obra para ser julgada pelos seus méritos literários. Em geral, romances que defendem uma causa têm a tendência a serem enjoados, porque explicações são necessárias e rapidamente diálogos se tornam solilóquios didáticos. Ainda que Houellebecq flerte com esse pecado, sua habilidade em fazer paralelos entre o escritor Huysmans e a própria vida do professor universitário que narra o romance esvazia um tanto o dogmatismo inerente desse tipo de criação. Mas há passagens bastante aborrecidas, principalmente para leitores não familiarizados com a obra do escritor, ensaísta, crítico de arte francês Joris-Karl Huysmans.
Apesar dessa reserva recomendo a leitura como uma obra que ajuda a compreender parte do dilema europeu deste século. Que haverá um embate entre essas crenças e filosofias de vida parece inevitável. Resta saber quando.





