A volta
Jasmine Saintonge (Canadá, contemporânea)
óleo sobre tela, 119 x 76 cm
O pianista da estação ganhou o Gande Prêmio RTL-Lire 2021 [RTL: rede de televisão francesa e Revista Lire]. Este prêmio difere dos outros do país; é dado pelo público: cem leitores escolhidos cada qual por diferentes livreiros, votam na obra vencedora. Um dos requerimentos entre os competidores é que sejam autores que não precisam de maior reconhecimento. Não ficou claro as coordenadas desta última categoria. Procurei saber sobre essa distinção após a leitura do livro, já que minha opinião contrasta tanto com o galardão concedido.
Trata-se da história de um homem, Joseph Marty, de sessenta e nove anos, que passa a vida tocando pianos públicos em estações de trem, metrô, aeroportos, lugares de passagem. Nômade, sempre em movimento, como se sua própria vida fosse um interminável e contínuo rondó. Qual seria o motivo? Para descobrirmos as razões visitamos o passado do pianista, órfão de ambos os pais aos quinze anos. Segue-se então mais uma história de órfãos que são maltratados nos orfanatos, sofrendo física e emocionalmente. Reconheço que neste momento, tive que decidir se continuaria ou não a leitura.
Fui leitora assídua minha vida inteira. Desde os seis anos de idade ler foi meu maior e constante entretenimento. Criança, adolescente, adulta, morando aqui no Brasil, e em diferentes países, li. Como consequência o número de histórias de órfãos que li é incontável da Cinderela à Pequena órfã Annie, de Oliver Twist e David Coperfield a Jane Eyre, Harry Potter, Poliana e outras dezenas mais de clássicos da literatura mundial. As histórias de órfãos têm, comumente, o sofrimento da criança ou adolescente em primeiro plano. E o tema logo me pareceu batido, cansativo e não tive curiosidade de ir em frente. Li, o livro inteiro porque foi selecionado pelos leitores de um grupo de leitura a que pertenço. E usei de muitos subterfúgios para manter meu interesse. Procurei por orfanatos nos Pirineus, onde a trama se desenrola, viajei via internet por diversos internatos já fechados na área. A história começa em 1969; procurei por fotos de cidades dos Pirineus da década de sessenta. Enfim, fiz o que pude para manter meu interesse neste livro.
A prosa de Jean-Baptiste Andrea, com tradução de Júlia da Rocha Simões, é suave, competente. Há bons momentos e posto abaixo passagens me pareceram interessantes. Foram quatorze marcações.
“O velho Rothenberg me dava aulas de piano. Ele era mais enrugado que papel amassado – rosto, pescoço e mãos num vertiginoso braille de rugas. Eu queria passá-lo a ferro a cada vez que o via. Mas quando ele tocava. Quando ele tocava, reis magos pegavam a estrada. Princesas exóticas e longínquas eram tomadas de languidez em seus palácios de areia. Até a sra. Rothenberg, uma sombra murcha que cheirava a pétalas e naftalina, voltava a ser a rainha do verão que ele havia seduzido, sessenta anos antes, sob uma nogueira em flor.”
“O ódio, como a oração, se alimenta de silêncio.”
Tenho outro senão: Joseph Marty passa muito tempo sem tocar piano. Como, sem treino algum, sem qualquer dedicação de horas diárias de ensaio, ele consegue tocar com tanta perfeição? Quem é capaz de pegar e largar qualquer instrumento musical, e fazer uma performance como se tempo algum houvesse passado?
Este livro não me tocou. Não me emocionou. Não é ruim. Tenho certeza de que muitos leitores não foram expostos a tantos personagens órfãos. De fato, interessante notar que hoje há muito menos órfãos no mundo do que havia no passado, graças às descobertas médicas e ao cuidado com prevenção de doenças que temos. Acho uma história romântica para corações que gostam de se sensibilizar. É um livro de passagem. Os personagens adolescentes passam por situações que eventualmente os tornam adultos. Mas, francamente, achei o tema, o assunto, na fronteira com o lugar-comum. Duas estrelas de cinco.