Imagem de leitura — Roderic O’Conor

27 04 2020

 

 

Roderic_o_conor (1860-1940) g,1915, ostUma leitura silenciosa, 1915

Roderic O’Conor (Irlanda, 1860-1940)

óleo sobre tela





Resenha de “As fúrias invisíveis do coração” de John Boyne

2 07 2019

 

 

 

AN IRISH VILLAGE by Markey RobinsonUma aldeia irlandesa, ilustração de Markey Robinson.

 

 

Este não foi o mais interessante romance de John Boyne.  É uma história ambiciosa, prolixa,  dramática que poderia ter tido maior impacto se o escritor não tivesse sucumbido à tentação de numerosos detalhes desnecessários e à armadilha comercial de um final feliz. Nesta longa obra o leitor acompanha a vida de um homem, irlandês, gay, nascido logo depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945, de sua gestação à morte. Tomamos carona para acompanhar também mudanças de comportamento social no mundo pós-guerra e as dificuldades enfrentadas pelos homossexuais no mesmo período. Passamos pela Irlanda católica, pela Europa, centrada em Amsterdã, vamos aos Estados Unidos e como não poderia faltar somos levados a considerar alguns aspectos da horrível epidemia da AIDS que se espalhou pelo mundo a partir dos anos 80 do século passado. Definitivamente um projeto audacioso e necessário por trazer para o cultura popular considerações que vemos com maior frequência restritas a obras menos comerciais ou ao nicho da literatura gay.

Como bom escritor, apreciado por multidões,  John Boyne traz ritmo, drama e humor para um enredo que se desenvolve apoiado por uma dúzia de personagens curiosos, quase todos fora da norma, preenchendo a máxima popular comum nos nossos dias: “de perto ninguém é normal.”  Cada um é rebelde à sua maneira. Só o nosso biografado é o único a não se rebelar. Tímido e frouxo Cyril é um anti-herói. É um personagem principal, sem um osso de bravura, covarde e irresponsável,  incapaz de medir as consequências de seus atos para com terceiros.  E é ele quem acompanhamos com cuidado. E a quem devemos, no final, imaginar com carinho, entendimento e calor.  Uma façanha difícil para esta leitora.  O final desaponta.  Muda o tom da narrativa.  Do realismo aspirado durante a história, pulamos para o mundo da fantasia.  A boa vontade do autor traz um fechamento onde se reconhece os bons aspectos de todos os personagens envolvidos, num final feliz característico dos contos de fadas.

 

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Talvez esse livro tivesse me agradado mais se não contivesse tantos erros históricos que demonstram uma pesquisa porca.  Descuidada.  Tive essa sensação algumas vezes até que de repente vejo General De Gaulle da França mencionado como tendo se aposentado em 1959, quando na verdade este foi o ano em que ele começou a presidência da França.  Daí por diante encontrei uma série de problemas.  Há uma visão anacrônica do mundo.  Preocupações sobre o cigarro, limitações de comportamento daqueles que fumam, por exemplo, aparecem como pertinentes nos anos 50-60 quando na verdade o fumo era liberado em todo canto, dentro e fora dos ambientes fechados.  Há o problema de mencionar a República Checa em 1987, quando na realidade, nesta época não havia este país.  O país fazia parte do que se chamava Checoslováquia.  O mesmo para a Eslovênia.  Foi preciso uma série de conflitos, de guerras entre 1989 e 1992 para que os países que formaram, a contragosto, desde 1945 o país Iugoslávia, voltassem a ser independentes como eram antes do domínio comunista, sob o comando do ditador Tito. Não há perdão para esse tipo de erro.  E esses não são os únicos erros.  Passando em revista outras resenhas em sites de livros e resenhas, vejo que tenho companhia, dezenas de outros leitores listaram muitos outros detalhes incôngruos.

 

boyneJohn Boyne

 

Um escritor tão popular quanto John Boyne tem a obrigação de trazer fatos históricos corretos.  Se ele não quer fazer a pesquisa, tenho certeza de que poderia pagar um assistente para verificar dados.  Não posso liberar de culpa a editora original, porque ela também deveria ter tido o interesse de checar esses detalhes.  Muitos leitores adquirem conhecimentos de história através de livros.  É um desserviço para com seus leitores que Boyne não se preocupe em limpar o texto.  Sinto, mas perde muito com isso.

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





Imagem de leitura — John Butler Yeats

2 01 2018

 

 

 

John Butler Yeats,(irlanda, 1839 – 1922) Mary Lapsley Caughey, 1916, ost, 105x84cm,National Gallery of IrelandMary Lapsley Caughey, 1916

John Butler Yeats (Irlanda, 1839 – 1922)

óleo sobre tela, 105x84cm

National Gallery, Irlanda





Imagem de leitura — Sir John Lavery

16 07 2017

 

 

Sir John Lavery's 'Mary Borden and her family at Bisham Abbey'Mary Borden e família em Bisham Abbey, 1925

Sir John Lavery, R.A., R.H.A., R.S.A. (Irlanda, 1856-1941)

óleo sobre tela, 64 x 76 cm





Curiosidade sobre George Bernard Shaw

4 03 2017

 

 

The Bibliophilist's Haunt (Creech's Bookshop)

O bibliófilo Haunt ou a Livraria Creech

William Fettes Douglas (Escócia, 1822-1891)

óleo

Câmara de Vereadores da Cidade de Edinburgh

 

 

Um dia, o escritor e dramaturgo irlandês George Bernard Shaw, nas suas inúmeras perambulações pela cidade, encontrou nas prateleiras de um sebo um de seus próprios livros que ele havia dedicado a uma pessoa de grande estima.  Shaw não teve dúvidas: comprou o livro e o devolveu ao dono original com a seguinte dedicatória: “Com estima renovada, George Bernard Shaw.

 

 

Em: Ex Libris: confessions of common reader, Anne Fadiman, Nova York, Farrar, Straus e Giroux: 2000.

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Imagem de leitura — Shane Sutton

6 02 2017

 

 

shane-sutton

New York Subway, 2009

Shane Sutton (Irlanda, contemporâneo)

Óleo sobre tela, 100 x 70 cm





Resenha: “Uma história de solidão”, de John Boyne

7 09 2016

 

 

georges-croegrtDistrações

Georges Croegaert (França, 1848-1923)

óleo sobre painel de madeira, 27 x 22 cm

 

 

Há dias, soube que crianças expostas a barbáries têm problemas de memória, coisa que acontece como consequência de violência doméstica, pobreza, fome, guerra.  Crianças refugiadas frequentemente apresentam esse trauma.  Sei também que a memória, mesmo que a pessoa não tenha sido exposta  aos horrores descritos acima, consegue ser  seletiva.  Muitas vezes a memória esconde o que não se quer saber.  Isso, às vezes, é o que acontece com pessoas  que consideramos ingênuas.  Seus mecanismos de sobrevivência não as deixam ver por trás da cortina de fumaça que o cérebro desenvolveu para viver em paz. Foi por esse ângulo que interpretei a incrível ingenuidade de Odran Yates, padre irlandês, protagonista de Uma história de solidão.

Esta é uma história sobre a construção da nossa própria história, da nossa imagem.  O que escolhemos esquecer ou lembrar ao construirmos a nossa biografia?  Odran Yates foi levado ao sacerdócio por sua mãe.  Até o passado recente não fugia ao normal que famílias católicas dedicassem um de seus filhos — sem considerar as propensões individuais — à Igreja.  Mas Odran Yates não vê um problema nisso.  Depois de testemunhar um ato de violência em sua própria família, acaba por se convencer de que a vida sacerdotal lhe caía bem. Tornou-se padre da igreja católica, na Irlanda, cheio de esperança e ambição.  Gostava de ser professor no Terenure College, e de cuidar com esmero da biblioteca do local. A vida era confortável, mas melhor ainda, ele se sentia útil. A narrativa cobre desde sua chegada ao seminário na década de 1970 ao ano de 2013.  Tudo começa a mudar quando Odran Yates se depara com a força brutal do colapso da igreja católica irlandesa, quando casos de abuso sexual são revelados.

 

 

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Quando é mandado para uma paróquia onde o amigo e colega seminarista, Tom Cardle, havia sido padre e começa a perceber que o mundo idealizado que ele criara para si,  não existia.  Quanto ele havia ignorado propositadamente para manter seu próprio conforto emocional?  Confrontado com o passado, reconhece eventualmente sua participação nos crimes de seu amigo, porque não tomou a atitude correta, por ter sido permissivo com seu silêncio e vontade de não ver problemas onde eles existiam.  Quarenta anos depois de sua entrada no seminário, Odran Yates, um padre honrado,  vê seu amigo e companheiro seminarista ser julgado,  seus colegas mandados à prisão e a vida de muitos de seus paroquianos destruída pelas revelações de abuso sexual pelo clero.

 

 

John Boyne pic mark condren august 2008John Boyne

 

Este foi meu primeiro livro de John Boyne.  Fiquei feliz de encontrar nele um escritor sério, cuja voz narrativa segura o leitor através do texto.  Sua escrita é cuidada.  Usa a sutileza de maneira incisiva para tratar de assuntos difíceis e desagradáveis.  Ocasionalmente seu texto é repetitivo, principalmente aquele que lança a isca para acontecimentos futuros.  Mas no todo, esta é uma excelente leitura.

 

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Resenha: “A jornada de Felícia” de William Trevor

6 01 2016

 

 

90989e4a692cb10a65520b0405c0bd91Retrato de jovem, 1921

Mainie Jeller (Irlanda, 1897-1944)

óleo sobre tela

Museu Irlandês de Arte Moderna, Dublin

 

 

 

Quando criança levei anos para gostar de O Patinho Feio, porque não aceitava ver o pobrezinho repudiado pela família; chorei com as maldades da madrasta de João e Maria e com as desventuras relatadas pelo burrico da Condessa de Ségur. Hoje, ainda tenho aversão a maldades, a me familiarizar com os hábitos de monstros humanos. É difícil, então, ler uma obra de ficção em que há dois protagonistas: um assassino em série, tratado com quase benevolência e sua vítima, uma jovem de 17 anos, grávida, tratada com frieza. Nenhum dos dois consegue ter a minha simpatia. E é isso exatamente que Wiliam Trevor deseja, numa narrativa perturbadora. Ter lido A jornada de Felícia até o fim é surpreendente e um enorme elogio ao autor.

 

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O suspense psicológico dessa história é controlado. Mas não deixa de ser uma narrativa desconcertante por levar o leitor a habitar a cabeça de Mr. Hilditch, próximo ao desvelo pelo assassino. Paralelamente, outra surpresa: mesmo depois de conhecer o passado de Felícia, sua inocência, sua inexperiência, o leitor se encontra, assim como o autor, pronto para rejeitá-la. Esse é o poder da narrativa de William Trevor, um mestre, sem dúvida alguma, na arte literária. A jornada de Felícia, no entanto, é um livro desagradável, incômodo que subverte os parâmetros emocionais do leitor.

 

william trevorWilliam Trevor

 

Felícia e Mr. Hilditch são duas pessoas muito diversas que se encontram por um capricho do acaso. Ela grávida, seduzida por um rapaz de sua pequena cidade que nunca teve a intenção de levá-la a sério. Ele, Joseph Ambrose Hilditch, um homem gordo, com óculos de fundo de garrafa, com um bom temperamento, sólido trabalhador, em um serviço de catering. Os sentimentos mais recônditos de cada um deles aparecem para o leitor numa cadência determinada, sutil e enervante. William Trevor não deixa de mostrar também o lado mais cruel da vida dos que não têm dinheiro, casa ou comida. Com ele o leitor passeia pelo mundo desconhecido e sombrio da rua. À beira do abismo foi o meu sentimento através dessas páginas, 275 delas. Quando? O quê acontecerá? Haverá um golpe final? O desfecho, assim como a obra não tem uma solução clara. Há frustração. Há, como na vida, falta de solução. Não há fada madrinha, não há obra do acaso para redimir a vida desses personagens. Mas talvez, quem sabe, esse seja o único final possível.

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Uma narrativa sublime. Escrita com precisão cirúrgica. Difícil de recomendar. O risco é seu.





Resenha: Nora Webster, de Colm Tóibín

27 12 2015

 

 

1543387xlDias de vitrola

Steve Henderson (EUA, contemporâneo)

óleo sobre painel de madeira,  60 x 50 cm

 

Nora Webster é um livro que retrata de maneira perspicaz o momento de passagem imposto, à revelia de quem o enfrenta, pela morte inesperada de um consorte. A narrativa se concentra na protagonista que dá nome ao livro, resoluta viúva de quarenta anos, com quatro filhos, dois ainda crianças.  Nora passa por um processo de auto-conhecimento após a morte de Maurice Webster, seu marido, professor do ensino médio.  Esse processo revela a ela e a seus familiares e conhecidos aspectos de sua personalidade que inexistiam, ou melhor, que haviam permanecidos dormentes nos anos do casamento.

Vivendo numa pequena cidade ao sul da Irlanda, Nora tem vida circunscrita. Não só pelo casamento, mas também pelo comportamento dos habitantes de Enniscorthy, cidade onde mora que, como na maioria de pequenos centros urbanos, tomam conta e observam os hábitos de todos que ali moram.  Esse constante vigiar das ações dos outros só aumenta após a viuvez de Nora, e ela se cansa dos cuidados que seus vizinhos e conhecidos dispensam.  Sente-se tolhida por tanta comiseração. Além da vida na pequena cidade controlar o comportamento dos moradores, outras forças sociais estão presentes: a pressão da igreja católica, o movimento sindicalista dos trabalhadores e as escaramuças armadas entre a Irlanda do Norte e a Irlanda que culminaram no final da década de 1960, chamadas de The Troubles, (Na Trioblóidí) que se prolongariam por três décadas.  Todos aspectos que iriam dar forma aos rebeldes anos da década de 1960, anos de grandes movimentos sociais e, de quebra, com hábitos e costumes do passado, no ocidente.

 

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Aos poucos, à medida que os três anos cobertos no livro se passam, Nora Webster  descobre que encontrar seu próprio caminho pode não ser fácil.  Depois de duas décadas casada, Nora se conscientiza de que muitas de suas opiniões sobre a vida, pessoas conhecidas, eventos políticos e até hábitos do dia a dia que haviam sido estabelecidos e adotados pelo casal, refletiam em grande parte a opinião de Maurice, seu marido, e  não necessariamente sua opinião.  Essa descoberta não vem de um momento de “Eureca!” mas em relâmpagos de constatação, quando pequenas ou grandes decisões exigem que sua opinião seja firme. No meio de um diálogo sobre política, no julgamento sobre ações de vizinhos ou colegas de trabalho, Nora Webster se pega sabendo o que Maurice diria.  Até nos detalhes da vida familiar a onipresença de Maurice se faz sentir.  Este é o caso da surpresa no prazer que Nora tem com a música, arte que havia sido ignorada pelo marido, e consequentemente por ela através de sua vida em comum.

Sutil é a palavra que define o desenvolvimento de Nora Webster. É pela sutileza que entendemos o processo de contínuo auto-descobrimento da protagonista, ainda que a tradição a condenasse a parâmetros que não aceita, mas em que a sociedade teima em enquadrá-la. Nora Webster não é a heroína ostensivamente combativa que poderíamos esperar para os anos 60 do século passado. É uma revolucionária só em sua própria vida, uma mulher introvertida, cheia de dúvidas, mas que não se apequena diante de decisões difíceis. Aos poucos descobre seus novos limites, uma vida diferente.

 

 Colm Tóibín, © Heathcliff O’malley

 

Mesmo em meio a personagens importantes na história, dos filhos às irmãs, tia ou colegas de trabalho, é a ex-freira transformada em descobridora de talentos que abre para Nora a porta da vida futura. “Todos nós temos muitas vidas, mas existem limites. Nunca sabemos quais eles são.” [260]. A partir daí Nora passa a explorar novas vidas, suas vidas, ciente de que há muitas outras opções na vida do que aquelas que lhe haviam sido apresentadas. Nora passa a pressionar os acontecimentos até saber seus limites. Luta sozinha pela classificação de um dos filhos na escola; arranja novas acomodações numa viagem à Espanha, decide pintar o teto da sala por si só. São pequenos atos de exploração que podem ou não trazer resultados positivos, mas é justamente do testar sua potencialidade no dia a dia, que Nora ganha confiança de viver como bem entende.

Colm Tóibín trabalha vagarosamente descortinando o mundo de Nora Webster como ela o vê. Seu cuidado com detalhes permite que conheçamos o dia a dia, os pensamentos dessa heroína dos acontecimentos diários. Mas ele também é cuidadoso em não revelar tudo. Ao final temos a certeza de que há muito mais em Nora Webster do que sabemos. Há um lado que ficará para sempre inexplorado, guardado nas sombras de um casamento, no potencial imaginário de Nora, facetas que fazem dela um personagem esquivo, imponderável. Inesquecível.





Imagem de leitura — William Mulready

16 10 2015

 

 

William Mulready, RA,Rustic Happiness, or Father and Child,Oil on panel;  1828, 22 x 18 cm (GBFelicidade rústica, 1828

William Mulready (Irlanda, 1786-1863)

óleo sobre madeira, 22 x 18 cm