“Hibisco Roxo” de Chimamanda Ngozi Adichie, resenha

29 11 2017

 

 

6751846c184c909bb0588ab293de16d6Retrato de mulher

Joseph Eze (Nigéria, 1975)

Técnica mista

 

 

Hibisco Roxo foi o primeiro romance publicado da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.  Mas o terceiro dela que leio. Minha apresentação à sua obra foi com Americanah.  Depois li Meio sol amarelo, que continuo achando o melhor dos três, e agora o popularíssimo Hibisco Roxo, leitura obrigatória nos meios feministas, por sua temática: a violência contra a mulher.

Gosto, na prosa de Chimamanda Ngozi Adichie, do retrato social da Nigéria que, para o ocidente, foge aos estereótipos das sociedades dos países africanos, comumente vistas como soterradas na extrema pobreza.  Em todas as três obras, ela nos dá o retrato de um país formado por diversas camadas sociais, com profissionais nas classes rica, empresarial, média e  pobre.  Essa visão multi-strata enriquece a compreensão do leitor sem familiaridade com a realidade local. E o lembra de que o mundo é bem mais complexo do que as notícias que recebemos nos meios de comunicação nos levam a crer; que o mundo não pode ser visto exclusivamente por posturas políticas, visões de progresso e riqueza; nem mesmo pelas distorções do colonialismo.  Hibisco Roxo lembra que culturas e sociedades são formadas por uma variedade de indivíduos: bons, maus, ponderados, fanáticos, abusivos, respeitadores de regras, religiosos.

 

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A trama revolve em torno uma família rica, chefiada por um homem de grande sucesso empresarial que, com a desculpa da religiosidade, domina mulher e filhos — Kambili e Jaja — de maneira cruel exigindo comportamento inumano de sua família.  Suas vidas correm em paralelo à vida de sua irmã que, apesar de professora universitária, não tem o mesmo poder financeiro dele.  Sua educação, é provavelmente responsável pela grandeza humanística com que aceita o mundo em que vive, as tradições culturais do país e, sobretudo, a individualidade de seus filhos.  Por trás de tudo isso, como pano de fundo, há o conflito entre a religião colonizadora em oposição à religião nativa. Mesmo assim, nem nesse, nem nos outros dois livros da autora, mencionados acima, há clara condenação ou revolta contra os resquícios da colonização europeia. Um fato revigorante e inovador.  Essa luta já passou.  Ninguém clama um retorno ao período anterior aos colonizadores.  O passado passou, a colonização britânica faz parte do passado, mas também, hoje, da identidade da Nigéria como a escritora retrata.

O fanatismo religioso demonstrado em Hibisco Roxo, existe em qualquer lugar do mundo, em qualquer país, em qualquer religião.  Neste caso trata-se da religião católica, que é interpretada pelo chefe de família com severidade militar.  Ainda que seja fácil ler nesse extremismo uma crítica ao catolicismo pela autora, é justamente um padre católico um dos personagens mais carismáticos, enquanto joga futebol com os adolescentes e, em visitas familiares aos membros de paróquia, age de maneira perceptiva e grandiosa.

 

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A enredo detalha a passagem da vida de dois adolescentes para as responsabilidades da vida adulta. Criados com muitas restrições os irmãos Kambili e Jaja vão visitar a tia, em outra cidade. Lá, livres dos grilhões paternos, descobrem que o mundo pode ser diferente.  Suas personalidades vêm à tona e com ela a liberdade por que tanto ansiavam.  Com essa liberdade vem também escolha e responsabilidades, que ao final se apresentam necessárias.

Narrado na primeira pessoa por Kambili, a menina que desabrocha na casa da tia, a narrativa corre fácil com tradução de Júlia Romeu.  Percebemos o que Kambili percebe.  Seus olhos são os nossos.  Por isso também vemos o mundo com a mesma ingenuidade e visão limitada dos acontecimentos e personagens.  Até mesmo Jaja, seu irmão, visto pelos olhos de Kambili, não é desenvolvido plenamente. Portanto, quando ele toma uma decisão radical, surpreendente, o leitor se choca,  por não ter reconhecido nele, personagem de tal importância.  Este é o meu problema com a narrativa, e a razão de não poder dar a esse livro todos os meus pontos de aprovação.  A história é envolvente, informativa.  Mas precisava de mais solidez nos personagens.

É uma boa leitura. Interessante, forte. Recomendo.

 

 

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