As amizades comuns, Michel de Montaigne

18 09 2025

Apollinaire e seus amigos, 1909

Marie Laurencin (França, 1883-1956)

óleo sobre  tela

Centre Pompidou, Paris

 

As Amizades Comuns

 

O que habitualmente chamamos amigos e amizades não são senão conhecimentos e familiaridades contraídos quer por alguma circunstância fortuita quer por um qualquer interesse, por meio dos quais as nossas almas se mantêm em contacto. Na amizade de que falo, as almas mesclam-se e fundem-se uma na noutra em união tão absoluta que elas apagam a sutura que as juntou, de sorte a não mais a encontrarem. Se me intimam a dizer porque o amava, sinto que só o posso exprimir respondendo: «Porque era ele; porque era eu».

(…) Não me venham meter ao mesmo nível essas outras amizades comuns! Conheço-as tão bem como qualquer outro, e até algumas das mais perfeitas do gênero, mas não aconselho ninguém a confundir as suas regras: laboraria num erro. Em tais amizades deve-se andar de rédeas na mão, com prudência e cautela – o nó não está atado de maneira que, acerca dele, não se tenha de nutrir alguma desconfiança. «Amai o vosso amigo», dizia Quílon, «como se algum dia tiverdes que o odiar; odiai-o como se tiverdes que o amar.» Este preceito, tão abominável se aplicada à soberana e superna amizade, é salutar a respeito das amizades comuns e habituais, em relação às quais se deve empregar este dito tão ao gosto de Aristóteles: «Ó amigos meus, não há nenhum amigo!»

 

Michel de Montaigne,  em Ensaios





Dia a dia…

16 05 2025

Boa parte do meu dia hoje foi dedicada aos ensaios.  Estou desde o início do ano fazendo o curso de escrita de ENSAIOS com o escritor Tiago Novaes.  Hoje foi um dia diferente e importante, encontro com Bia Nunes de Souza, da Editora Vestígio que se dedica à publicação de ensaios tanto de autores brasileiros quanto estrangeiros.  Aprendi muito com ela, e saí de sua palestra me sentindo incentivada a prosseguir com uma série de pequenos ensaios sobre comportamento, que eventualmente irei publicar.  Impressionante como às vezes uma palavra, uma imagem, um sorriso, podem subitamente acender ideias, dar ânimo, empurrar quem trabalha sozinho.  Aquela nova energia desce como num flash. Nunca sabemos o suficiente para não poder aprender um pouco mais.





“Leque aberto” de Raquel Naveira

18 07 2023

Delicioso livro de ensaios, crônicas, uma ou outra poesia, páginas que como um leque se abrem aos nossos olhos e encantam.  Não há assunto que não possa ser abordado e a variedade é grande.  Vamos abrindo esse leque de considerações sobre a adolescência, por exemplo, engatilhada pela visão da ativista Greta Thunberg em Nova York; vamos do prazer de um bom banho ao quadro As Banhistas de Paul Cézanne e aos de Monet.  De ciganos e uma breve estadia no hospital por um fêmur quebrado, somos guiados a considerações sobre enfermagem, Ana Néri ou ao livro Morro dos Ventos Uivantes de Emily Brontë, não sem antes, ela nos levar à ópera Carmen de Bizet.  Cada uma de suas divagações e considerações enriquece o leitor.  Verdadeiro presente, flanar com Raquel Naveira pelos labirintos da cultura;  um passeio que liga o que somos ao mundo exterior e ao imaginário.

 

Até ler este livro, só conhecia Raquel Naveira por suas poesias.  Casa e Castelo foi o primeiro de seus livros que li, e me encantou, depois veio Casa de Tecla e mais tarde Abadia. Raquel tem voz própria na poesia e um encantamento adicional para mim: é amante das artes plásticas. Muitos de seus poemas e outros escritos mencionam obras de arte que a impactaram.  Sua escrita é acessível e rica.  Seus temas variados seduzem o leitor.  Recomendo a leitura sem restrições.





Comedores de batatas, texto de Raquel Naveira

29 06 2023

Comedores de Batatas, 1885

Vincent van Gogh (Holanda, 1853-1890)

óleo sobre tela 82 x 114 cm

Museu Van Gogh, Amsterdã

 

 

 

“Que quadro impressionante é o Comedores de Batatas, de van Gogh. Usando uma paleta de cores escuras como preto, marrom e ocre, retratou uma cena do cotidiano camponês medieval, com sua miséria, escassez, falta de recursos.  A mesa rústica, a chama trêmula de um lampião que ilumina as faces de crianças rudes, sôfregas, interrogativas. As mãos grosseiras da mulher partindo os pedaços. Escreveu o artista em carta ao seu irmão Théo que se aplicara conscientemente em dar a ideia de que essas pessoas que comem as batatas com as mãos, também lavraram a terra. Que o trabalho manual, árduo, trouxe-lhes a nutrição honesta. E assim, entre goles de café nas canecas e bocados de massa, a luta se desenvolve, sofrida e fraterna.”

 

Em: Leque Aberto, Raquel Naveira, Guaratinguetá, SP, Penalux: 2020, pp, 153-4;





Lendo: “Romancista como vocação”, Haruki Murakami

13 01 2018

 

 

DSC03717ROMANCISTA COMO VOCAÇÃO

Haruki Murakami

Alfagura: 2017, 168 páginas

 

SINOPSE

“Haruki Murakami é um dos mais conhecidos autores contemporâneos do Japão. Quando seus livros são lançados, a imprensa noticia filas enormes nas livrarias de Tóquio e traduções para mais de quarenta idiomas. Ícone da escrita fluida, Murakami transita bem em diversos estilos narrativos: ficção, ensaio, reportagem, nada parece estar fora de seu talento literário. Para abarcar toda essa multiplicidade, chega agora Romancista como vocação, uma série de proposições sobre a escrita, a literatura e a vida pessoal do recluso escritor. Escrito na linguagem acessível típica de Murakami, este livro é um convite a todos que desejam habitar o mundo dos romancistas, bem como uma declaração de amor ao ato da escrita.”





O papel do comércio, Francis Bacon

29 07 2017

 

 

Doceria Anton_Pieck_BakkerijDoceria, ilustração de Anton Pieck.

 

 

“Os comerciantes são a veia porta do corpo da nação. Quando não ocorre florescimento comercial, embora o corpo tenha membros fortes, o sistema circulatório carecerá de sangue e o corpo como um todo apresentará pouca resistência: haverá subnutrição. Impor taxas e tributos sobre essa classe raramente produz  proveitosos do ponto de vista da realeza porque aquilo que o rei pode ganhar sobre uma centena de indivíduos perde no país inteiro que empobrece, porque a massa dos impostos só é possível de crescer proporcionalmente à massa de fundos empregados no comércio.”

 

Em: Da soberania e Da arte de comandar, Francis Bacon, Ensaios, tradução Edson Bini, São Paulo, Edipro: 2015, 2ª edição, p.73