Ilustração: Donald e Margarida numa galeria de arte, Walt Disney.
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Há duas semanas uma grande controvérsia foi iniciada na página literária Prosa e Verso do jornal O Globo, quando Flora Süssekind, em 24 de abril de 2010, escreveu um artigo de duas páginas “A crítica como papel de bala” fazendo observações não muito generosas ao pensamento crítico literário cá pelas nossas bandas. Como sou nova no pedaço, tenho me distraído muito com as diversas reações ao artigo, que aparentemente se dividem ao longo de diferentes correntes da crítica. Em qualquer campo de trabalho há sempre líderes e seguidores. E aqueles que se dividem de acordo com seus interesses mais próximos. Mas confesso que há poucas áreas tão férteis para desavenças imateriais quanto as humanidades. Às vezes chego a me encabular com a mesquinharia de muitos. Meu marido, que como eu, sempre trabalhou no campo humanístico, repete ocasionalmente um provérbio que se tornou auto-explicativo, que corria na faculdade em que ele ensinava literatura: “quanto menor o valor do que está sendo discutido, maiores as paixões”.
Não tenho preparo, conhecimento, nem interesse de entrar nessa briga de “cachorros grandes”, de críticos, resenhistas, pesquisadores e pensadores brasileiros. Achei, no entanto, muito interessante – para a gente ver como é Zeitgeist – o espírito do tempo – que dois dias depois [26/04/2010], saísse publicado no The Chronicle of Higher Education, um artigo Onde estão os críticos/teoristas da literatura? com a intenção de escarafunchar ainda mais um outro aspecto da crítica literária, dessa vez considerando o que acontece nos EUA.
Traduzo livremente do artigo na internet:
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Onde estão os críticos/teoristas da literatura?
Mark Bauerlein
Os cursos superiores de literatura fazem a maior parte das humanidades, mas quando se fala de pesquisa nas humanidades, os pensadores literários e teoristas e críticos e pesquisadores são sistematicamente deixados de lado, e são considerados pensadores de outras áreas — filosofia, lingüística, psicologia, antropologia.
Esta conclusão pode ser feita através da lista compilada pela ISI Rede de Ciência e publicada no Suplemento do Times Higher Education. Nela, autores são listados de acordo com o número de citações que seus livros receberam nas pesquisas , das humanidades, durante o ano de 2007. (Nota: há uma certa ambigüidade entre o título e a descrição na listagem, e não fica claro se esta lista se aplica somente às humanidades ou não. Cada um dos nomes foi citado pelo menos 500 vezes.
Abaixo vemos a lista dos autores que conseguiram mais de 1000 citações:
Michel Foucault (1926-1984) Filosofia, sociologia, crítica 2,521
Pierre Bourdieu (1930-2002) Sociologia 2,465
Jacques Derrida (1930-2004) Filosofia 1,874
Albert Bandura (1925- ) Psicologia 1,536
Anthony Giddens (1938- ) Sociologia 1,303
Erving Goffman (1922-1982) Sociologia 1,066
Jurgen Habermas (1929- ) Filosofia, sociologia 1,049
Nenhum critico literário no grupo. Na verdade, a lista inteira, que contem 37 pessoas, cujos últimos nomes são os de Marx e Nietzeche, tem só um crítico literário/pesquisador/teorista, Edward Said. Isso não teria acontecido há 50 anos, quando, imagino T.S. Elliot, I.A. Richards, Rene Wellek, Lionel Trilling e alguns outros críticos literários estariam na lista.
Não é simplesmente o fato da crítica literária ter-se tornado teoria literária. Teoristas literários mais recentes tais como Paul de Man, Harold Bloom e Sandra Gilbert não são tampouco mencionados. Ao invés disso, temos pesquisadores de literatura procurando em outros cantos por direção e inspiração. É claro que todos esses citados na lista têm implicações de peso no estudo da literatura, mas a ausência quase total daqueles que foram treinados nas escolas superiores em literatura e que vivem nelas é impressionante.
[Mark Bauerlin é um professor de Língua Inglesa na Universidade Emory].
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Não obstante a diferença de teorias, de maneiras de se estudar a literatura existente entre os EUA e o Brasil, o fato é que a crítica literária cá e lá foi sempre muito mais conservadora do que seu próprio tempo. Este é um dos parâmetros da crítica. Não cabe a ela, abrir novos horizontes nas artes, na literatura. Ela está por definição sempre mais atrás. Observando o que se passa, o que foi feito. Por isso mesmo não me surpreendo com os resultados numéricos encontrados pela ISI Rede de Ciência: pesquisadores americanos são em geral muito mais conservadores do que seus equivalentes fora do país, refletindo em muito a postura daquela sociedade, que não é feita de extremos. Mesmo nos campos intelectuais é uma sociedade que tende ao consenso, à média democrática e também aceitar o pensamento estrangeiro com certa desconfiança, não só porque é um país de proporções continentais, mas, sobretudo porque acredita no valor de seu próprio ensino e de seus conceitos [e preconceitos]. E todos esses aspectos levam a um maior conservadorismo de citações, de engajamento no que há de mais moderno na crítica literária ou de outros campos. Lá constrói-se tijolo por tijolo, pacientemente, há modismos mas em menor escala. Os americanos em geral não são tão ansiosos por parecerem “modernos” quanto nós.