Resenha: “Poesia Pura”, Binnie Kirshenbaum

25 08 2020

Sem título

Alan Feltus (EUA, 1943)

óleo sobre tela

Voltei a um livro que li no finalzinho do ano passado, Poesia Pura de Binnie Kirshenbaum, [tradução de Lourdes Menegale], publicado no Brasil em 2002. Cansada da mesmice dos best-sellers, este livro mostrou-se bom antídoto para o tédio.  Não se trata de obra prima merecedora de prêmio, mas uma distração inteligente, com uma heroína pronta para seduzir essa leitora.   Lila Moscowitz é tipicamente nova-iorquina, com um pouco mais de trinta anos, grandessíssima mentirosa que ocasionalmente racionaliza suas fábulas: “é um daqueles casos em que uma mentira personifica uma verdade maior. Uma verdade metafórica, porque a verdade literal serviria apenas para distorcer a realidade…” [15].  Poeta de sucesso, sem pudor na linguagem ou no sexo, encontra-se permanentemente estressada, sem poder escrever uma linha satisfatória, desde que seu casamento com Max terminou.  Angustiada com tarefas cotidianas e vida amorosa insossa, quer ser especial, como qualquer heroína de Woody Allen ou Almodóvar e um pouco das mulheres de Sex and the City. Lila passa os dias pensando no casamento falido.  Enquanto isso aproveitamos de pequenas e deliciosas reflexões cotidianas, em passagens até mesmo prosaicas, como uma visita a um hospital, que valem ser ressaltadas.

“É cruel, pensei, levar flores para pessoas que estão morrendo. É como se você estivesse apressando o funeral. Sem falar em esfregar no nariz deles a fragilidade da vida. Uma lembrança brutal de como uma coisa suave e fresca torna-se marrom nas bordas, o perfume se transforma em mau cheiro, tudo numa questão de dias. Os moribundos não precisam ter isso num vaso na mesa-de-cabeceira”[76].

Lila não quer a vida comum, porque ela é só “para os que não fazem questão do melhor.” Procura desesperadamente sentir-se especial, e aí está a fonte do desespero e a prisão em que se encontra.  Definitivamente uma mulher contemporânea, que se imagina merecedora de muito mais do que o que consegue, vive correndo de lugar em lugar, de pessoa em pessoa, em círculo com assustadora velocidade, à procura do que parece inatingível: felicidade e satisfação consigo mesma.  Lila é adorável na sua franqueza,  mas às vezes cruel. Inteligente, ela mostra a desconcertante procura por uma felicidade inatingível.

Binnie Kirshenbaum

Talvez seja o humor a característica mais encantadora deste livro, quer nas observações do dia a dia, quer nas justificativas que Lila encontra ou fabrica para si mesma,  um sorriso é inescapável do leitor atento.  Encontrei-me frequentemente suspendendo a leitura para poder refletir sobre o que acabara de ler, com a sensação de surpresa e diversão sobre o ponto de vista adotado.  Fora isso, Poesia Pura é um livro sem maiores ambições, cuja grande virtude está no entretenimento inteligente.

 

NOTA: este blog não está associado a qualquer editora ou livraria, não recebe livros nem incentivos para a promoção de livros.





O que escrevo, texto de Binnie Kirshenbaum

23 08 2020

Ilustração de David Galchutt (EUA, contemporâneo)

 

 

“O grande estardalhaço sobre mim é que eu escrevo obedecendo rigorosamente, alguns podiam dizer anacronicamente, à forma. Sonetos, vilancetes, caçonetas, sextinas, essas coisas, que não têm nada de novo, para dizer o mínimo.  É que, aderindo à forma, a minha linguagem é a da rua. Com gíria, coloquial e desbocada. Escrevo pornografia e sujeira em terza rima. Meus poemas são muitas vezes áridos, feios e fermentados com um humor negro. Escrevo sobre a experiência individual, na crença de que uma vida reflete todas as vidas. Dizem, aqueles que gostam dessas coisas, que sou um tanto poeta intimista quanto formal. Acho que é verdade, embora muitos episódios que conto não sejam meus necessariamente. Isto acontece com todos os escritores. Eles roubam fatos de nossas vidas e fazem o que querem.”

 

Em: Poesia pura, Binnie Kirshenbaum, Rio de Janeiro, Record: 2002, tradução de Lourdes Menegale, página 20.





Olhando para Hopper

14 12 2019

 

 

 

people-in-the-sunPessoas no sol [Banho de sol], 1960

Edward  Hopper (EUA, 1882-1967)

Óleo sobre tela, 102 x 153 cm

National Museum of American Art, DC

 

 

“Certa vez, escrevi uma série de sonetos spencerianos tentando contar as histórias baseadas nas pinturas de Hopper. Tristes e sórdidas histórias todas elas, de pessoas patéticas, solitárias e infelizes, marginalizadas, bêbados e pedófilos, mas acabei por rasgar os sonetos e jogá-los no lixo. Os poemas sobre pinturas são pretensiosos, não importa o quanto você os burile. Ainda assim, um quadro de Hopper fazia doer lugares desconhecidos dentro de mim. Lugares onde eu era suscetível ao toque, porque as pessoas de Hopper são, também, pessoas solitárias. Só de olhar para elas você pode dizer que não são amadas e, independentemente do número de figuras no quadro, cada uma delas é um ser solitário. Como se existissem numa caixa invisível que não pode ser penetrada pelo amor, ou pelo toque. Dentro de si mesmas, elas estão entorpecidas e sem esperança.”

 

Em: Poesia pura, Binnie Kirshenbaum, Rio de Janeiro, Record: 2002, tradução de Lourdes Menegale, página 35.