Homem escrevendo carta, 1890
Heinrich Breling (Alemanha, 1849-1914)
óleo sobre madeira
“Eu não gostaria de viver como se fosse imortal. Não tenho medo da morte. Tenho medo do sofrimento. Da velhice, embora agora menos, ao ver a velhice serena e bela de meu pai. Tenho medo da fraqueza, da falta de amor. Mas não tenho medo da morte. Não tinha medo quando era jovem, mas então pensava que era apenas porque parecia distante de mim. Mas agora, aos sessenta anos, o medo não chegou. Amo a vida, mas a vida também é cansaço, sofrimento, dor. Penso na morte como um merecido descanso. Bach a chama de irmã do sono, na maravilhosa cantata BWV 56. Uma irmã gentil que logo virá fechar meus olhos e acariciar-me a cabeça. Jó morreu quando estava “saciado de dias”. Belíssima expressão. Eu também gostaria de chegar a me sentir “saciado de dias” e encerrar com um sorriso este breve círculo que é a vida. Posso desfrutá-la ainda, sem dúvida; ainda quero ver a lua refletida no mar; quero mais beijos da mulher que amo, quero a presença dela que dá sentido a tudo; ainda quero mais tardes dos domingos de inverno, deitado no sofá de casa enchendo páginas de símbolos e fórmulas, sonhando desvendar outro pequeno segredo dos milhares que ainda nos envolvem… Gosto da perspectiva de ainda poder beber deste cálice de ouro; a vida que fervilha, terna e hostil, clara e incompreensível, inesperada… mas já bebi muito desse cálice doce e amargo, e se neste exato momento o anjo viesse me dizer: “Carlo, chegou a hora”, não lhe pediria para me deixar terminar a frase. Sorriria para ele e o seguiria.”
Em: A ordem do tempo, Carlo Rovelli, tradução de Silvana Cobucci, Ed. Objetiva: 2018






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